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Brasileiro 'herói' disputará eleição em Dublin: 'Sabia que iriam me julgar'

Herói após parar um ataque a facadas na Irlanda em 2023, o brasileiro Caio Benício afirmou ao UOL que não tem medo de manchar sua imagem com uma carreira na política internacional.

O que aconteceu

Na Irlanda desde 2021, Caio tentará conquistar uma vaga no Conselho Municipal de Dublin. Se eleito, ele assumirá um cargo semelhante ao de vereador no Brasil.

"Sabia que iriam me julgar, que iriam me criticar, que iriam achar que sou oportunista", afirma. Caio, que conseguiu o equivalente a R$ 1 milhão em uma vaquinha virtual após ter o rosto estampado em jornais do país, afirmou que "não pensou nos riscos" da atitude.

Motivação para a candidatura. Caio afirmou que se sentiu "um pouco egoísta" após voltar ao Brasil com o dinheiro arrecadado pela vaquinha e julgou "um desperdício" não usar a própria visibilidade para mudar a realidade de brasileiros na região.

Polarização do Brasil fez com que ele escolhesse voltar à Irlanda. Natural do Rio de Janeiro, ele voltou ao estado em dezembro de 2022. Na ocasião, ele afirmou ter encontrado um Brasil polarizado politicamente, o que o desmotivou. O plano de Caio é levar toda a família para a Irlanda quando a filha mais velha dele concluir a graduação. "O resultado não vai fazer diferença [no plano]", afirma.

"Pequenos grupos extremistas não definem a população inteira", afirma o brasileiro. Questionado sobre casos de xenofobia que acabaram com brasileiros espancados nos últimos meses, Caio afirmou que este é um problema global e que não é positivo fazer generalizações. Para ele, os irlandeses são um povo acolhedor, que tem semelhanças com os brasileiros.

"Acho que consigo trazer visibilidade para casos de violência". Além de publicizar o caso envolvendo imigrantes para a população geral, Caio, que já foi dono de negócios em Londres e no Brasil, também pensa em criar programas de inclusão para jovens nos esportes e implementar programas para segurança de entregadores de delivery, em sua maioria estrangeiros, no país.

Brasileiro diz que a política é polêmica, mas que não tem dúvidas sobre a legitimidade da sua atitude. "O que me trouxe até aqui foi uma atitude. Eu sabia que [parar o ataque] era o certo a se fazer. Quando você sabe que o que você está fazendo é o certo, você tem certeza, você faz. Você não pensa nos riscos. É a mesma coisa agora", afirma.

Tem muita gente que olha a política com maus olhos, principalmente no Brasil. Mas eu não estou preocupado com se a minha imagem de herói vai sair arranhada com isso.
Caio Benício, brasileiro que tentará vaga no Conselho Municipal de Dublin

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Sobre as eleições locais de Dublin

As votações municipais serão em 7 de junho e Caio será candidato pelo partido centrista Fianna Fáil. Além dele, outra brasileira, Isabel Oliveira, também concorre ao mesmo cargo pelo mesmo partido.

O brasileiro pode concorrer porque nas eleições locais de Dublin qualquer residente maior de 18 anos é considerado elegível. Além de comprovar residência no país, o estrangeiro não pode ter passagens policiais, estar em cargos públicos (como na polícia ou na área da saúde) nem ter cumprido pena relacionada a fraudes ou corrupção.

Ele tenta assumir uma vaga no distrito de North Inner City, que terá sete cadeiras no Conselho. Ao todo, 11 regiões diferentes de Dublin deverão eleger 67 candidatos.

Em 2019, candidato que ganhou vaga almejada por Caio em 2024 teve cerca de 1,5 mil votos. Como a quantidade necessária para se eleger depende do número de votantes, a projeção não é exata.

Brasileiros residentes na Irlanda podem votar. Conscientizar a população imigrante no país, que hoje é de mais de 80 mil, segundo dados do Itamaraty, foi um dos pontos da campanha de Caio.

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Escolha do partido de Caio pareceu frustrar alguns brasileiros. Flutuando entre o centro e a centro-direita, o Fianna Fáil foi criado após discordâncias dentro do partido Sinn Féin, de centro-esquerda. Por muitas vezes, a legenda é definida como "conservadora" pela imprensa local. "Você é imigrante, entregador e é candidato por partido conservador? A galera que vota nesse partido não quer você aí", afirmou uma das seguidoras do brasileiro nas redes sociais.

Comunidade brasileira não sabe que pode votar. Tem gente que mora aqui há 20 anos e não sabe desse direito.
Caio Benício, ao UOL

A Irlanda é um país sem polarização?

O país é, de fato, menos polarizado do que o Brasil. Um estudo do Edelman Trust Barometer que aponta a nação latina como um dos países com maior risco de polarização severa na política sequer elencou a Irlanda na lista das maiores divisões políticas do mundo em 2023.

Apesar disso, é possível notar um crescimento de sentimentos extremistas no país. A informação é da doutora Flávia Loss de Araújo, coordenadora da pós em Relações Internacionais da FESP e professora do Instituto Mauá de Tecnologia.

A xenofobia é um desses sentimentos crescentes na Irlanda, conta a pesquisadora. "Outra questão que está relativa à imigração é que a Irlanda passa por uma crise de habitação, então a chegada de mais pessoas acaba pressionando a procura por moradias. Uma coisa alimenta a outra, ainda que a economia precise dessa mão de obra que vem de fora", explica a especialista.

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Para a especialista, Caio deverá se deparar com as nuances dessa política e ver a situação "por outro ângulo" se for eleito. "Lá há um cenário muito mais estável, mas não acho que seja essa calmaria toda que ele enxerga", afirma.

Um fator que tem agido como "barreira" na polarização no país é a diferença do sistema eleitoral. Para o doutor Demetrius Pereira, professor do curso de Relações Internacionais da ESPM, o parlamentarismo, que depende de indicações para escolha de um governante, ameniza situações de polarização.

Enquanto o Brasil trabalha com um sistema presidencialista, na Irlanda o presidente tem poucos poderes e quem realmente governa é o primeiro-ministro. "O atual governo irlandês é apoiado por partidos mais para centro, centro-direita e também pelos verdes, que são os "ambientalistas". Isso evita essa questão de polarização", afirma Demetrius.

Caio não está errado [sobre a polarização], mas talvez ele não tenha percebido ainda o quanto a política lá, e principalmente a democracia, também está passando por um momento muito difícil.
Flávia Loss de Araújo, coordenadora da pós em Relações Internacionais da FESP

Voto estrangeiro é 'prática comum' em partes do mundo

No Brasil, a regra geral é que estrangeiro não vota. As exceções são para pessoas naturalizadas e para os portugueses, que podem votar sob algumas condições por um "contrato de igualdade" firmado entre os dois países.

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A "compartimentalização" das eleições acaba permitindo a presença de estrangeiros em alguns países. "Nesses casos, [a votação] não é uma legislação do país, mas da localidade, do estado ou até mesmo da cidade", afirma Demetrius.

Entre os países que dão ao estrangeiro a oportunidade de votar nas eleições locais estão Argentina, Canadá, Estados Unidos. Tais oportunidades variam de acordo com a localidade e têm suas próprias regras, porém.

Especialmente em eleições locais, em vários países é admitida a participação de estrangeiros residentes. Isso ocorre em vários países da União Europeia, América Latina. Há regras semelhantes em relação aos países da Commonwealth, que são em sua maioria ex-colônias britânicas, então não é algo tão incomum assim.
Demetrius Pereira, professor do curso de Relações Internacionais da ESPM

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