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Guerra da Rússia-Ucrânia

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O que é corredor humanitário e quais as divergências entre Rússia e Ucrânia

Guerra entre Rússia e Ucrânia chega ao 12º dia; confira imagens do conflito

Beatriz Gomes

Colaboração para o UOL, em São Paulo*

07/03/2022 13h51Atualizada em 07/03/2022 15h20

Na segunda rodada de negociação entre Rússia e Ucrânia sobre a guerra, realizada na quinta-feira da semana passada, ficou acordada a criação de corredores humanitários para a fuga de civis, mas a iniciativa falhou no último final de semana e virou alvo de troca de acusações entre os dois países. Começou hoje um novo encontro entre os negociadores russos e ucranianos.

Mas o que seriam essas zonas de fuga? Segundo Larissa de Souza, mestranda em Relações Internacionais pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), os corredores são áreas não ocupadas por forças militares e funcionam como uma forma de acesso legal dos civis a zonas fora da guerra.

Os corredores humanitários são uma forma de pausa temporária do conflito em um lugar e tempo específicos. Todas as partes envolvidas no conflito concordam com essa pausa para tornar essa área neutra, de certa forma, para a passagem de civis, alimentos, ajuda médica, até mesmo para a passagem de jornalistas que possam cobrir o conflito. Ou seja, é uma zona desmilitarizada de passagem segura para as pessoas que querem sair do conflito, que estão sitiadas, e também para a entrada de alimentos, medicamentos e ajuda médica.
Larissa de Souza, mestranda em relações internacionais

A ONU (Organização das Nações Unidas) considera os corredores humanitários como uma das várias formas possíveis de pausa temporária em um conflito armado.

Os corredores são necessários quando as cidades estão sitiadas e a população está sem suprimentos básicos de alimentos, eletricidade e água, como ocorre atualmente em cidades ucranianas.

Nos casos em que uma catástrofe humanitária ocorre porque o direito internacional da guerra está sendo violado — por exemplo, por meio de bombardeios em larga escala a alvos civis — os corredores humanitários podem fornecer alívio crucial, mas já sofreram críticas, disseram especialistas ouvidos pelo UOL (entenda abaixo).

Mapa Rússia invade a Ucrânia - 26.02.2022 - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Quem faz o acordo e o que pode passar ou não pelos corredores?

Na maioria dos casos, os corredores humanitários são negociados pela ONU. Às vezes, eles também são criados por grupos locais. No caso da Rússia e da Ucrânia, ambos os países acordaram na última semana, em reunião entre representantes dos dois países, em Belarus, em criar corredores humanitários para a fuga de civis.

Geralmente, a área é limitada a atores neutros que não estão envolvidos na guerra, como civis, membros da ONU, profissionais da saúde ou organizações de ajuda humanitária como a Cruz Vermelha. No acordo também é determinado o tempo, a área e quais meios de transporte — caminhões, ônibus ou aviões — podem ser usados no corredor.

Segundo Souza, como todos os lados precisam concordar em estabelecer os corredores, existe o risco de abuso militar ou político nestes espaços. Por exemplo, eles podem ser usados para contrabandear armas e combustível para auxiliar tropas em cidades sitiadas.

No entanto, a pesquisadora esclareceu que nos corredores humanitários é proibida a passagem de militares de ambos os lados, conflitos militares — como troca de tiros ou ataques a bombas —, ou mesmo qualquer situação de guerra.

"A passagem [nos corredores] é para ser uma área livre. Uma zona segura para que as pessoas possam sair e que a ajuda possa entrar. Então, não poderia ter armamento, não poderia ter conflito propriamente dito porque é para ser um lugar seguro."

"O que estamos vendo é que provavelmente isso não é o que aconteceu na Ucrânia. Essa passagem não foi respeitada em alguns lugares do país", explicou.

Quais corredores foram estabelecidos na Ucrânia?

No leste da Ucrânia, um cessar-fogo de cinco horas deveria ter vigorado no sábado (5) para permitir a saída de cerca de 200 mil pessoas de Mariupol e 15 mil moradores da cidade de Volnovakha.

Mas a iniciativa falhou depois de algumas horas. A administração da cidade de Mariupol disse que a evacuação foi "adiada por razões de segurança" porque as tropas russas continuaram a bombardear a cidade e seus arredores e, por isso, passaram a pedir que os moradores voltassem aos abrigos.

De acordo com a agência de notícias Reuters, a Rússia, no entanto, disse que os corredores montados perto de Mariupol e Volnovakha não foram usados. A agência de notícias russa RIA disse que "nacionalistas" ucranianos impediram que os civis escapassem e que as tropas russas também foram atacadas durante o cessar-fogo.

