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Boeing enfrenta perguntas sobre seu novo jato 737 Max depois da queda na Etiópia

Imagem de arquivo de um avião Boeing 737 MAX 8 da companhia Ethiopian Airline. Neste domingo (10), um avião do mesmo modelo da empresa caiu seis minutos após decolar matando todos seus 157 ocupantes - Divulgação/Boeing
Imagem de arquivo de um avião Boeing 737 MAX 8 da companhia Ethiopian Airline. Neste domingo (10), um avião do mesmo modelo da empresa caiu seis minutos após decolar matando todos seus 157 ocupantes Imagem: Divulgação/Boeing

James Glanz e Zach Wichter

12/03/2019 09h23

O problema pareceu começar quase imediatamente depois da decolagem. Os pilotos disseram aos controladores de tráfego aéreo que estavam com problemas técnicos. E o avião pareceu subir e descer repetidamente antes de um mergulho final.

Duas cenas assustadoramente semelhantes ocorreram nos últimos meses com os novos jatos Boeing 737 Max: no domingo (10), quando um voo da Ethiopian Airlines caiu pouco depois da decolagem de Adis Abeba, matando 157 pessoas, e em outubro, quando um desastre da Lion Air matou 189 pessoas na Indonésia.

O acidente na Etiópia ocorreu perto da capital do país, deixando uma cratera fumegante onde investigadores vasculharam a cena terrível. A maior parte da causa do acidente continua desconhecida e levará semanas para ser investigada. A Boeing e o Conselho Nacional de Segurança nos Transportes, dos Estados Unidos, estão enviando equipes para o local.

Mas a raridade de dois aviões do mesmo modelo caírem num prazo tão curto chamou urgentemente a atenção de pilotos, passageiros, engenheiros e analistas da indústria.

Para a Boeing, as perguntas vão ao centro de seus negócios, pois o 737 é um "pé-de-boi" para companhias aéreas do mundo todo e o 737 Max, de corredor único, é o avião mais vendido da empresa em todos os tempos. No final de janeiro, a Boeing tinha entregado mais de 350 deles desde que os pôs em serviço, em 2017. Eles custam cerca de US$ 120 milhões cada um, segundo a companhia, e há cerca de 5.000 encomendados.

"Há toda uma série de perguntas aqui, e não muitas respostas", disse John Cox, ex-presidente de segurança aérea na Associação de Pilotos de Companhias Aéreas dos Estados Unidos e hoje executivo-chefe da firma de consultoria Safety Operating Systems.

Algumas autoridades nacionais e de empresas aéreas não estão esperando por respostas. A China ordenou ontem a paralisação dos aviões 737 Max, e a Cayman Airways disse que vai estacionar seus dois novos aparelhos.

O negócio de construir e vender jatos é brutalmente competitivo, e o 737 Max foi a resposta da Boeing a uma atualização que a Airbus, grande fabricante europeia, revelou para seu popular jato A320 que o tornou mais eficiente em consumo de combustível. As duas companhias são líderes globais no setor e disputam o predomínio há anos. Cerca de 10 mil aviões da família 737 da Boeing estão em serviço, comparados com mais de 8.000 da família A320 da Airbus. Muitas empresas aéreas dependem desse tipo de avião como esteios de suas frotas. Eles são projetados para atender com eficiência rotas curtas e médias, como Nova York a Miami ou Los Angeles, e transportam cerca de 200 passageiros.

A resposta da Boeing à medida da rival foi um motor mais eficiente, mas o motor do Max era maior que o das versões anteriores. Para abordar esse desafio de engenharia, a Boeing atualizou o software do sistema de controle de voo. Depois do acidente da Lion Air, algumas autoridades de aviação dos Estados Unidos disseram que a mudança não foi adequadamente explicada aos pilotos.

Mas depois do desastre na Indonésia os pilotos foram informados pela Boeing e pelos órgãos reguladores sobre o novo sistema do Max, e as companhias deram treinamento sobre ele. Se a Ethiopian Airlines, que, ao contrário da Lion Air, tem uma forte reputação de segurança, realizou esse treinamento não foi imediatamente informado.

