Tragédia do voo AF 447 mostra que é preciso parar com a mania de buscar um culpado a qualquer custo

Em Paris

Editorial Le Monde: O Airbus, o homem e a máquina

Se o avião se tornou o meio de transporte mais seguro, foi porque todos os acidentes foram minuciosa e objetivamente dissecados para que suas causas não se repetissem mais.

É essencial que o relatório da Agência de Investigações e Análises para a Segurança da Aviação Civil sobre a tragédia do Airbus da Air France que fazia o trajeto Rio-Paris (1º de junho de 2009, com 228 mortos), publicado na quinta-feira (5), contribua para um novo avanço nesse sentido.

Tragédia do voo AF 447 da Air France em fotos
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Ele lembra que um acidente não se deve a um único fator, mas a um encadeamento de distúrbios que nem o homem, nem a máquina conseguiram enfrentar. Na zona de convergência intertropical do Atlântico sul, nem as condições meteorológicas, nem a falha de um indicador de velocidade, nem as manobras erradas de uma tripulação assoberbada pelos acontecimentos, nem as lógicas implacáveis dos computadores do avião podiam, sozinhos, provocar a queda do Airbus.

Portanto, é preciso parar com essa mania francesa de buscar a qualquer custo um culpado e criminalizar um acidente. É preciso deixar de lado esse dilema que não tem saída, mas é sempre ruminado: foi culpa do homem ou da máquina? Os 17 anos de processo do caso do Mont Saint-Odile (20 de janeiro de 1992, 87 mortos), concluídos com uma absolvição geral dos diretores da época da Air Inter e da Airbus, provam que nesse exercício perigoso a Justiça e as famílias das vítimas também se perdem.

 

Quando, em 1992, os dirigentes da Airbus, Roger Béteille e Bernard Ziegler, apostaram nos comandos elétricos para seus futuros aviões, eles revolucionaram a pilotagem e a segurança. Era o fim dos cabos e das polias de Jean Mermoz! As ordens do piloto são transmitidas aos controles e aos motores através de impulsos elétricos que transitam por computadores programados para impedir erros de pilotagem, responsáveis pela maioria dos acidentes.

O problema é que a melhoria da segurança resultou no surgimento de conflitos entre homem e máquina. Os automatismos, bem superiores ao homem para as situações normais, necessitam que este continue sendo o último recurso em caso de emergência. Só que o homem que sempre confia na máquina aos poucos vai perdendo sua capacidade de intervenção nas situações críticas.

O antagonismo que pode resultar entre a lógica humana e a da máquina leva a catástrofes como as vistas em outros domínios (explosão do ônibus espacial Challenger, acidente nuclear de Three Mile Island).

O Airbus cometeu o erro de vender – por um tempo – seus aviões com o rótulo "Não estola". Tanto nas companhias aéreas quanto entre os pilotos isso levou à perda de um estado de alerta que continua sendo vital quando se voa a 10 mil metros de altitude a -60 graus Celsius e a 980 quilômetros por hora, tendo somente alguns minutos para reagir.

Mesmo que no futuro sejam aprimorados os computadores dos Airbus (e dos Boeing) para torná-los mais adaptados ao homem, este não pode deixar de lado um treinamento intensivo para controlar situações extremas. Para que ele continue sendo o responsável... automaticamente.

Tradutor: Lana Lim

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