Uma nova tentativa de corredores humanitários nas cidades de Mariupol e Volnovakha neste domingo (6) também fracassou. A Ucrânia também disse que, na cidade portuária de Kherson, a Rússia não cumpriu a promessa de um corredor e que 19 veículos com ajuda humanitária não foram autorizados a passar.

A Cruz Vermelha Internacional denunciou nesta segunda-feira (7) que uma rota de evacuação de Mariupol está "minada", depois que as tentativas de evacuar civis do porto fracassaram.

24.fev.2022 - Tanques ucranianos entram na cidade de Mariupol após Putin autorizar operação militar na Ucrânia - Carlos Barria/Reuters - Carlos Barria/Reuters
24.fev.2022 - Tanques ucranianos entram na cidade de Mariupol após Putin autorizar operação militar na Ucrânia
Imagem: Carlos Barria/Reuters

Pontos positivos e problemas dos corredores de fuga

Souza aponta que entre os pontos positivos do corredor humanitário estão a saída de civis em segurança e aqueles que seguirem no território poderão ter acesso a itens essenciais como mantimentos, remédios e ajuda médica.

Para a pesquisadora, o problema das áreas de fuga é a possibilidade que esses espaços criam para os inimigos avançarem no território invadido.

O corredor humanitário, por exemplo, pode permitir que pessoas recebam ajuda, saiam desse lugar em segurança. Um ponto negativo é que esse corredor humanitário também pode virar uma passagem para armamentos e tropas porque é uma zona desmilitarizada, mas ele pode se transformar em uma passagem para a guerra continuar através de armamentos e facilitar a chegada de outros militares em cidades.
Larissa de Souza, mestranda em relações internacionais

Especialistas já ouvidos pelo UOL também apontaram que deixar as áreas vazias pode facilitar o deslocamento de tropas e a ocupação militar russas.

O professor de direito internacional Lucas Carlos Lima, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), ressalta que "naturalmente" existem riscos nessas áreas que não podem ser subestimados.

"Há casos históricos em que foram mal utilizados", avaliou. Como exemplo, cita o conflito entre forças congolesas e rebeldes, em 2008, na província de Nord Kivu, na República Democrática do Congo. "Corredores humanitários criados pelas forças de manutenção de Paz da ONU foram acusados de facilitar o acesso a armamentos na região."

É possível um corredor que realmente funcione na guerra Rússia x Ucrânia?

Souza disse ao UOL que é "difícil", mas não impossível que um corredor humanitário realmente funcione no território ucraniano. Porém, ela destaca que para isso acontecer é necessário que a Rússia e a Ucrânia façam um acordo que seja eficaz e cumprido por ambos os lados.

"Acredito que é possível o corredor funcionar. Ambos teriam que literalmente fazer sua parte, respeitar o corredor, a entrada de ajuda, principalmente a saída de civis, que é o mais importante. O que a gente está vendo neste momento é que as pessoas estão sitiadas, não conseguem sair e pessoas estão morrendo por causa disso. (...) É muito difícil, mas não é impossível os dois lados respeitarem", destacou.

A pesquisadora relembrou ainda que outros conflitos também não fizeram o uso adequado dos corredores para a passagem dos civis, como foi o caso da tomada da Crimeia pela Rússia, em 2014, tema estudado por ela no mestrado.

7.mar.2022 - Moradores atravessam uma ponte destruída ao deixarem cidade de Irpin, na Ucrânia, após dias de bombardeios russos - Carlos Barria/Reuters - Carlos Barria/Reuters
7.mar.2022 - Moradores atravessam uma ponte destruída ao deixarem cidade de Irpin, na Ucrânia, após dias de bombardeios russos
Imagem: Carlos Barria/Reuters

Onde mais eles foram usados?

Corredores humanitários foram criados desde meados do século 20. Por exemplo, durante o chamado "Kindertransport", de 1938 a 1939, crianças judias foram evacuadas para o Reino Unido de áreas sob controle nazista.

A mesma zona de desmilitarização foi usada durante o cerco a Sarajevo, na Bósnia, entre 1992 e 1995, e para a evacuação da cidade de Ghouta, na Síria, em 2018.

No entanto, há muitas guerras e conflitos em que os apelos por corredores civis ou uma pausa nos combates foram feitos em vão. Na guerra em curso no Iêmen, por exemplo, a ONU até agora falhou em suas negociações.

*Com Ana Paula Bimbati e Thaís Augusto, do UOL, em São Paulo, AFP e Deutsche Welle