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Pró-imigração, Biden sofre para conter crise na fronteira sem perder votos

Joe Biden assumiu a presidência dos Estados Unidos em 2021 sob a promessa de reverter as políticas anti-imigração adotadas por seu antecessor, Donald Trump. Logo nos primeiros meses, o democrata interrompeu a construção de um muro na fronteira com o México e revogou o banimento de viajantes de países predominantemente muçulmanos. Agora, às vésperas de tentar a reeleição, Biden enfrenta uma crise sem precedentes e tem que "pisar em ovos" para controlar o fluxo migratório sem que essas ações o façam perder votos — especialmente do eleitorado latino —, segundo especialistas.

O que mudou

Biden autorizou o fechamento temporário da fronteira com o México. A barreira entra em vigor automaticamente toda vez que a média diária de detenções na fronteira ultrapassa 2.500 durante uma semana. As restrições são retiradas quando esse número cai abaixo de 1.500 imigrantes por dia — patamar que foi atingido pela última vez em julho de 2020, no início da pandemia de covid-19, quando as viagens estavam historicamente baixas, segundo a agência Reuters. As mudanças foram anunciadas no último dia 4.

Decreto também dificultou pedidos de asilo, favorecendo as deportações. Até então, quem chegava de forma irregular aos EUA podia solicitar asilo ou refúgio caso conseguisse sua situação. Agora, essa deportação, que pode ser feita para o México ou para o país de origem do imigrante, deve acontecer dentro de dias ou até horas. A nova medida colocou Biden em pé de guerra com as organizações de defesa dos imigrantes, que a consideram "arbitrária". Uma ação contra o governo americano foi aberta em um tribunal de Washington.

Presidente ainda anunciou plano para legalizar mulheres e crianças. As mudanças devem beneficiar cerca de 500 mil mulheres, além de 50 mil crianças e jovens abaixo de 21 anos com pais ou mães americanos. Antes, mulheres imigrantes em situação irregular que fossem casadas com uma pessoa americana tinham que sair dos EUA para pedir residência — processo que muitas vezes levava à separação das famílias. "Isso foi muito bem recebido pelos grupos de defesa de latinos, por exemplo", diz ao UOL Roberto Moll, professor de História da UFF (Universidade Federal Fluminense).

Obstáculos no Congresso

Medidas de Biden vieram após fracasso em aprovar reforma na lei. A proposta do chamado Dream Act é proteger imigrantes que chegaram aos EUA quando crianças e seguem vulneráveis à deportação. O projeto não passou pelo Congresso, o que motivou Biden a anunciar as mudanças sob a justificativa de fazer "o que os Republicanos se recusaram a fazer". O presidente também disse que a oposição coloca a política partidária à frente da segurança nacional, "votando duas vezes contra o conjunto de reformas mais duras e justas em décadas".

Republicanos acusam o presidente de tentar 'comprar votos'. A campanha de Trump emitiu um comunicado dizendo que os imigrantes são um fardo para os contribuintes e que as medidas de Biden são uma "anistia em massa". "O presidente está protegendo 550 mil estrangeiros ilegais da deportação. Tudo em um esforço para apaziguar suas famílias na esperança de garantir seus votos nas próximas eleições", acusou o deputado Josh Brecheen, de Oklahoma, em publicação no X (antigo Twitter).

Obstruções da oposição limitam a capacidade de ação do governo. Não à toa, todas as mudanças foram implementadas via ordens executivas, que têm efeito imediato, mas podem ser revogadas pelo próximo presidente caso Biden não seja reeleito. "Ao mesmo tempo, isso dá aos Democratas esse álibi para dizer que o problema é o Congresso. Que não discute, não vota, não tem uma política construtiva", explica Eduardo Svartman, professor de Ciência Política da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

[As mudanças] São autoritárias, um pouco desmedidas. Mas, de fato, Biden agiu assim porque toda lei relacionada à imigração está travada no Congresso. O Partido Republicano se recusa a votar, ainda que os parlamentares possam concordar com as medidas. Me parece que há um problema humanitário na fronteira, e ele agiu para lidar com ele.
Roberto Moll, da UFF

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A aposta que vários parlamentares republicanos fazem é tentar paralisar os governos democratas. Isso aconteceu tanto no governo Obama quanto agora, no governo Biden. (...) Sempre há a politização desses temas. Muitas vezes a coisa aparece mais para gerar uma manchete ou um post nas redes sociais do que algo concreto.
Eduardo Svartman, da UFRGS

Eleições à vista

Retórica de Biden sobre a imigração sempre foi mais positiva. Em maio de 2017, logo após deixar a vice-presidência, Biden definiu como "cruel" a decisão de Trump de acabar com o programa que concedia permissão temporária de moradia e trabalho a imigrantes que entraram nos EUA quando eram crianças. Em agosto de 2020, já como candidato à Casa Branca, o democrata prometeu "pôr fim ao ataque de Trump à dignidade das comunidades imigrantes" e restaurar a posição moral do país "como um refúgio seguro".

Discurso pacífico é trunfo sobre Trump, segundo especialistas. Embora alguns grupos de defesa dos imigrantes tenham comparado o presidente a seu antecessor, analistas veem a analogia como "exagerada". Moll, da UFF, lembra que Trump baniu a entrada de pessoas de países predominantemente muçulmanos e, depois, ampliou as restrições para Coreia do Norte e Venezuela, sugerindo que seriam países terroristas. "Essa política de tolerância zero não é exatamente o que Biden faz", avalia.

Desafio é conter a crise migratória sem decepcionar os eleitores. Números do Pew Research Institute indicam que 36,2 milhões de latinos estejam habilitados para votar neste ano — e muitos deles também são contrários à falta de restrições na fronteira, com receio de que a chegada de mais estrangeiros afete o mercado de trabalho. "Os Democratas agora tentam mostrar para aquele eleitor mais conservador que Biden também pode ter uma política mais dura para os imigrantes", completa Svartman, da UFRGS.

Política democrata não é vista como superior à republicana atualmente. Uma pesquisa feita pela Equis Research em alguns estados-chave, como Arizona, Geórgia, Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, mostrou que os eleitores não veem os democratas como melhores que os republicanos no manejo da imigração. Segundo o levantamento, que entrevistou mais de 3.500 pessoas, 41% dos latinos confiam mais em Trump para lidar com a situação do que no atual presidente. "E Biden vai ter que responder a essa pressão", conclui Moll.

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Biden vai ter que responder a algumas demandas desse eleitorado latino, que é historicamente muito ligado ao Partido Democrata. É uma massa muito importante. Acho que Biden precisa? Ele não está fazendo isso, mas precisa ter uma política mais enfática e que não seja xenofóbica como a de Trump. É pisar em ovos.
Roberto Moll, da UFF

Os estrategistas de campanha vão jogar justamente para degradar a imagem do oponente. Os Republicanos, por exemplo, vão dizer que Biden não conduziu direito a crise na fronteira, e os Democratas vão dizer que as políticas de Trump não surtiram efeito. Vão jogar com esses discursos para tentar cativar [eleitores].
Eduardo Svartman, da UFRGS

(Com AFP, Deutsche Welle e RFI)

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