Estupro de idosas e tortura: o que são crimes de guerra e qual a punição?
Uma comissão criada pela ONU (Organização das Nações Unidas) concluiu que foram cometidos crimes de guerra na Ucrânia. O grupo listou regiões que foram alvos de ataques realizados por russos e até o estupro de idosas por parte de soldados do Kremlin. A investigação também registrou alguns casos de abusos por parte das tropas ucranianas. O informe é o primeiro resultado de um inquérito internacional independente e foi apresentado nesta sexta-feira (23) em Genebra.
O crime de guerra ocorre quando uma das partes ataca voluntariamente pessoas e materiais não-militares. Na Ucrânia, imagens de corpos com mãos amarradas para trás ou em valas comuns com trajes civis e a destruição de hospitais e escolas causaram indignação e motivaram as apurações. Diversos países, além da aliança militar Otan (Organização do Tratado Atlântico-Norte), pediram a investigação dos casos.
A Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Ucrânia documentou violações como o uso ilegal de armas explosivas, ataques indiscriminados, violações da integridade pessoal, incluindo execuções, tortura, maus-tratos e violência sexual. Um dos aspectos que chocou os investigadores foi o amplo uso da violência sexual: a idade das vítimas variou de 4 a 82 anos. A investigação focou em eventos nas regiões de Kiev, Chernihiv, Kharkiv e Sumy.
No documento, não há uma responsabilização direta de quem seriam os autores dos crimes, uma vez que essa investigação ainda está sendo realizada, mas a comissão deixa claro que registrou atos de tortura e abusos em prisões mantidas pelos russos. Se constatado o crime de guerra, os responsáveis podem ser presos e levados para julgamento em Haia, na Holanda.
O que é crime de guerra?
Um crime de guerra ocorre quando uma das partes que está no conflito/guerra atinge de forma intencional os direitos/leis internacionais, especialmente com violação dos direitos humanos, diz advogada Fabíola Pereira, especialista em crimes contra a humanidade.
De modo geral, acontece quando uma das partes ataca voluntariamente pessoas e materiais não-militares.
Alguns dos atos considerados crimes de guerra são:
- lançar ataques propositalmente contra civis
- privar prisioneiros de guerra de julgamento justo
- torturar prisioneiros de guerra
- pegar reféns entre a população civil
- forçar deslocamentos
- utilizar gás venenoso
- estupro e agressão sexual
Nem sempre atos como esses foram considerados crimes. Isso ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, quando as autoridades internacionais se atentaram para exageros cometidos contra a humanidade em momentos de conflito.
Já o genocídio é um tipo de crime de guerra, considerado mais grave do que o assassinato ilegal de civis, porque configura extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso.
Como esses crimes são julgados?
O Tribunal Penal Internacional tem como objetivo julgar indivíduos por violações e crimes cometidos em conflitos ao redor do mundo. Ele segue os acordos feitos na Convenção de Genebra (1949), quando foram assinados tratados internacionais para diminuir as consequências das guerras sobre a população civil.
O promotor-chefe do TPI, o advogado britânico Karim Khan QC, diz que há uma base razoável para acreditar que crimes de guerra foram cometidos na Ucrânia. Os investigadores vão analisar as acusações passadas e presentes - desde 2013, antes da anexação da Crimeia pela Rússia.
Se houver evidências, o promotor pedirá que os juízes do TPI emitam mandados de prisão para levar indivíduos a julgamento em Haia, na Holanda.
Mas há limitações práticas. O tribunal não tem sua própria força policial, então depende de cada Estado para prender os suspeitos. A Rússia não é membro do tribunal - se retirou em 2016. E o presidente russo, Vladimir Putin, não vai extraditar nenhum suspeito.
Se um suspeito fosse para outro país, ele poderia ser preso - mas isso é pouco provável.
A especialista em direito internacional Maria Varaki ressalta que as águas do direito humanitário internacional são turvas. As leis são guiada por três princípios: distinção, proporcionalidade e precaução, mas há margem para interpretação.
