Ex-membro do ETA se diz arrependido de terrorismo: "eu era racista e ignorante"
Sandrine Morel
Em Madri
"O ETA não serviu para nada. Só para deixar duas ou três gerações que terão de viver com essa merda". Diante da câmera, que escrutina seu rosto, e de 2,8 milhões de espectadores fascinados, Iñaki Rekarte, ex-membro do grupo separatista basco e chefe do comando Santander, responsável pela morte de pelo menos três pessoas e por dezenas de feridos, pinta um quadro cáustico da organização terrorista.
Aos 44 anos de idade, e após 21 anos passados atrás das grades, esse ex-membro do ETA foi libertado em 2013 e decidiu falar. No dia 5 de maio, ele publicou seu livro de confissões, "Lo difícil es perdonarse a uno mismo" ("O mais difícil é perdoar-se a si mesmo"), pela editora Península.
Iñaki Rekarte desmantela no livro a justificativa política dos atentados, demole a imagem de ex-membros históricos, conta como se preparava uma operação, muitas vezes sem um alvo específico, sem instruções claras, por "moleques descerebrados" motivados pelo apelo das armas.
As redes sociais e a mídia entraram em polvorosa com esse depoimento inédito. As próprias vítimas do ETA se dividem quanto a essa questão. Para uns, é "um golpe contra o ETA e aqueles que ainda não o condenam". Para outros, é uma tentativa oportunista de "exoneração".
Mas seu relato não deixa de ser fascinante. Iñaki Rekarte não tinha nem 18 anos quando entrou para o ETA. Sem demonstrar interesse por política, ele trabalhava como jardineiro e confessa que se deixou levar "por falta de maturidade". Um amigo lhe fez a proposta e ele não conseguiu dizer não. "Fazer parte do ETA era ser um herói."
Assassinato decidido por "cara ou coroa"
O primeiro assassinato do qual ele participou foi decidido no "cara ou coroa" com um outro membro do grupo terrorista. Não porque nenhum deles quisesse matar, mas "porque os dois queriam." Ele perdeu e foi o outro que apertou o gatilho, matando um jovem traficante de drogas. Eles ficaram "contentes" "Foi antes que eu começasse uma troca de correspondência com a irmã dele, que eu descobrisse que sua mãe morreu de desgosto... Mas na época muitos comemoraram essa morte." Depois eles ficaram escondidos na França com a ajuda de "padres e famílias".
Foi lá que ele conheceu brevemente Francisco Mujika Garmendia, chefe do grupo terrorista entre 1987 e 1992, o período mais sanguinário, que ordenou que ele matasse guardas civis ao acaso em Santander, no norte da Espanha. "Ele me disse: 'Vá até os bares que os guardas civis frequentam e bang, bang, bang!', exatamente desse jeito."
Em Santander, ele esperou que passasse um furgão da polícia em frente ao carro no qual ele havia colocado bombas e acionou o detonador. Isso foi em 1992, quando ele tinha somente 19 anos. Três pessoas morreram: um casal, Eutimio Gomez e Julia Rios, que passava por lá, deixando dois adolescentes órfãos, e um jovem de 28 anos, Antonio Ricardo Somoza, que estava prestes a se casar.
Até hoje, apesar de seu arrependimento, ele tem um branco quando o jornalista Jordi Évole lhe pergunta os nomes das vítimas. Nas redes sociais, os espectadores questionam se tudo isso é de fato sincero. Em seu relato ele conta sobre sua prisão, alguns dias depois, sobre as torturas que lhe infligiram para arrancar informações, incluindo surras, eletrodos e simulações de asfixia. Na prisão, "ele buscou por combustível dentro do ódio" algo que o "apodreceu por dentro."
Muitas vezes ele pensou em abandonar o grupo e, no pátio da prisão, ele conheceu muitos que "pensavam que tinham dado suas vidas por nada". Depois ele conheceu uma assistente social que preparava prisioneiros para a reinserção, uma andaluza de Cádiz - uma espanhola, uma "inimiga". "Percebi que eu era racista e fechado, um ignorante". Ele se casou na prisão e, em 2008, quando nasceu seu filho, ele abandonou o ETA. "Foi como sair de uma seita: você só tem uma razão de viver e todo o resto é secundário."
Iñaki Rekarte foi libertado em 2013, quando foi anulada a "doutrina Parot", um sistema de cálculo de penas que permitia que a Espanha mantivesse na prisão os etarras até o máximo legal de trinta anos. Para ele, o ETA não passa de uma "lembrança ruim", um "andaime enferrujado que ninguém sabe quem o desmontará."
Faz cinco anos que o grupo terrorista não mata ninguém. No dia 20 de outubro de 2011, ele anunciou o fim de suas atividades armadas. Segundo a polícia, só restavam cerca de trinta membros ativos. De tempos em tempos, eles enviam um comunicado. Como fizeram no dia 7 de maio, para lembrar os espanhóis antes das eleições locais de 24 de maio.
O ETA quer negociar seu desarmamento, conseguir a anistia para os etarras foragidos e a transferência de 450 prisioneiros etarras para penitenciárias do país basco. Mas o governo, assim como a oposição, só espera uma coisa: que ele entregue seu arsenal incondicionalmente. E suma de vez.
Tradutor: UOL
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