Contra sanções e o Ocidente: Por que países votaram com a Rússia na ONU?
Na última quarta-feira (2), apenas quatro países declararam abertamente seu apoio à Rússia durante votação na Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Por motivos variados, apesar da mesma decisão, Belarus, Coreia do Norte, Eritreia e Síria votaram contra a resolução que condena os ataques russos contra a Ucrânia e pede a retirada das tropas do país.
Entre as razões apresentadas pelos países ou levantadas por analistas estão: firmar posição contra sanções impostas pelo Ocidente, estreitar laços com a Rússia com foco no armamento e treinamento militar e obter apoio do Kremlin.
Apesar de apenas quatro países demonstrarem apoio público aos russos, outros 35 se abstiveram de votar contra a invasão russa. Foram 141 os países que demonstraram insatisfação clara com as ações da Rússia no território ucraniano.
"[Os países que apoiam a Rússia] se posicionam contra a União Europeia e os Estados Unidos. [Essas nações] vivem uma situação política não muito boa e têm chefes de estado não muito próximos à democracia. São perfis que se aproximam", diz Larissa Caroline da Silva, mestranda em Relações Internacionais da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Eritreia quer manter laços estreitos com a Rússia
Único país da África que votou abertamente a favor da Rússia, a Eritreia mantém relações com o governo russo há quase 30 anos.
O presidente Isaias Afewerki chegou ao poder em 1993, após liderar o movimento de guerrilheiros pela independência do país em relação à Etiopia, e instituiu um partido único — que se mantém até hoje no poder, sem eleições.
Entre 2009 e 2018, o país viveu sob sanções impostas pela ONU, e estreitou relações com a Rússia, que vendia commodities — como milho, soja e fertilizantes — e armamento ao país africano. A China também ficou mais próxima.
"A Rússia tem essa agenda de se aliar a países que têm uma democracia frágil ou cada vez mais fragilizada", explica o professor Alexandre dos Santos, que leciona África no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.
Em novembro de 2021, os Estados Unidos impuseram novas sanções, e foram apoiados pela União Europeia, sob argumento de que o governo eritreu auxiliou a Etiópia —antiga inimiga— no conflito contra guerrilheiros pela independência da região de Tigré (ou Tigray).
Novamente o país se viu sem acesso a commodities, armas e munições, além de sanções econômicas.
"É natural que um país como a Eritreia, ao ter essas sanções impostas novamente, se aproxime dos aliados que ainda tem no cenário internacional [Rússia e China]", diz Santos.
Em seu voto junto à Rússia na Assembleia-Geral, o país africano destacou que princípios como "respeito à soberania" e "independência política" devem ser respeitados. O texto destaca "posição intransigente pela paz" e afirma que as sanções impostas têm implicações para os civis.
O professor da PUC-Rio aponta ambiguidade no voto. "Ao contrário do que diz defender, a Eritreia preza pela aliança antes desses pilares defendidos na ONU."
Síria se opõe ao Ocidente e "devolve" apoio russo
O embaixador sírio na ONU, Bassam Sabbagh, manifestou ser contra a resolução antes da votação. Em sua conta no Twitter, ele afirmou que os Estados Unidos e a União Europeia eram "hipócritas" e praticavam "dois pesos e duas medidas".
Na Assembleia-Geral, Sabbagh afirmou que há uma "política de hegemonia ocidental" que tem como objetivo "prolongar crises, espalhar o caos e impor sanções unilaterais".
"A Rússia tem relações estreitas com a Síria desde os tempos da Guerra Fria", explica o cientista político Vicente Ferraro.
Pesquisador do Laboratório de Estudos da Ásia da USP (Universidade de São Paulo), Ferraro relembra que a Rússia vetou resoluções contrárias à Síria no Conselho de Segurança da ONU, ainda no início da guerra no país.
"Além disso, a atuação direta russa no conflito foi fundamental para garantir a sustentação do regime de Bashar al-Assad, derrotando jihadistas e alguns grupos de oposição que contavam com o apoio do Ocidente", explica Ferraro.
Belarus mantém apoio histórico em meio a críticas da Ucrânia
Belarus e Rússia mantêm laços estreitos historicamente. O governante Aleksandr Lukashenko é o aliado mais próximo, inclusive geograficamente, de Putin. Na ONU, o embaixador do país, Velentin Rybakov, também criticou o "dois pesos e duas medidas" do Ocidente.
Na terça-feira (1º), Lukashenko, ordenou o envio de forças adicionais para o sul da Ucrânia, mas negou que participaria da ofensiva russa. Na quarta (2), o embaixador negou qualquer uso de força por parte do país e afirmou que seu papel no conflito é apenas organizar e sediar as negociações.
A relação entre Ucrânia e Belarus está enfraquecida desde antes do conflito, e essa discussão sobre o apoio de Belarus à Rússia potencializou o cenário. Ainda assim, o momento impede que Ucrânia consiga negociar com Rússia em um outro local.
"Há uma comunicação direta entre as autoridades ucranianas e bielorrussas, o que facilitou a mediação no atual conflito", explica Vicente Ferraro.
Nesta quinta-feira (3), a Ucrânia denunciou que a Belarus ordenou ataques contra o país. As informações são do Centro de Comunicações Estratégicas e Segurança da Informação e foram veiculadas pelo Serviço de Estado para Comunicações Especiais e Proteção da Informação da Ucrânia.
Coreia do Norte visa cooperação futura contra o Ocidente
Sem falas durante a votação, a Coreia do Norte se posiciona oficialmente contra as ações ocidentais no conflito por meio da agência estatal KCNA. Uma resposta de 28 de fevereiro, creditada a um chanceler não identificado, afirma que a crise entre Rússia e Ucrânia nasceu da "política hegemônica do Ocidente".
"O maior perigo que o mundo enfrenta agora é a arrogância e a arbitrariedade dos EUA e seus seguidores, que estão abalando a paz e a estabilidade internacionais", diz o texto em tradução livre.
Em janeiro deste ano, Rússia e China se posicionaram junto à Coreia da Norte na ONU e bloquearam uma votação proposta pelos Estados Unidos, que queriam impor sanções contra cinco norte-coreanos. A proposta dos EUA surgiu após lançamento de mísseis por parte da Coreia do Norte.
O cientista político Vicente Ferraro explica que os países mantêm relações também desde a Guerra Fria, a exemplo da Síria, apesar do governo russo ter endossado algumas resoluções do Conselho de Segurança contra o programa nuclear norte-coreano.
"Assim como a Rússia, a Coreia do Norte percebe a coesão entre países do Ocidente, sobretudo na área política e militar, como uma ameaça a seus interesses geopolíticos", contextualiza Ferraro.
E completa: "Ao se posicionar contra a resolução desfavorável à Rússia, a Coreia do Norte está também sinalizando que espera uma cooperação por parte de Moscou contra as pressões do Ocidente".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.