O que é captagon, 'cocaína dos pobres' que financiou ditadura brutal

A queda do ditador Bashar al-Assad na Síria deixou exposta uma das bases do seu poder: toneladas de captagon, uma droga estimulante sintética, como a anfetamina, que transformou a Síria em uma "narcoditadura"

O que aconteceu

  • A tomada de Damasco por rebeldes em dezembro levou à descoberta de grandes estoques. Alguns eram diretamente ligados a bases militares de Assad, confirmando suspeitas de que o governo estava profundamente envolvido no comércio ilícito, criando um "império da droga".
  • O poder financeiro ajudou a financiar uma ditadura brutal. Durante 24 anos, o regime deixou mais de 150 pessoas desaparecidas, segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
  • O captagon alimenta uma crise de dependência no Oriente Médio. Ele ficou conhecido como "droga do jihad" ou a "cocaína dos pobres" - alcunha que já foi dada ao crack nos anos 80 e 90 no Ocidente.
  • A produção na Síria é estimada em cerca de 80% da produção global. Ela gera no país cerca de US$ 10 bilhões (R$ 60 bilhões) por ano, diz o Observatório de Redes Políticas e Econômicas, ONG que pesquisa o crime organizado e a corrupção na Síria.
  • O regime de Assad lucrava cerca de US$ 2,4 bilhões (R$ 14,5 bilhões) anualmente com o comércio da droga. A estimativa é do New Lines Institute, ONG norte-americana.
  • O captagon original, com nome comercial fenetilina, foi criado na Alemanha na década de 1960. Ele era usado para tratar transtorno de déficit de atenção, depressão e narcolepsia.
  • Mas ele se tornou proibido na maior parte do mundo, inclusive no Brasil. A ciência comprovou seu alto potencial viciante e efeitos colaterais perigosos, incluindo psicose e ansiedade severa.
Captagon
Captagon Imagem: AFP

Droga de guerra e de festa

  • Ele é popular no Oriente Médio porque é erroneamente visto como uma droga de baixo risco. Também é visto como não tão abertamente "haram" [contra os preceitos do Islã] quanto o álcool.
  • É frequentemente usado como uma "droga de festa". Muitos usuários são jovens em países muçulmanos onde o álcool é proibido. Também é frequentemente usado por caminhoneiros que precisam ficar acordados por longos períodos.
  • São efeitos estimulantes, que aumentam o foco, a energia e a resistência. Relatos na região indicam que estudantes usam captagon para lidar com provas. Soldados usam em zonas de conflitos.
  • O captagon pode causar problemas psicológicos. Alguns deles são psicose, ansiedade, tendências suicidas, agressividade e confusão mental. Entre as complicações físicas estão danos cardiovasculares, hepáticos e renais.
  • A Arábia Saudita é o país mais afetado pelo tráfico de captagon. Entre 2012 e 2021, cerca de 67% das maiores apreensões foram lá, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), levando a mídia a apelidá-lo de "capital da droga do Oriente Médio".
  • Os usuários são muito jovens. Em 2015, o secretário-geral do Comitê Nacional Saudita para Controle de Narcóticos disse que a maioria dos viciados no reino tinha entre 12 e 22 anos.
Bashar al-Assad, ex-presidente da Síria
Bashar al-Assad, ex-presidente da Síria Imagem: Pool BENAINOUS/HOUNSFIELD/Gamma-Rapho via Getty Images

Assad usou para financiar guerra

  • A margem de lucro é alta. O custo de produção de um comprimido de Captagon é de cerca de US$ 1. O preço de venda é mais baixo na própria Síria em mercados de outras regiões, mas pode chegar a US$ 25 por pílula em cidades mais ricas, como Riad.
  • A popularização aumentou com a guerra civil na Síria em 2011. O regime de Assad, buscando fontes alternativas de financiamento, assumiu o controle da produção e tráfico de captagon.
  • Uma das maiores apreensões foi de 14 toneladas no porto de Salerno, na Itália, em 2020. Segundo o jornal alemão Der Spiegel, a droga nesse carregamento havia sido fabricada por Samer Kamal al-Assad, primo do ex-ditador sírio.
  • Rebeldes apontaram conexão familiar. A 4ª Divisão do Exército Sírio, liderada por Maher al-Assad, irmão do ex-ditador, supervisionava grande parte da produção e distribuição, apontam rebeldes.

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