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Guerra da Rússia-Ucrânia

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É difícil que Rússia ou Ucrânia use Chernobyl na guerra, diz analista

Pripyat, próxima da usina nuclear de Chernobyl, com indicação de radioatividade; usina foi tomada pelos russos há duas semanas - Miquel Llop/NurPhoto/Getty Images
Pripyat, próxima da usina nuclear de Chernobyl, com indicação de radioatividade; usina foi tomada pelos russos há duas semanas Imagem: Miquel Llop/NurPhoto/Getty Images

Guilherme Castellar

Colaboração para o UOL, do Rio

12/03/2022 04h00

O Ministério de Defesa da Ucrânia alertou, ontem (11), para o risco de "ataque terrorista" à usina nuclear de Chernobyl planejado pela própria Rússia, que tem o controle militar da antiga central há duas semanas. Chernobyl fica ao norte da capital Kiev, e foi palco de um acidente em um dos reatores, em 1986, que assustou o mundo todo —a radiação atingiu outros países.

Na publicação do Facebook, o Departamento de Inteligência ucraniano alegou, sem apresentar evidências concretas, "que Putin ordenou que suas tropas preparem um ataque terrorista em Chernobyl pelo qual os invasores russos tentarão culpar a Ucrânia". Para especialistas ouvidos pelo UOL, a nova acusação de Kiev pode ser mais um episódio na guerra de narrativas que envolve o conflito no leste europeu.

Há mais de uma semana, a usina nuclear está no meio de acusações trocadas entre Rússia e Ucrânia. Kiev alega que Chernobyl está sem energia elétrica, o que poderia afetar o sistema que evita o vazamento de radiação dos reatores. Moscou diz que técnicos da Bielorrússia foram enviados e o suprimento de energia está garantido.

Na postagem na rede social, na sexta, a Inteligência da Ucrânia lança suspeitas sobre os técnicos bielorrussos, ao afirmar que, "entre eles, também entraram [na usina] sabotadores russos para organizar um ataque terrorista".

O órgão ligado ao Ministério da Defesa ucraniano diz que a Rússia "criará evidências falsas", sugerindo que tropas russas poderiam coletar cadáveres de soldados ucranianos mortos na tomada do aeroporto de Antonov, na cidade de Gostomel, perto de Kiev, e plantar os corpos na usina nuclear.

Para Vinícius Modolo Teixeira, professor de geopolítica da Universidade do Estado de Mato Grosso, "a ameaça nuclear é um bom argumento para a Ucrânia, mas é um risco muito grande para a Rússia".

É difícil de acreditar que qualquer um dos lados poderia usar uma força tão poderosa quanto a energia nuclear de Chernobyl dentro de alguma estratégia para vencer o conflito."
Vinícius Modolo Teixeira, professor de geopolítica

Teixeira lembra que o discurso oficial da Rússia para assumir o controle de Chernobyl e de Zaporizhzhia —a maior usina nuclear da Europa, também ocupada pelas forças invasoras— seria justamente de impedir que grupos extremistas tomassem essas estruturas para sabotagem ou recuperação de material físsil para utilização como armamento.

"Agora que Chernobyl está sob o controle russo, a responsabilidade por algo que aconteça nas usinas praticamente recairá sobre Moscou", afirma Teixeira.

O "fantasma nuclear" que Chernobyl representa para toda a Europa é um importante ativo na guerra midiática que tem sido característica no conflito na Ucrânia. Por essa razão, especialistas duvidam que as usinas nucleares do país possam ser usadas como "armas".

"É pouco provável qualquer ação direta por parte da Rússia. É muito grande o poderio dos três reatores de Chernobyl [além do destruído em 1986, outros dois estão sendo descomissionados]. Um incidente afetaria a aliada Bielorrússia, que está a 15 km da usina. E, dependendo, a própria Rússia", diz Arthur Moura, mestrando em relações internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Para a Ucrânia, por sua vez, manter a ameaça contra suas instalações nucleares no noticiário faz parte da estratégia do Kiev de angariar apoio global.

A Ucrânia tem essa estratégia de criar uma narrativa de vítima --que de fato ela é, de uma agressão russa-- e conquistar solidariedade global para gerar boicotes à Rússia. Assim, espera minar a popularidade do Putin e a própria crença dos russos na necessidade de manter os esforços de guerra."
Arthur Moura, mestrando em relações internacionais

Além da interrupção de fornecimento de energia para Chernobyl, o governo de Volodymyr Zelensky já acusou a Rússia de torturar os funcionários da central nuclear de Zaporizhzhia.

Apesar das alegações ucranianas, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) reagiu ao alerta de falta de luz em Chernobyl e minimizou o risco sobre a segurança.

Para o especialista em Rússia e Ucrânia da Uerj, se há alguma probabilidade de perigo envolvendo as instalações nucleares ucranianas, isso envolveria mais um acidente do que uma ação intencional.

"Pode haver algum tipo de ingerência por parte da Rússia no tratamento de Chernobyl, que cause um desastre ambiental com vazar material radioativo no rio Diniepre, muito importante para a Ucrânia", diz Moura.