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Revolta com Putin e saúde debilitada: como foram últimos anos de Gorbachev

O Presidente russo Vladimir Putin (à direita) ouve o ex-presidente da URSS Mikhail Gorbachev - Christian Charisius/Foto de Arquivo/Reuters - 21.dez.2004
O Presidente russo Vladimir Putin (à direita) ouve o ex-presidente da URSS Mikhail Gorbachev Imagem: Christian Charisius/Foto de Arquivo/Reuters - 21.dez.2004

Fabiana Maranhão

Colaboração para o UOL

31/08/2022 08h45Atualizada em 31/08/2022 17h13

Os últimos anos de vida do ex-líder soviético Mikhail Gorbachev foram marcados por problemas de saúde e também por críticas ao atual presidente da Rússia, Vladimir Putin. O último presidente da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) morreu nesta terça-feira (30), aos 91 anos de idade.

"Hoje [terça-feira] à noite, após uma longa e grave enfermidade, Mikhail Sergeyevich Gorbachev morreu", informou o Hospital Clínico Central (TSKB, na sigla em russo), segundo agências de notícias russas.

Gorbachev foi hospitalizado no início da pandemia de covid-19, a pedido de seus médicos, e desde então estava sob supervisão, de acordo com a agência de notícias Interfax. Segundo o jornal britânico Daily Mail, o ex-líder soviético sofria de problemas renais há muitos anos e, por conta disso, fazia diálise.

Em entrevista à revista alemã Der Spiegel em 2011, Gorbachev revelou que, entre o fim dos anos 2000 e começo dos anos 2010, passou por três cirurgias em um intervalo de cinco anos. "Foi bastante duro porque foram todas grandes: primeiro, a carótida, depois, a próstata e, neste ano, minha coluna."

Mesmo internado durante a pandemia, Gorbachev continuou dando entrevistas e comentando assuntos globais até o fim de sua vida.

Críticas a Putin

Em reportagem publicada em julho deste ano no Daily Mail, o jornalista russo Alexei Venediktov, que tinha contato com Gorbachev, afirmou que o ex-presidente da URSS estava consternado por estar vendo o trabalho de sua vida 'destruído' por Putin enquanto a Rússia mergulha no autoritarismo e na agressão militar.

Embora Gorbachev não tenha falado abertamente sobre o atual conflito entre Rússia e Ucrânia, Venediktov disse: "Posso dizer que ele está chateado. Claro, ele entende que [...] este foi o trabalho de sua vida."

Venediktov foi editor da rádio independente Ekho Moskvy (Ecos de Moscou), que anunciou, em março deste ano, sua dissolução depois de sofrer pressões por causa da cobertura que fazia da invasão russa à Ucrânia.

Na entrevista ao Der Spiegel em 2011, Mikhail Gorbachev disse que apoiou "Putin durante sua presidência, e ainda o defendo de muitas formas hoje" e afirmou que "o que me preocupa é o que o partido Rússia Unida, de Putin, e o governo estão fazendo". "Eles querem preservar o status quo. Não há avanço. Pelo contrário, eles estão nos puxando para o passado, enquanto o país está precisando urgentemente de modernização."

Mikhail Gorbachev (de boina) chega para assistir ao desfile do Dia da Vitória da Praça Vermelha, em Moscou - Mikhail Svetlov/Getty Images - 9.mai.2019 - Mikhail Svetlov/Getty Images - 9.mai.2019
Mikhail Gorbachev (de boina) chega para assistir ao desfile do Dia da Vitória da Praça Vermelha, em Moscou
Imagem: Mikhail Svetlov/Getty Images - 9.mai.2019

Ex-líder soviético

Nascido em 2 de março de 1931 em uma família de camponeses na região de Stavropol, no sul da Rússia, Gorbachev cresceu em meio às dificuldades da Segunda Guerra Mundial e ao governo repressivo do ditador Joseph Stalin, cujo regime condenou seu avô a nove anos em um campo de trabalho.

Gorbachev liderou a URSS entre os anos de 1985 e 1991 como secretário-geral do Comitê Central do PCUS (Partido Comunista da União Soviética) e depois como presidente da URSS.

Ao lançar reformas para alcançar a "glasnost" (transparência) e a "perestroika" (reestruturação), Gorbachev desencadeou as forças que levaram à dissolução da URSS e à sua destituição do poder.

A renúncia de Mikhail Gorbachev do posto de presidente da URSS, em 25 de dezembro de 1991, marcou o fim do império soviético, o que Vladimir Putin já chamou de "maior catástrofe geopolítica do século 20".

Em um artigo publicado em 2016, Gorbachev admitiu sua parcela de responsabilidade pelo colapso do mundo soviético. "Mas minha consciência está limpa", escreveu ele em um jornal russo. "Defendi a União até o fim por meios políticos."

Gorbachev ganhou o Nobel da Paz em 1990 por seu papel para pôr fim ao confronto entre o Oriente e o Ocidente no século passado. Ele percorreu o mundo dando palestras, apoiou causas ambientais e realizou campanhas de arrecadação de fundos para sua fundação.

Em 1996, ele concorreu à presidência da Rússia, recebendo apenas 0,5% dos votos nas eleições vencidas por Boris Yeltsin. No entanto, manteve alguma influência através do jornal Novaya Gazeta, do qual era um dos proprietários.

Ao longo dos anos, foi reduzindo suas aparições públicas, mas continuou defendendo as causas que defendeu por toda a vida.

Foi contundente quando Donald Trump anunciou em 2018 que os EUA se retirariam do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário que Gorbachev negociou com o então presidente norte-americano Ronald Reagan em 1987.

"Um grande perigo (...) agora paira sobre tudo o que conquistamos nos anos desde o fim da Guerra Fria", escreveu ele no jornal Vedomosti. No entanto, permanecia esperançoso. "A política, não as armas, é a chave para resolver os problemas de segurança", afirmou Gorbachev.

No final de 2021, meses antes de Putin invadir a Ucrânia, em fevereiro deste ano, Gorbachev lamentou o expansionismo da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), dizendo que os 'arrogantes' EUA 'construíram um novo império'.