Como prisão de chefe da Huawei piora tensão entre EUA e China
Durante o jantar com o presidente chinês, Xi Jinping, no sábado (1) à noite em Buenos Aires, na Argentina, o presidente dos EUA, Donald Trump, comemorou sua relação "especial" e praticamente previu que eles sairiam de lá com uma trégua na guerra comercial entre seus países.
A 11 mil quilômetros de distância, sem o conhecimento dos dois líderes, a polícia canadense, agindo a pedido dos EUA, estava detendo Meng Wanzhou, uma importante executiva de uma das principais empresas de tecnologia da China, quando ela trocava de avião em Vancouver, na Colúmbia Britânica.
O Departamento de Justiça dos EUA está investigando a empresa de Meng, Huawei, por acusações de violar as sanções contra o Irã, e sua prisão pretendia ser uma advertência do governo Trump na campanha para limitar a difusão global de tecnologia chinesa. Mas perturbou as negociações comerciais de Trump com Pequim, provocando um forte protesto do governo chinês e causando uma onda de pânico nos mercados financeiros, antes de uma modesta recuperação na tarde de quinta-feira (6).
O momento da prisão, segundo alguns especialistas, poderia alimentar a suspeita das autoridades chinesas de que facções nacionalistas do governo Trump estariam tentando sabotar o acordo comercial. Seu humor já tinha azedado desde sábado, quando a Casa Branca anunciou que os dois lados concordaram com 90 dias de negociações, em meio à confusão sobre o cronograma e dúvidas de que os chineses aceitassem as reduções de tarifas descritas por Trump.
"Deter alguém sem dar um motivo claro é uma violação óbvia dos direitos humanos", disse Geng Shuang, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, que exigiu a imediata libertação de Meng.
Segundo esses especialistas, o episódio poderia ser considerado uma embaraçosa humilhação para Xi.
A Huawei e Meng, que além de ser a diretora financeira da empresa é filha de seu fundador, são o apogeu do mundo corporativo chinês, o que aumentará a pressão sobre Xi para que exija sua libertação. Também vai pressionar Trump para sopesar as consequências diplomáticas da detenção de Meng, especialmente depois de uma reunião que ele saudou como um avanço e uma prova de sua amizade com Xi.
Os EUA e a China já tiveram negociações comerciais em meio a tensões antes. As conversas continuaram neste ano enquanto o governo americano planejava punir a ZTE, outra empresa tecnológica chinesa que violou as sanções dos EUA, mas afinal Trump ofereceu um adiamento.
"No passado, os EUA tiveram de fazer um acordo com a China em uma arena enquanto estavam irritados ou altamente preocupados em outras, como direitos humanos ou segurança", disse Scott Kennedy, especialista em China no Centro de Estudos Estratégicos Internacionais. "Agora a situação se inverteu, e teremos de ver se a China pode compartimentalizar esse caso."
Para autoridades americanas e a Casa Branca, o fato de Trump ter ido à reunião sem saber da prisão de Meng levantou dúvidas sobre se o presidente é adequadamente informado antes de uma reunião delicada com um líder estrangeiro.
O Departamento de Justiça havia informado à Casa Branca sobre a prisão iminente, mas Trump não soube dela. E o assunto só veio à tona no jantar com Xi.
O assessor de segurança nacional de Trump, John Bolton, disse na rádio NPR que soube da prisão antecipadamente, mas não confirmou se soube dela antes do jantar. Essas notificações do Departamento de Justiça "acontecem com certa frequência", disse ele, e "certamente não informamos ao presidente cada uma delas".
Mas o Departamento de Justiça deu aviso antecipado ao presidente da Comissão de Inteligência do Senado, o republicano Richard Burr, da Carolina do Norte, e a seu colega democrata Mark Warner, da Virgínia, segundo duas autoridades.
Ex-autoridades dos EUA disseram que o momento bizarro foi provavelmente uma coincidência decorrente da agenda de viagens imprevisível de Meng.
"Quando você tem a oportunidade de prender uma figura chave em uma operação policial, você aproveita a oportunidade", disse John Smith, ex-diretor do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Tesouro, que deixou o governo neste ano.
