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Rússia x Ucrânia: Brasil mantém tradição de imparcialidade, dizem analistas

Reunião do Conselho de Segurança da ONU fez um minuto de siêncio pela Ucrânia antes de votar resolução sobre o ataque da Rússia ao país  - CARLO ALLEGRI/REUTERS
Reunião do Conselho de Segurança da ONU fez um minuto de siêncio pela Ucrânia antes de votar resolução sobre o ataque da Rússia ao país Imagem: CARLO ALLEGRI/REUTERS

Amanda Rossi

Do UOL, em São Paulo

01/03/2022 15h28Atualizada em 01/03/2022 17h59

A postura da diplomacia do Brasil, condenando a invasão da Ucrânia ao mesmo tempo em que evita subir o tom contra a Rússia, mantém uma tradição de imparcialidade das relações internacionais brasileiras, dizem analistas.

Na segunda-feira (28), durante sessão extraordinária da Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), o embaixador Ronaldo Costa Filho defendeu tanto o fim dos ataques à Ucrânia como também pediu a reavaliação das sanções econômicas contra a Rússia.

"O Brasil reforça seus pedidos de um cessar-fogo na Ucrânia. Que se reavalie os ataques cibernéticos e as sanções, sobretudo aquelas que possam prejudicar a economia global", disse Costa Filho.

O embaixador também reconheceu os motivos russos, ao mesmo tempo em que declarou que isso não justifica a invasão da Ucrânia.

"O descrédito das preocupações com a segurança vocalizadas pela Rússia prepararam o terreno para a crise que estamos vendo. Deixe-me ser claro, no entanto: esta situação não justifica o uso da força contra o território de um estado membro", prosseguiu Costa Filho.

'Construtor de consenso'

Esta postura da diplomacia brasileira "está alinhada às tradições de política externa do Brasil", diz Carlos Poggio, professor da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado) e especialista em relações internacionais. Historicamente, a diplomacia do Brasil busca adotar posições imparciais, visando uma saída pela negociação.

"A fortaleza do Brasil é justamente ser um construtor de consenso. É chamar as partes para negociação. Foi assim em 1948, quando a participação da diplomacia brasileira foi decisiva para a criação do estado de Israel. Foi assim mais recentemente na COP 26 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021)", disse o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, em entrevista à GloboNews na segunda-feira.

"A posição histórica do Brasil é a de buscar entendimento pela via diplomática, reforçar a ideia de que é preciso chegar a uma solução não violenta, pacífica", concorda Denilde Oliveira Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

Mapa Rússia invade a Ucrânia - 26.02.2022 - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Discurso inadequado de Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro tem repetido a palavra "neutralidade" para se referir à postura do seu governo diante da invasão da Ucrânia pela Rússia. A princípio, pode parecer um discurso alinhado com o Itamaraty. No entanto, Bolsonaro deixa escapar frases que sinalizam apoio à posição de Vladimir Putin, presidente russo, causando embaraço na diplomacia brasileira.

"No meu entender, nós não vamos tomar partido, nós vamos continuar pela neutralidade e ajudar no que for possível na busca por uma solução", disse Bolsonaro para jornalistas, no domingo.

Já em visita a Moscou em fevereiro, dias antes da deflagração do conflito na Ucrânia, Bolsonaro expressou sua "solidariedade" à Rússia. Também repetiu publicamente motivos citados pela Rússia para promover a invasão, ao mesmo tempo em que desconsiderou os argumentos ucranianos - ou seja, não foi imparcial como prega a tradição do Itamaraty.

"Ele [Putin] está se empenhando ali em duas regiões do Sul da Ucrânia que, em referendo, 90% da população quer se tornar independente e se aproximar da Rússia", falou Bolsonaro. "Essas questões são particulares, a própria Ucrânia nasceu de um referendo. E nós aqui assistimos ao desfecho desse embate. O que a Rússia quer é a independência dessas duas áreas", prosseguiu o presidente.

Poggio, professor da Faap, diz que "Bolsonaro não entende nada de política externa e tende a falar coisas que não são adequadas". "O que estamos vendo é um esforço do Itamaraty de tentar encaixar o que o Bolsonaro está dizendo com uma linguagem que se alinhe mais às tradições da política externa brasileira", continua.

Nesse sentido, o ministro Carlos França disse nesta segunda-feira que, "quando o presidente [ Bolsonaro] falou em neutralidade, ele pensava em imparcialidade".

Para Mariana Kalil, professora da Escola Superior de Guerra do Ministério da Defesa, a postura do Itamaraty é esperada. Já a defesa da neutralidade por parte de Bolsonaro chama a atenção.

"Há uma coincidência entre a tradição do Itamaraty e os interesses do Bolsonaro. Isso é novo. Até pouco tempo atrás, a perspectiva internacional que estava prevalecendo no governo Bolsonaro era a das Forças Armadas, de alinhamento com os EUA. O que mudou? Foi o presidente", fala Kalil.

"A motivação para Bolsonaro mudar é que está preocupando alguns analistas. Bolsonaro talvez tenha duas motivações: primeiro, o agronegócio", continua Kalil. O Brasil importa fertilizantes da Rússia. "Segundo, pode haver uma tentativa de Bolsonaro de se aproximar da Rússia visando uma intervenção nas eleições brasileiras", como já ocorreu nas eleições americanas.

  • Veja as últimas informações sobre a guerra na Ucrânia no UOL News com Fabíola Cidral: