Trump dá gás a onda conservadora com vitória, mas sem tirar foco dos EUA

A vitória de Donald Trump para mais um mandato presidencial de 4 anos após sua derrota para Joe Biden em 2020, além de sacramentar a divisão da sociedade americana, também tem implicações globais no que sua imagem representa para movimentos e políticos de extrema direita.

Assim como sua primeira vitória, em 2016, ajudou a levantar a moral de movimentos ideológicos ultraconservadores em todo o mundo, dessa vez não seria diferente.

No entanto, especialistas ouvidos pelo UOL apontam que o caráter protecionista e nacionalista do republicano, bem como suas promessas de campanha mais focadas nos EUA, colocam dúvida o quão longe ele pode ir para se tornar o líder dessa onda global.

"Trump é um político isolacionista, em certa medida. Ele está muito preocupado com os Estados Unidos, e o lema dele é 'America First' [América primeiro]. Eu não sei se ele necessariamente vai tomar para si a tarefa de liderar uma frente de extrema direita no mundo, mas ele agrega uma camada de legitimidade e de simbolismo em torno desse movimento", afirma Fábio de Sá e Silva, professor associado de Estudos Internacionais e de Estudos Brasileiros na Universidade de Oklahoma (EUA).

Na Europa, o presidente eleito encontra seis possíveis aliados que ajudam a propagar ideias conservadoras e anti-imigração: Itália, Finlândia, Eslováquia, Hungria, Croácia e República Tcheca. Todos esses países têm governantes de extrema direita, além de um ambiente fértil para o crescimento de partidos que, por enquanto, não conseguiram alcançar a maioria dos assentos nos parlamentos, como o Vox, da Espanha, o Alternativa para a Alemanha (AfD) e o Partido Reunião Nacional (RN), na França.

13.mai.2019 - Foto de arquivo: Donald Trump se encontra com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, no salão Oval da Casa Branca, em Washington
13.mai.2019 - Foto de arquivo: Donald Trump se encontra com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, no salão Oval da Casa Branca, em Washington Imagem: Doug Mills/The New York Times

Rejeição à ONU e conflito no Oriente Médio

A rejeição ao fortalecimento da ONU e a programas multilaterais também entram na agenda comum desses líderes, destaca a Carolina Pedroso, professora de Relações Internacionais da Unifesp. Um aspecto que contrasta diretamente com a política externa promovida pelo governo Lula (PT), que defende reformas em sistemas como o Conselho de Segurança da ONU.

Para a professora, "o sistema ONU como um todo ficaria muito mais enfraquecido, como ficou na sua primeira presidência", com mais cortes provavelmente no escopo do mandato presidencial.

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Um efeito prático preocupante desse enfraquecimento das organizações multilaterais é em relação à guerra entre Israel e Hamas e ao massacre de palestinos, um processo acusado como genocídio por diversos países, incluindo o Brasil. Recentemente, Israel proibiu as operações da UNRWA (Agência de Assistência aos Refugiados Palestinos da ONU) em seu território. Sem pressão dos EUA, os maiores parceiros militares dos americanos, este cenário não deve mudar.

"Trump tem dito que tanto esse quanto o conflito com a Ucrânia seriam rapidamente resolvidos se ele estivesse no poder. Contudo, sobre a ação de Israel, ele mesmo declarou que deveriam terminar o que começaram em Gaza, então é um sinal de que a intensidade do conflito pode aumentar", afirma Pedroso.

Mais do que os partidos e os líderes, os encontros promovidos por organizações conservadoras desempenham o papel de legitimação da extrema direita enquanto ideologia política.

Um dos eventos é o CPAC, conferência conservadora criada nos EUA e trazida ao Brasil pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) —uma oportunidade para destacar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enquanto representante desse movimento trumpista no Brasil, especialmente em um momento de aparente racha na direita após as eleições municipais.

A eleição do republicano deve trazer "insights" sobre essas estratégias:

O fato é que a esquerda é muito mais dividida entre si do que a extrema direita, que tem demonstrado nos últimos anos bastante homogeneidade, principalmente desses objetivos mais gerais, de como chegar ao poder, de um modus operandi de atuação, de como fazer campanha eleitoral. Eles inclusive usam estratégias muito semelhantes.
Carolina Pedroso

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Trump deve inspirar, mas não deve ter essa agenda enquanto sua prioridade, avalia Sá e Silva. "Há trocas e legitimações recíprocas. O Trump deve ser chamado para ir a eventos, tirar foto ao lado de algumas dessas pessoas, tudo isso deve acontecer, mas a prioridade dele deve ser de realmente conduzir uma mudança em políticas públicas e na própria estrutura democrática mesmo nos Estados Unidos".

Além de Bolsonaro, outro nome a possivelmente ganhar destaque com Trump na América Latina é Javier Milei e, embora de forma aparentemente contraditória, o ditador venezuelano Nicolás Maduro: isso porque uma figura como Trump sustenta o discurso de que Maduro precisava "proteger" a Venezuela de "interesses imperialistas", explica Carolina Pedroso.

Enquanto Trump não indica quais serão seus movimentos em relação aos seus pares, uma coisa é certa: o declínio do império americano enquanto modelo de democracia.

Essa questão das instituições, da democracia, dos ritos políticos, que levou os Estados Unidos a serem tão admirados no século XX, quando se tinha extremismo na Europa e ditadura no Brasil e na América Latina, isso também está se esvaindo com essa degradação, representada pelo sucumbir do Partido Republicano ao trumpismo.
Fábio de Sá e Silva

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