Mas diante da magnitude da prisão e do país envolvido Smith manifestou surpresa de que as autoridades da Casa Branca contatadas pelo Departamento de Justiça não tivessem informado imediatamente a autoridades mais graduadas, que poderiam pelo menos dar uma dica ao presidente.
O Departamento de Justiça não revelou o que a Huawei está fazendo para burlar as sanções. As empresas chinesas habitualmente fazem negócios com o Irã, e grande parte desse comércio acata as regras das sanções. A questão parece ser se a Huawei vendeu tecnologia dos EUA ao Irã ou de alguma outra maneira.
Embora o caso envolvendo Meng se relacione à venda não autorizada de equipamento que poderia violar sanções contra o Irã, agentes de contrainteligência do FBI e promotores federais começaram a formar casos criminais contra a liderança da Huawei em 2010, segundo um ex-diretor do departamento.
A iniciativa foi liderada por advogados dos EUA de escritórios em estados onde a Huawei tem instalações, incluindo Massachusetts, Alabama, Califórnia, Nova York e Texas. Esses escritórios que foram escolhidos neste outono (no hemisfério norte) para liderar os esforços do Departamento de Justiça para combater as ameaças chinesas à segurança nacional.
Enquanto o FBI examinava a Huawei, seus investigadores passaram a temer que autoridades da empresa estivessem trabalhando para o governo chinês. Quando Trump assumiu a Presidência, líderes do FBI falavam regularmente sobre a Huawei quase todos os dias, segundo uma ex-funcionária.
Trump deu ênfase a conter a ascensão da China como potência tecnológica, cada vez mais ligando o comércio à segurança nacional. A Casa Branca restringiu o investimento chinês nos EUA e golpeou a China com tarifas no valor de US$ 250 bilhões sobre produtos chineses, incluindo artigos delicados como peças de reatores nucleares e semicondutores.
"No passado, lidamos com esses casos interrompendo o processo legal para não ofender o Partido Comunista Chinês", disse Robert Spalding, general aposentado da Força Aérea que trabalhou em questões ligadas à China no Conselho de Segurança Nacional até janeiro. "Foi isso o que tornou a geopolítica tão desafiadora para os interesses americanos nos últimos 20 anos."
Autoridades americanas levantaram dúvidas sobre a proximidade da Huawei com órgãos de segurança chineses e o Exército de Libertação do Povo. O fundador da Huawei e pai de Meng, Ren Zhengfei, é um ex-engenheiro do Exército que se tornou um dos empresários de maior sucesso na China. Autoridades americanas estão pressionando outros países para não entrar em acordos com a Huawei para o desenvolvimento de redes de serviço sem fio da quinta geração, ou 5G.
Os legisladores também estão se unindo contra a Huawei. Em outubro, dois membros da Comissão de Inteligência do Senado, Warner e o republicano Marco Rubio, da Flórida, escreveram ao primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, pedindo-lhe para impedir que a Huawei fornecesse equipamento à rede 5G do país. Em agosto, a Austrália proibiu Huawei e ZTE de vender esse equipamento.
Se Meng for extraditada do Canadá para ser julgada nos EUA, os promotores poderiam tentar demonstrar as ligações da Huawei com o Partido Comunista Chinês e várias agências estatais, e dramatizar os potenciais compromissos de segurança relacionados a isso.
A Agência de Segurança Nacional invadiu os servidores da Huawei anos atrás na tentativa de investigar suas operações e ligações com órgãos de segurança e os militares chineses, e para criar "brechas" para que a NSA pudesse utilizar redes do mundo todo onde fosse usado equipamento da Huawei.
Não está claro como Trump poderia ter usado a informação sobre a prisão de Meng na reunião com Xi, caso ele soubesse do fato. Dizer a Xi que os EUA tinham pedido a prisão da filha de um de seus mais importantes empresários seria uma medida dramática, segundo ex-autoridades, mas poderia ter complicado os esforços dos dois lados para declarar uma trégua comercial.
"Muita coisa depende dos próximos dias", disse Michael Pillsbury, especialista em China no Instituto Hudson, que assessorou Trump. "Este é mais um desafio a ser administrado."
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.