Com cicatrizes do nazismo, Alemanha vê crescimento da extrema direita
A extrema direita tem crescido na Alemanha e deve ser "normalizada'' nos próximos anos, analisam especialistas. O processo ocorre apesar das cicatrizes do passado nazista e das duras leis antifacistas do país.
O que aconteceu
O partido alemão de extrema-direita, a AfD (Alternativa para Alemanha), teve ganhos políticos significativos neste ano. Em junho, o foi o segundo mais votado nas eleições do Parlamento Europeu e colocou seus deputados em 15 assentos - um crescimento de quase 50% em relação a 2019.
O partido também ganhou em eleições estaduais. A AfD conquistou 32,8% dos votos no estado da Turíngia, no leste do país. Na Saxônia, estado vizinho e mais populoso, a sigla também se destacou, mas para o CDU (União Democrata-Cristã) de centro-direita.
Criada em 2013, a legenda já foi investigada diversas vezes pela polícia alemã por seus posicionamentos. A AfD é conhecida por colocações extremistas, anti-imigração, anti-União Europeia, nacionalistas e, principalmente, que relativizam o regime nazista.
Na semana passada, por exemplo, a sigla protagonizou uma polêmica após usar um slogan nazista. O grupo do conselho municipal da AfD de Leuna colocou uma coroa de flores com a frase ''para os líderes, o povo e a pátria. Por quê?'' no cemitério da cidade. Ela foi removida após a repercussão.
Partidos de extrema-direita se tornaram populares em toda Europa nos últimos anos, mas o avanço na Alemanha chama atenção. ''O ressurgimento de um regime fascista em um país que iniciou duas guerras mundiais, com passado nazista, evidentemente chama atenção em qualquer circunstância'', entende Kai Enno Lehmann, professor de Relações Internacionais da USP.
''Será normalizado''
''Em algum momento, a extrema-direita será normalizada'', diz Lehmann. Para o especialista, o processo de normalização da ultradireita já tem ocorrido em muitas nações, como na Itália e na Áustria. Segundo ele, o mesmo deve ocorrer nos próximos cinco anos na Alemanha.
Até o momento, o país tem um "pacto de exclusão" do partido. ''Os partidos tradicionais tentaram excluir completamente a AfD na última década, deixando claro que não teria um governo com eles e nem mesmo alianças, mas isso não adiantou'', argumenta o professor da USP.
Neste ponto, Lehmann avalia que será inevitável formar coalizões no parlamento com a AfD. De acordo com ele, a dificuldade daqui em diante será governar de forma estável, já que as legendas CDU, SPD (Partido Social Democrata) e o partido Verde não terão cadeiras suficientes no parlamento para formar um governo maioritário.
O pesquisador também enxerga possíveis alternativas para este cenário. Lehmann explica que haveria como montar uma coalizão de minoria e buscar maioria de proposta em proposta, de modo mais instável. Outra opção seria obrigar a AfD ''a assumir responsabilidades de governo e mostrar como esse partido é incapaz de abraçá-las''. ''Uma coisa é criticar, outra coisa é governar. É muito mais complexo'', fala.
Insatisfação da população justifica ascensão da AfD
Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM, analisa que parte das pessoas desaprova os rumos do país. ''Vejo que a AfD já tem um espaço garantido dentro da política alemã, tem uma simpatia sobretudo de eleitores da antiga Alemanha Oriental, que é a população mais insatisfeita com os rumos da política e economia alemã atualmente.''
Eleitores veem na AfD uma saída para as condições atuais. Uebel constata que ''eles não se veem beneficiados por programas sociais e se sentem colocados de lado''. Além disso, esse eleitorado também enxerga a questão migratória, da União Europeia e da integração econômica regional como um ''inimigo do seu bem-estar''.
AfD se vende como uma solução para um ''sistema ineficaz para o cidadão comum'' em meio à crise econômica do país. ''Nos últimos 15 anos, para muitas pessoas o sistema não está funcionando. Não há avanços de qualidade de vida, reformas no sistema social e previdenciário'', fala o professor Lehmann.
Essa ascensão da extrema-direita na Alemanha é um movimento relacionado aos movimentos globais de aumento da extrema-direita, mas também uma forma de protesto, de manifestação contrária às estruturas políticas, como aconteceu no mundo todo, nos Eua com Trump, na Argentina com Milei e no Brasil com Bolsonaro.
Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM
Apesar disso, Uebel diz ainda não ver o partido de extrema-direita ganhando locais estratégicos do país. ''Não o vejo com capacidade de formar maioria no parlamento alemão. Ele não tem uma proeminência nacional que faça com que ganhe o parlamento ou até a presidência do país'', fala.
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