"Posso dar o exemplo de um shopping-center que foi bombardeado: os ucranianos disseram ser claramente uma infraestrutura civil; e os russos afirmaram que, segundo dados do serviço secreto, ele estava sendo usado como local de armazenagem para fins militares", diz Varaki. "Tudo é baseado em interpretação e em julgamento humano: o que se deve visar, quando e até que ponto."
"Políticos invocam a palavra genocídio com outros propósitos, para desencadear uma reação emocional. Segundo a lei, porém, é muito, muito difícil provar esse crime. É preciso se ter intenção genocida, de acordo com a definição pelo Estatuto de Roma e da Convenção sobre o Genocídio de 1948."
Veja como evoluíram alguns julgamentos de guerra:
Crimes no Afeganistão
Em 2020, o Tribunal Penal Internacional (TPI) abriu uma investigação contra militares dos Estados Unidos por supostos crimes de guerra e contra a humanidade cometidos no Afeganistão. Teriam sido cometidos atos de tortura, tratamento cruel, ultrajes à dignidade pessoal, estupro e violência sexual em 2003 e 2004. As acusações também cobrem os atos do Talibã e das forças de seguranças afegãs.
A investigação foi adiada depois de um pedido das autoridades afegãs para assumir o caso, mas retomadas em 2021.
Outras acusações surgiram em 2020 contra 39 integrantes das forças especiais australianas. Um relatório do próprio país recomenda a punição a dezenove suspeitos pelo assassinato de civis afegãos a sangue frio e a indenização às famílias das vítimas.
Prisão de Abu Ghraib
Em 2003, durante a Guerra do Iraque, os Estados Unidos também foram acusados de cometer crimes de guerra na prisão de Abu Ghraib, a 32 km da capital Bagdá. O local foi palco de torturas, abuso sexual a assassinato.
O governo norte-americano chegou a afirmar que os crimes eram atos isolados, mas o Comitê Internacional da Cruz, a Anistia Internacional e a Human Rights Watch afirmaram que os atos brutais aconteciam em outros lugares além do Iraque, como no Afeganistão e na Baía de Guantánamo, em Cuba.
Documentos conhecidos como Memorandos de Tortura demonstraram a participação do governo nos crimes. Os Estados Unidos não foram julgados pelos crimes até hoje.
Genocídio em Ruanda
Foi um massacre em massa de pessoas dos grupos étnicos tutsi, twa e de hutus moderados em Ruanda, que ocorreu entre 7 de abril e 15 de julho de 1994 durante a Guerra Civil de Ruanda. Nesse período, cerca de 800 mil tutsis foram mortos por milícias hutus, sobretudo com o uso de facões.
Não houve nenhum tipo de mobilização internacional para impedir esse massacre, e mesmo as tropas existentes da ONU foram retiradas do país.
Em 1998, a Corte Criminal Internacional para a Ruanda, um tribunal especialmente criado pelas Nações Unidas para julgar crimes de guerra e crimes contra a humanidade naquele país, condenou Jean-Paul Akayesu por genocídio e crimes contra a humanidade.
Ele participou e supervisionou o massacre enquanto era prefeito da cidade ruandense de Taba. Foi a primeira condenação por crime de genocídio da história.
Os julgamentos de Nuremberg
Em 1945 e 1946, após o término da Segunda Guerra, alguns dos responsáveis pelo Holocausto foram levados a julgamento em Nuremberg, na Alemanha. Juízes das Forças Aliadas (Grã-Bretanha, França, União Soviética e Estados Unidos) presidiram os interrogatórios de 22 dos principais criminosos nazistas. Doze deles receberam pena de morte.
Entre os acusados estavam oficiais do Partido Nazista e militares de alta patente, além de empresários, advogados e médicos que colaboraram ativamente com o projeto nazista.
Ficaram estabelecidas três categorias de crimes:
- crimes contra a paz - planejamento e engajamento em atividades de guerra que descumprissem acordos internacionais;
- crimes de guerra - como tratamento impróprio a civis e prisioneiros de guerra;
- crimes contra a humanidade - assassinato, escravização, deportação e perseguição a civis com base em motivos políticos, religiosos ou raciais.
Muitos outros criminosos nunca foram julgados. Mas os julgamentos de nazistas continuaram acontecendo na Alemanha e em muitos outros países. (Com agências internacionais)
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