'Inferno' em Mariupol: civis se arriscam em comboio para resgatar parentes
Centenas de veículos civis com panos brancos amarrados às laterais e folhas de papel com a palavra "crianças" coladas aos vidros partiam na manhã desta quarta-feira (23) rumo a Mariupol, no sudeste da Ucrânia. A cidade portuária, considerada estratégica para a Rússia no conflito, é alvo de bombardeios desde os primeiros dias de invasão e os civis têm enfrentado dificuldade para fugir. Hoje é 28º dia de conflito.
Ao menos 300 mil dos 400 mil habitantes conseguiram deixar a cidade, segundo o presidente Volodymyr Zelensky. Os outros 100 mil são impedidos pelos russos de sair pelo corredor humanitário, de acordo com o governo. É parte destas pessoas que o comboio, saído às pressas da cidade de Zaporozhye, tentará resgatar.
"Preciso tirar minha família desse inferno" afirma Oleg, 47, um dos integrantes do comboio. Ele tenta pela terceira vez ir a Mariupol, onde morava e onde ainda estão a ex-mulher, o filho, a irmã e o sobrinho. Como não há conexão, ele não tem notícias dos parentes desde o dia 2 de março.
"Nem sei se eles ainda estão vivos"
As outras duas tentativas de resgate falharam, diz ele, por não conseguir autorização para deixar Zaporozhye.
Oleg contou à reportagem que trabalha em uma organização humanitária internacional e atendia pessoas que se deslocaram internamente pela Ucrânia. Agora, sua própria família vive a mesma situação. Parte dos parentes conseguiu sair de Mariupol no final de fevereiro. Resta retirar quem ainda permanece na cidade. A casa de Oleg, diz ele, foi destruída.
"Nossos parentes estão lá, sofrendo com fome e falta de água. Precisamos retirá-los o mais cedo possível", conta. "A única coisa que está na minha mente é que eu preciso chegar lá, não importa como."
As repetidas falhas nas negociações tentando estabelecer um período de cessar-fogo impede que agências humanitárias, como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, tenham acesso à cidade.
Segundo relatos de quem conseguiu fugir, a população que ainda continua em Mariupol está vivendo sob a brutalidade de ataques incessantes que já destruíram a maior parte dos prédios e matou um número ainda desconhecido de pessoas.
"Não restou nada [de Maripuol], apenas ruínas"
Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia
Os comboios carregam mantimentos, medicamentos, roupas, água e até ferramentas, como pás, enxadas e marretas, para escavar entre os escombros. Os civis seguem por conta própria, sem qualquer apoio oficial. "Em cinco minutos vamos partir com os carros e tentar chegar a Mariupol de novo. E se falhar, vamos tentar amanhã, e depois de amanhã", diz Oleg.
Caso seja abordado por tropas russas, diz que pretende manter a calma. "Nós todos somos seres humanos, acho que vão entender que precisamos evacuar nossos parentes. Imagino que eles também tenham família. De qualquer forma, não tenho opção. Preciso tirar minha família desse inferno."
*Especializado em coberturas de conflitos, o fotógrafo André Liohn reporta ao UOL e à Folha diretamente de Kiev, na Ucrânia, sobre a guerra deflagrada pela Rússia. Com publicações em New York Times, Time e The Guardian, Liohn recebeu o prêmio Robert Capa, um dos mais importantes da fotografia, pela sua cobertura da Primavera Árabe na Líbia, em 2012.
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