Planalto aposta em repatriação de Gaza para reforçar defesa de cessar-fogo

O governo Lula (PT) aposta em mostrar o sucesso da operação de repatriação dos brasileiros, que desembarcaram em segurança no país, para reforçar a campanha internacional pelo cessar-fogo na Faixa de Gaza.

O que aconteceu

Com os brasileiros em casa, o plano do presidente é usar as mensagens de esperança e os relatos de destruição para voltar a pedir por cessar-fogo. Lula deu voz aos repatriados logo na chegada ao Brasil e o governo marcou uma nova entrevista coletiva com eles para ontem à tarde.

O Itamaraty conseguiu trazer com segurança o grupo com 32 brasileiros e familiares da região em conflito na segunda (13), depois de semanas de negociação. Algumas intercorrências irritaram Lula e deixaram o governo apreensivo com o que poderia acontecer, mas, ao final, a operação foi considerada "um sucesso" pelo Ministério das Relações Exteriores.

O presidente já subiu o tom contra a atuação de Israel no conflito. Segundo pessoas próximas ao Planalto, há uma indignação pelas mortes de civis e críticas à atitude do governo israelense em relação aos refugiados.

Lula também pretende manter o questionamento ao poder de veto por países do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas). Por causa dele, o único voto dos Estados Unidos fez ser rejeitada a proposta de paz do Brasil.

Brasileiros vivos contra morte de civis

O presidente foi pessoalmente receber os brasileiros na base aérea de Brasília. Acompanhado da primeira-dama Janja da Silva e de ministros de Estado, ele saudou os repatriados.

Nas falas dos brasileiros, houve agradecimentos pela atuação do Itamaraty e relatos de destruição em Gaza. Em seguida, Lula fez duras críticas a Israel, comparando a reação do Estado judeu à atuação terrorista do grupo Hamas.

Continua após a publicidade

Os discursos não foram à toa. Lula e o Itamaraty querem contrapor as mensagens de esperança às histórias de tragédia.

Lula tem sido uma das principais vozes internacionais a pedir por um cessar-fogo para a retirada de civis do local. Na proposta brasileira enviada à ONU, o Brasil propunha ainda a criação de um corredor humanitário.

A aposta, agora, é que as histórias ajudem a dar força aos pedidos de paz e aos questionamentos ao Conselho de Segurança.

Desde a campanha, Lula tem criticado o poder de vetor de cinco países-membros e, como presidente, tenta mudar as configurações da organização.

Eu nunca vi uma violência tão desumana contra inocentes. O Hamas cometeu ato de terrorismo, mas a resposta de Israel também é letal contra crianças e mulheres inocentes. Destruição de tudo o que foi construído com muita luta, como escolas, hospitais. O governo brasileiro vai continuar lutando pela paz, cobrando dos outros presidentes um comportamento humanista, pelo cessar-fogo.
Lula, ao receber os brasileiros

Lula ainda defende a coexistência de Israel com um Estado Palestino , como tradicionalmente prega a diplomacia brasileira, e busca ponderar o discurso de paz, mas, segundo interlocutores do Planalto, vários fatores fizeram o presidente se posicionar de forma mais contundente contra Tel Aviv:

Continua após a publicidade
  1. Destruição de hospitais e morte de crianças. De acordo com a ONU, mais de 11 mil civis já morreram em Gaza --4.500 deles, crianças. O Exército israelense também tem assumido ataques a hospitais, universidades e ambulâncias por, supostamente, esconderem terroristas do Hamas. A escalada das mortes, sem sinal de arrefecimento, tem revoltado o presidente, que já falou que Israel "joga bombas sem critério".
  2. Demora na liberação de brasileiros. Após mais de 20 dias com a lista dos brasileiros nas mãos, ficou claro para o governo brasileiro de que a demora para a liberação partiu do governo israelense. Se antes isso não era dito abertamente, agora Lula já fala que a saída "dependia da boa vontade" de Tel Aviv. O falso alarme para a saída na última quarta-feira (8), quando estava programada a liberação, o irritou especialmente.
  3. Embaixador de Israel com Bolsonaro. O Itamaraty viu como grave o encontro do embaixador de Israel, Daniel Zohar Zonshine, com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na Câmara dos Deputados em meio às negociações de repatriação. Lula teria considerado a atitude "inadmissível", sob suspeita de que havia aval do governo de Benjamin Netanyahu, apoiador do ex-presidente, mas foi aconselhado a não se pronunciar até que a situação dos brasileiros fosse resolvida.

Uso político por Bolsonaro

Lulistas também comemoraram discretamente o fracasso da narrativa de bolsonaristas e da oposição de que o ex-presidente teria sido o responsável pela repatriação dos brasileiros.

Petistas não só ironizaram o encontro —com direito a uma mensagem de deboche do ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social), Paulo Pimenta— como retomaram vídeos de Bolsonaro quando estourou o conflito entre Rússia e Ucrânia. Como presidente, Bolsonaro foi cobrado pela demora para retirar compatriotas do país europeu.

O consenso, tanto no Planalto quanto no Itamaraty, é que a narrativa bolsonarista não pegou —pegou, na verdade, mal para Zonshine, que teve de se explicar.

Deixe seu comentário

Só para assinantes