República Centro-Africana tenta sair do caos por meio de eleições desta quarta-feira
Cyril Bensimon
Enviado especial a Bangui
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Jerome Delay - 29.nov.2015/AP
Moradores aguardam visita do papa Francisco, que foi ao país em novembro
Parado em frente à sua pequena tenda fincada à beira da pista de aterrissagem do aeroporto de Bangui-M'Poko, Freddy Yandoba poderia estar sonhando em fugir para um futuro distante da miséria que o cerca. Há dois anos esse estudante de antropologia parou de ir à universidade. Ele olha os aviões decolarem e sobrevive nesse acampamento de deslocados "fazendo pequenas vendas ou serviços de manutenção no aeroporto". A casa de sua família foi incendiada "pelos muçulmanos", em represália após o ataque de milícias anti-balaka no dia 5 de dezembro de 2013.
Esse jovem de 26 anos, que diz ter perdoado "para que o país avance", agora só espera uma coisa: poder votar. "Com a transição, não há boa governança, todo mundo quer um pedacinho de poder. Se encontrarmos um homem que atenda às necessidades desse povo, isso vai mudar", ele espera.
"Sem eleição, as pessoas armadas continuarão semeando a anarquia", diz Emmanuel Namkpanon, seu ex-vizinho, também refugiado nesse vasto acampamento, cujo número de pensionistas varia, aos milhares, dependendo dos surtos de violência.
O mesmo desejo é citado perto dali, no PK5 (posto quilométrico 5). O último reduto da minoria muçulmana em Bangui se abriu parcialmente desde a vinda do papa Francisco, no final de novembro, mas continua sendo um gueto do qual só se sai tomando precauções que podem se revelar salvadoras. "Agora vou ao banco ou à prefeitura no centro da cidade, mas troco de roupa. Tiro meu boubou, pois ainda é perigoso", conta Amadou Kabara.
"Quero votar porque a paz precisa se instalar. Precisamos eleger um homem capaz de nos trazer investidores", acredita esse comerciante encurralado entre os anti-balaka, que atacaram o bairro diversas vezes, e os autoproclamados protetores locais, reunidos em torno de personalidades da antiga Séléka, a rebelião que deteve o poder entre março de 2013 e janeiro de 2014.
"Falsa transição"
Nos últimos dias, a República Centro-Africana (RCA) viveu o período de campanha para as eleições presidenciais e legislativas, durante o qual os confrontos cessaram.
Bangui foi coberta de cartazes com o rosto dos trinta candidatos à eleição presidencial que realizaram diversos comícios. Os mais ricos percorreram o país de avião para convencer os cerca de 2 milhões de inscritos nas listas eleitorais a lhes darem seus votos. Mais do que os programas focados na reconciliação, na restauração da segurança e no desenvolvimento, foram as distribuições de camisetas e de cédulas de dinheiro que atraíram multidões.
Depois de terem anunciado no dia 24 de dezembro o oitavo adiamento da votação desde março de 2014, sendo que ela aconteceria três dias mais tarde, as eleições destinadas a escolher um novo chefe do Estado e 140 deputados agora estão previstas para a quarta-feira (30).
A França, primeiramente, fazia questão de que elas fossem organizadas até o final do ano. "É preciso sair dessa falsa transição que durou demais para ter uma autoridade reconhecida com a qual possamos lidar. Essas eleições não serão perfeitas, mas é o momento. E qual é a alternativa?", pondera uma fonte do Ministério francês da Defesa, com pressa para repatriar uma parte dos 900 soldados ainda mobilizados para a operação "Sangaris".
A organização dessas eleições é um imenso desafio em um país onde, em muitos lugares, a infraestrutura rodoviária é antiga e a lei das armas continua atual. O referendo do dia 13 de dezembro, que validou a adoção de uma nova Constituição, permitiu que se tivesse uma ideia da extensão dos problemas.
No nordeste do país, para onde eles recuaram, e no bairro do PK5, combatentes da antiga Seleka tentaram impedir a votação com violência. O líder deles, Nourredine Adam, proclamou a secessão das zonas que eles controlam, antes de voltar atrás em suas declarações, sob pressão do Chade, entre outros, que mantém uma influência sobre seus antigos protegidos. Os grupos anti-balaka, fiéis ao ex-presidente François Bozizé, também perturbaram a votação na região de Bossangoa, que é seu reduto.
A pressão militar das forças internacionais —capacetes azuis da Minusca, a missão de manutenção de paz da ONU na RCA, e soldados franceses— levou os líderes desses dois grupos, teoricamente inimigos, mas que compartilham interesses em comum, a aceitarem o jogo democrático e a submeter suas reivindicações às futuras autoridades.
"A comunidade internacional é mais forte que nós. Vamos deixar a população votar livremente e esperar o presidente eleito para conversar com ele sobre nosso desarmamento. Nós entendemos que a comunidade internacional quer se livrar do problema e vocês verão que após a eleição isso vai afundar", prevê o "general" Abdoulaye Hissène, um dos líderes da ex-Séléka do PK5.
Títulos de eleitores clandestinos
A ameaça de uma eleição impedida por grupos armados parece ter passado, mas outros obstáculos ainda deverão ser superados. As cédulas de votação fabricadas no exterior só chegaram a Bangui alguns dias antes da eleição, e estão sendo encaminhadas agora.
"De carro, de moto, de bicicleta ou de canoa, esse material crucial será enviado para toda a extensão do território", prometia na segunda-feira (28) Julius Ngouade-Baba, relator-geral da Agência Nacional das Eleições (ANE). Uma outra fonte considerava que "seria um milagre" se a votação fosse realizada em 80% dos 5.687 postos de votação. A principal preocupação é com as legislativas, para as quais as cédulas de 37 das 140 circunscrições ainda não haviam deixado a capital na segunda-feira.
Outro problema a ser resolvido urgentemente é o do nível dos fiscais de eleição. Treinamentos foram dados em caráter de urgência, presidentes de seções e assessores foram substituídos às pressas após o fiasco do referendo constitucional de dezembro, no qual quase metade dos relatórios de contagem de votos foram invalidados ou inutilizados porque, de acordo com fontes diversas, vários fiscais eram analfabetos.
Uma outra fonte fala em sabotagem voluntária, pois estes não haviam recebido seus salários. Uma repetição dessas falhas mancharia gravemente a credibilidade das eleições.
Por fim, diversos candidatos se mostram abertamente preocupados com as fraudes, tendo constatado que há títulos de eleitores sendo vendidos clandestinamente. Eles também suspeitam da parcialidade das autoridades de transição que, por não poderem concorrer, estariam favorecendo um protegido.
Com um país onde não existe nem mesmo um esqueleto de administração, onde os grupos armados aguardam em emboscada, onde a economia está devastada e onde os servidores do Estado, no sentido primeiro do termo, não se mexem, "o futuro presidente, qualquer que seja ele, terá uma bomba-relógio nas mãos", admite o colaborador de um candidato. "Sem uma vontade firme das novas autoridades e um apoio maciço da comunidade internacional, não vamos sair dessa."
Tradução: UOL
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