Jovens de esquerda podem ajudar a eleger Trump nos EUA? Entenda

As eleições presidenciais dos Estados Unidos, em novembro de 2024, tendem a ser uma das mais polarizadas dos últimos anos. A queda de popularidade de Joe Biden entre os mais jovens devido ao posicionamento em relação à guerra de Israel contra o Hamas pode atrapalhar a reeleição do democrata? O UOL conversou com especialistas para entender se a rejeição desse público, fundamental nas eleições de 2020, pode ajudar a eleger o republicano Donald Trump.

Entenda

Descontentamento com a guerra em Gaza entre eleitores jovens pode interferir no resultado das eleições. Essa é a visão de Lucas de Souza Martins, professor e doutorando em estudos da relação Estados Unidos-América Latina, na Universidade Temple. Ele explica que isso não significa que os votos de Biden serão transferidos para Trump. "A falta de popularidade entre os mais jovens não significa que o presidente Joe Biden vá perder votos para a oposição. Não se imagina que, por não se apoiar a política atual da Casa Branca, o eleitor jovem, universitário, fará campanha para Donald Trump", afirma.

Mas apatia do eleitor de Biden pode gerar ausência nas urnas. "Em um cenário em que o voto não é obrigatório, os republicanos se beneficiam por terem um eleitorado mais fiel de que seus adversários. A coalizão que elegeu Biden em 2020, composta por eleitores de vários estratos sociais, está fragilizada pelo desânimo destes grupos com o governo democrata. Não é o caso de Trump, que seguirá com o apoio sólido de 20 a 25% do eleitorado americano, mesmo que ainda esteja profundamente implicado com seus problemas judiciais", explica o professor.

Pesquisa mostra que Biden conta com o apoio de 45% dos americanos com menos de 30 anos. Dados são de um levantamento encomendado pelo jornal USA Today em meados de abril. Do outro lado, Trump tem 37%. Apesar da margem, a pesquisa indica um recuo de Biden se comparado aos números das eleições de 2020. Há quatro anos, no mesmo mês, o presidente dos EUA contava com 60% de apoio dos jovens, contra 30% do republicano. O levantamento destacou que uma das razões por trás da queda na intenção de votos nesse grupo é a guerra em Gaza.

Para o professor, ainda há tempo para os democratas se recuperarem. "Uma vez que faltam alguns meses até a data da eleição presidencial, um possível cessar-fogo no confronto do Oriente Médio e a continuidade da pressão, cada vez mais explícita, da Casa Branca com relação ao governo de Israel podem ajudar no processo de reconquista deste eleitorado. Ainda há tempo para os democratas se recuperarem. O governo Biden se mostra atento ao movimento de eleitores cruciais e parece agir rápido para mostrar que está articulado com as posições daqueles que o apoiaram em 2020", diz.

Eleitorado jovem foi fundamental na eleição do presidente Joe Biden em 2020. "Embora em termos percentuais, ele não represente um estrato social maior do que grupos como o eleitorado afro-americano, ou mesmo o latino, os estudantes possuem força para pautar discussões na mídia americana, ou ainda para influenciar o voto de familiares inclinados a apoiar a oposição", explica Lucas de Souza.

A campanha de Biden tenta incentivar os jovens eleitores a votar. O presidente quer preencher uma lacuna geracional com dezenas de milhões de eleitores mais jovens no TikTok. Recentemente, Biden entrou no aplicativo chinês para melhorar a sua comunicação com esse grupo de eleitores.

O candidato republicado também entrou no app. Trump atraiu mais de 2 milhões de seguidores na rede social. O porta-voz da campanha de Trump, Steven Cheung, afirmou que não deixará "nenhuma frente desprotegida" em seus esforços para alcançar os eleitores mais jovens.

O desafio de Biden hoje é diferente. Ele precisa lutar contra a apatia de eleitores cruciais, não somente os jovens estudantes, mas também mulheres, democratas suburbanos, afro-americanos, latinos e muçulmanos. Uma vez que o voto nos EUA não é obrigatório, estes grupos podem simplesmente abdicar de seu voto, o que favorece a oposição e sua sólida base de apoiadores.
Lucas de Souza Martins

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Protestos de estudantes em universidades

A polícia perto de um acampamento de manifestantes que apoiam os palestinos nas dependências da Universidade de Columbia
A polícia perto de um acampamento de manifestantes que apoiam os palestinos nas dependências da Universidade de Columbia Imagem: Caitlin Ochs/Reuters

A guerra de Israel contra o Hamas já matou mais de 34 mil pessoas. O conflito teve início depois dos ataques do grupo extremista em 7 de outubro, quando 1,2 mil pessoas morreram. Mais de 200 pessoas foram sequestradas pelo Hamas.

