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Guerra da Rússia-Ucrânia

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'Bombardeios a cada 10 minutos': Por que Mariupol é importante para Rússia

Pessoas cavam uma cova para vítimas de ataques em Mariupol, no sudeste da Ucrânia - Alexander Ermochenko/Reuters
Pessoas cavam uma cova para vítimas de ataques em Mariupol, no sudeste da Ucrânia Imagem: Alexander Ermochenko/Reuters

Ana Paula Bimbati

Do UOL, em São Paulo*

22/03/2022 04h00Atualizada em 22/03/2022 09h21

Localizada no sudeste da Ucrânia, próxima da Crimeia, a cidade de Mariupol tem sido o principal alvo de bombardeios das tropas russas nos últimos dias. Sua posição geográfica é um dos motivos que a fazem ser importante dentro da estratégia da Rússia, segundo especialistas ouvidos pelo UOL.

Mariupol é um município beira do Mar de Azov. "A intenção dos russos é tomar o porto, negando, assim, o acesso ao mar para Ucrânia", explica o geógrafo Tito Lívio Barcellos Pereira, mestre em ciência política pelo Instituto de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense).

Com a tomada da cidade, a Rússia poderia, por exemplo, desembarcar por via marítima mais suprimentos e também soldados para suas tropas.

Antes de invadir a Ucrânia, há 27 dias, o Exército comandado por Vladimir Putin posicionou ao longo da costa ucraniana navios carregados com tanques de guerra, veículos blindados e soldados, prontos para desembarcar no Mar Negro e no Mar de Azov.

Naquele momento, a meta russa já era cercar as cidades da região para impedir o acesso da Ucrânia ao mar e criar uma conexão direta com a península da Crimeia — anexada pelos russos em 2014 — e a região de Donbass, à leste, onde estão as duas autoproclamadas repúblicas separatistas Lugansk e Donetsk, recentemente reconhecidas por Moscou.

Desde a invasão, Mariupol tem sofrido uma escalada de ataques, que deixaram a cidade sem água, luz e aquecimento — segundo a prefeitura, as forças militares destruíram quase 80% da infraestrutura do município.

No dia 14 de março, uma maternidade foi bombardeadauma grávida e seu bebê morreram depois do ataque. Alguns dias antes, em 10 de março, a Ucrânia acusou o Exército de Vladimir Putin de atacar o corredor humanitário criado para que civis deixassem a cidade. No final da semana passada, um teatro, que servia de refúgio para centenas de civis, também foi atingido. Uma pessoa ficou ferida gravemente.

"Bombas estão caindo a cada dez minutos. Navios de guerra da marinha russa estão bombardeando", disse o capitão Svyatoslay Palamar, do Regimento da Guarda Nacional Azov em Mariupol, nesta segunda-feira (21) à CNN Internacional.

As autoridades ucranianas também acusam a Rússia de levar a força para o país mulheres e crianças que vivem cidade.

Mariupol não é apenas uma tragédia da Ucrânia, é uma tragédia do mundo inteiro, é um crime de guerra contínuo cometido pela Federação Russa"
Dmitry Kuleba, ministro Relações Exteriores da Ucrânia, ontem

Caso a Rússia consiga tomar Mariupol, o país terá total controle marítimo da região. "Isso significa um bloqueio da Ucrânia no mar de Azov e no mar Negro", diz Lucas Rezende, professor do Departamento de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

População em fuga

Até a semana passada, ao menos 10% dos 430 mil habitantes haviam deixado a cidade, de acordo com as autoridades ucranianas — parte deles seguiu para Zaporozhye, a cerca de 200 km de distância.

Svetlana Kuryacha partiu de Mariupol e disse que o cenário local é de fortes bombardeios. "As pessoas que moravam do outro lado de minha rua morreram todas queimadas vivas. Agora, só restam seus ossos pelo chão", relatou ao UOL.

Para o professor Rezende, do ponto de vista militar, o esvaziamento da cidade favorece a ocupação russa. "Não tenho dúvidas de que a evacuação e corredores humanitários são os melhores caminhos para proteger a vida de civis", analisa.

Mas, sem os moradores, a tomada da cidade por parte da Rússia pode ser facilitada. "Se há um esvaziamento significativo, junto com outras regiões já tomadas, uma retomada futurada da Ucrânia pode ser dificultada", explica o professor.

Na segunda-feira, pouco mais de 3.000 moradores de Mariupol conseguiram deixar a cidade, segundo informou a vice-primeira-ministra e ministra da Reintegração dos Territórios Temporariamente Ocupados da Ucrânia, Iryna Vereshchuk — no domingo, esse número foi de mais de 7.200 pessoas.

O geógrafo Lívio Pereira sugere que um dos caminhos pata tentar evitar o controle russo seria a Ucrânia deslocar parte de suas forças militares para a cidade.

"O problema é que essas tropas que estão perto também estão sofrendo riscos pelos separatistas e pelos russos em uma espécie de envelopamento das regiões", diz o geógrafo. Enquanto isso, segundo ele, a aviação russa consegue operar com "relativa liberdade" no território ucraniano, o que compromete ainda mais os esforços de guerra das tropas da Ucrânia.

Sem rendição

No domingo (20), o comando militar do Kremlin havia anunciado um ultimato às autoridades de Mariupol até as 5h de ontem para que respondessem a oito páginas de demandas, que segundo os ucranianos eram o equivalente a uma rendição.

A Ucrânia, no entanto, rejeitou a proposta. Segundo um líder separatista, a Rússia prevê mais uma semana para tomar a cidade.

*Com Reuters