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Presidente ucraniano Zelensky se torna referência global em meio à guerra

Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, diz em pronunciamento que proteger Kiev é "prioridade" - Governo da Ucrânia/AFP
Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, diz em pronunciamento que proteger Kiev é "prioridade" Imagem: Governo da Ucrânia/AFP

Do UOL, em São Paulo

02/03/2022 04h00

"Estamos lutando pela sobrevivência. Essa é a maior motivação de todas", falou o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, por vídeo, para o Parlamento Europeu na terça-feira. Ao fim do discurso, foi aplaudido de pé.

Em uma semana de invasão promovida pela Rússia, Zelensky emergiu à posição de referência global pela liderança que tem exercido dentro e fora da Ucrânia. Não deixou o país e, por vídeos publicados nas redes sociais, exorta a população a resistir à invasão. Ao mesmo tempo, negocia com líderes globais por apoio tanto com armamentos como com sanções para enfraquecer a Rússia.

"Zelensky tem conseguido lidar com a guerra de uma maneira que surpreendeu muitos analistas. Não fugiu do país, segue na Ucrânia mobilizando a população e atuando como um agente de coesão interna em um momento extremamente grave", diz Lucas Rezende, professor do Departamento de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

"Muita gente achou que Zelenksy não conseguiria ter esse papel, uma vez que ele não tem o traquejo de um político profissional. E uma situação de guerra é o pior momento que qualquer liderança pode enfrentar", segue Rezende. O cargo de presidente é a primeira posição política ocupada por Zelenksy, que era ator e comediante antes de se candidatar. Foi eleito em 2019, com mais de 70% dos votos.

"Sou deputada do partido de oposição ao presidente. Ainda temos muitas divergências. Mas agora deixamos tudo para mais tarde. Hoje, estou ao lado do meu presidente como Comandante Supremo das Forças Armadas da Ucrânia", publicou no Twitter a deputada ucraniana Inna Sovsun.

Da mesma forma, a professora ucraniana Olga Tarnovska, em entrevista para a GloboNews nesta terça-feira, explicou que fazia oposição a Zelensky, mas agora está ao seu lado.

"Eu sou contrária a esse presidente. Mas, desde que começou o conflito, ele mudou muito sua atitude. Ele está determinado, está mandando as mensagens necessárias, está negociando, está se comprometendo. Agora eu posso somente apoiá-lo e dar-lhe força para lutar por nosso povo", disse Olga.

"O povo ucraniano começou a resistir tanto, com uma vontade de vencer, que ele [Zelensky] foi inspirado pelo próprio povo. Não é ele que inspira o povo, é o povo que inspira seu presidente a atuar do jeito certo", continua a professora ucraniana.

Segundo Rezende, "qualquer guerra cria muita coesão interna, principalmente quando se está sendo atacado". Ainda assim, a liderança de Zelenksy é vista como um fator fundamental na resistência ucraniana, já que muitos pensavam "que a invasão seria muito mais rápida", mas já entra na sua segunda semana, com muita dificuldade para o lado russo.

Imagens de liderança

Uma das primeiras imagens de Zelensky a chamar a atenção internacional para sua liderança foi um vídeo, gravado por ele próprio, nas ruas de Kiev, capital da Ucrânia, após o início da invasão russa. A tônica do vídeo era mostrar que o presidente e membros chave do seu governo permaneciam no país.

"Estamos todos aqui. Nossas tropas estão aqui, nossos cidadãos estão aqui. Todos nós, protegendo a independência de nosso país", disse Zelensky.

No dia seguinte, a Embaixada da Ucrânia em Londres divulgou outra frase de conotação heróica de Zelensky, em resposta a uma oferta de evacuação dos Estados Unidos — não confirmada pelos americanos. "A luta está aqui. Preciso de munição, não de um passeio", teria dito o ucraniano.

Já outro vídeo de Zelensky muito compartilhado para realçar seu patriotismo e sua bravura foi tirado de contexto. Nele, o presidente ucraniano toma café com soldados do país. As imagens tiveram cerca de três milhões de visualizações, mas, segundo o serviço de checagem da BBC, foram feitas cerca de uma semana antes da guerra começar.

Mapa Rússia invade a Ucrânia - 26.02.2022 - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Ao mesmo tempo em que se torna um símbolo interno, Zelensky também direciona seu discurso para a comunidade internacional, considerada essencial para que a Ucrânia possa continuar resistindo à invasão russa. Seu principal esforço é convencer de que o conflito não é somente de interesse ucraniano, apenas, mas por valores democráticos.

"Apesar do fato de que a guerra está ocorrendo na Ucrânia, [a guerra] é essencialmente por valores da vida. Pela democracia e pela liberdade", disse em entrevista nesta terça-feira, para a CNN.

"O mal, armado com foguetes, bombas e artilharia, precisa ser parado imediatamente. Destruído economicamente. Nós devemos mostrar que a humanidade é capaz de proteger a si mesma", falou Zelensky, em vídeo publicado em suas redes sociais, também na terça-feira.

  • Veja as últimas informações sobre a guerra na Ucrânia no UOL News com Fabíola Cidral:

Disputa territorial

Conflitos territoriais na Ucrânia são tema do governo de Zelensky desde seu primeiro dia no cargo. Em seu discurso de posse, em 2019, o presidente disse que a "primeira tarefa" era o cessar-fogo em Donbas, onde ficam as províncias separatistas Luhansk e Donetsk, alinhadas à Rússia.

"Definitivamente, não tenho medo de tomar decisões difíceis e estou pronto para perder minha fama, minhas avaliações positivas e, se necessário, sem qualquer hesitação, minha posição, para trazer a paz, desde que não desistamos de nossos territórios", falou Zelensky.

"O nosso próximo desafio é retomar os territórios perdidos", prosseguiu Zelensky no discurso de posse. Em 2014, a Ucrânia perdeu para a Rússia o território da Crimeia, após outro conflito armado.

"Hoje temos que recuperar suas mentes [dos moradores de Donbas e da Crimeia que apoiam a integração com a Rússia]. Foi isso que perdemos. Ao longo dos anos, as autoridades não fizeram nada para que eles se sentissem ucranianos e entendessem que não são estranhos, mas são nosso povo, são ucranianos", discursou Zelenksy.

"Não somos nós que começamos esta guerra. Mas somos nós que temos que terminá-la. E estamos prontos para o diálogo", prosseguiu o presidente, ainda em 2019.

Nesse sentido, uma das principais estratégias de Zelensky foi aproximar a Ucrânia da União Europeia e da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), uma aliança militar capitaneada pelos Estados Unidos. A Rússia se opõe a essas iniciativas. Para Rezende, da UFMG, Zelensky não contribuiu para o conflito com a Rússia, "até mesmo porque a aproximação com o Ocidente tem 30 anos".