Protestos pró-Palestina, contra a guerra na Faixa de Gaza e o apoio dos EUA a Israel levaram a centenas de prisões e punições a estudantes. Os jovens pedem que as universidades cortem os laços financeiros com empresas israelenses e estrangeiras.

Carlos Gustavo Poggio, professor do departamento de ciência política do Berea College, nos Estados Unidos, diz que a manifestação dos jovens não gera um grande impacto político no resultado das eleições. "Uma coisa é o nível de cobertura da imprensa, outra coisa é a realidade concreta do número de pessoas que, de fato, podem influenciar uma eleição. No caso dos Estados Unidos, não basta um número de pessoas. Se você tem uma série de jovens que não votam no Joe Biden na Califórnia, isso não vai fazer grande diferença, porque é esperado que o Joe Biden ganhe na Califórnia, de qualquer forma. E muitos desses protestos ocorrem em grandes cidades", explica.

Trump supera Biden em cinco de seis estados cruciais para eleição, diz pesquisa do jornal New York Times. O republicano lidera em cinco de seis estados que oscilam nas preferências entre republicanos e democratas, os chamados "swing states". O levantamento indica que o Donald Trump venceria em Michigan, Arizona, Nevada, Geórgia e Pensilvânia, enquanto Biden teria maioria no Wisconsin. Em 2020, Biden venceu as eleições de 2020 nos seis estados cruciais.

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Houve diminuição de apoiadores jovens, negros e hispânicos a Biden. Esses grupos costumam ser a base de eleitores do partido democrata. Enquanto isso, a pesquisa sugere que a força de Trump entre eleitores jovens e não brancos impulsionou sua liderança.

Segundo o The New York Times, historicamente, as sondagens nesta fase inicial não têm sido necessariamente indicativas do resultado. A margem de erro amostral é de mais ou menos 1,8 pontos percentuais para todos os eleitores registrados e de mais ou menos 1,9 pontos percentuais para o eleitorado provável. Quase 95% foram contatados por telefone.

O conjunto de pesquisas foi realizado entre o dia 28 de abril a 9 de maio. ''Se as eleições presidenciais de 2024 fossem realizadas hoje, em quem você votaria se os candidatos fossem Joe Biden e Donald Trump?'', perguntaram os entrevistadores a 4.096 eleitores.

Candidato conservador pode levar vantagem em meio a protestos

O candidato Donald Trump durante uma coletiva de imprensa na Trump Tower na cidade de Nova York, em 31 de maio de 2024
O candidato Donald Trump durante uma coletiva de imprensa na Trump Tower na cidade de Nova York, em 31 de maio de 2024 Imagem: Brendan McDermid/Reuters

Poggio ressalta, no entanto, que Trump pode levar vantagem caso eleitores entendam movimento dos estudantes de esquerda como "radical". "Hoje, o Donald Trump se apresenta como candidato da lei e da ordem. Então, ele pode ser ajudado, não necessariamente porque os eleitores jovens vão deixar de votar no Joe Biden, mas porque eleitores mais conservadores, inclusive aqueles que, talvez, estivessem dispostos a votar no partido democrata, podem se afastar do por achar muito radical esse tipo de narrativa".

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O professor lembra que essas manifestações não são novidade nos EUA. Em 1968, estudantes ocuparam os campi e edifícios universitários em oposição à guerra do Vietnã.

Poggio vê paralelos entre as duas manifestações. "De novo, nós temos um precedente histórico, 1968, auge da guerra do Vietnã, protestos, uma série de movimentos nas universidades. Na verdade, foi a última vez que tivemos movimentos semelhantes a esses. O resultado das eleições de 1968 foi a eleição do candidato conservador republicano, que se apresentava como representante da lei e da ordem, Richard Nixon. O que aconteceu foi que esses protestos acabaram assustando uma parcela do eleitorado, particularmente o eleitorado mais conservador", justifica.

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