A Boeing instalou o sistema nos novos 737 como parte da "lei de controle", comandos emitidos pelo computador de controle de voo do avião que se sobrepõem aos pilotos. No voo da Lion Air, os sacolejos para cima e para baixo podem ter ocorrido quando os pilotos tentaram repetidamente impedir que esse sistema empurrasse o nariz do avião para baixo, colocando-o numa queda fatal. Seja o que for que aconteceu, os pilotos indonésios perderam a batalha depois de aproximadamente 12 minutos de voo.

Enquanto um mau funcionamento do sistema é uma possibilidade no voo da Ethiopian, que durou cerca de 6 minutos e incluiu uma série mais curta de sacolejos, as primeiras informações ainda não permitem tirar conclusões. E o que se sabe até agora não descarta erros do piloto ou mau funcionamento de um sistema completamente separado.

Robert Stengel, especialista em sistemas de controle de voo e professor de engenharia e ciência aplicada na Universidade Princeton, disse que não está claro se a trajetória acidentada do jato da Ethiopian foi causada por um defeito no sistema de controle ou pelos pilotos tentando conduzir o avião manualmente enquanto eram distraídos por alguma emergência desconhecida.

Embora advirtam que não se podem tirar conclusões sem mais informações, Stengel disse que as amplas semelhanças nos dois acidentes só podem afetar o público usuário.

"Se você está simplesmente olhando para evidências circunstanciais, isso lhe provoca uma pausa, não é?", disse Stengel. "Não é uma profunda observação técnica, é apenas a natureza humana."

O rápido e mortífero voo na Etiópia pode pedir uma ação imediata enquanto os investigadores determinam se há uma linha comum, disse Jim Hall, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes.

"Essa questão tem de ser tratada", disse Hall. "A possibilidade de estacionar as aeronaves é uma de muitas opções que eu suponho que os reguladores e investigadores estejam examinando."

Analistas concordam que Wall Street não vai ser boa para as ações da Boeing. E o golpe que suas ações sofrerem pesará muito no índice industrial Dow Jones, que nos últimos anos foi levantado pelo sucesso da Boeing.

As ações da Boeing triplicaram desde a eleição presidencial em 2016, tornando-se a mais cara no Dow. A partir de 8 de novembro de 2016, até sexta-feira (8), o Dow acrescentou mais de 7.000 pontos, e a alta da Boeing representou quase 30% de seus ganhos.

Richard Aboulafia, analista de aviação no Teal Group, advertiu contra dar muita importância à reação imediata nas ações da Boeing. "Aprendi com duras experiências a não olhar o preço das ações logo depois de um acidente", disse ele. "Está em todo lugar." Aboulafia também previu que qualquer reação provavelmente seria uma queda rápida, diante da força recente da companhia.

No fechamento na sexta-feira, a Boeing era avaliada em quase US$ 239 bilhões, com o preço da ação acima de US$ 422. A companhia, que emprega cerca de 150 mil pessoas, faturou pouco mais de US$ 100 bilhões em 2018, com lucros anuais acima de US$ 10 bilhões.

Segundo Aboulafia, "se eles tiverem de implementar uma série muito rápida de qualquer tipo de mudança nos procedimentos de treinamento, a) eles têm os recursos e b) em relação à sua base de receitas não será um desastre".

A Boeing disse que está avaliando as mudanças no novo software, e uma pessoa informada da questão disse que uma atualização está em andamento.

Apenas seis anos atrás, a Boeing teve outra dor de cabeça séria com um novo avião, quando os 787 foram estacionados depois de uma série de problemas com bateria.

Scott Hamilton, consultor da indústria de aviação na Leeham Co., disse que a reação da Boeing aos problemas com o 787, quando havia 50 em serviço, podia predizer sua reação aos acidentes com o 737 Max.

Mas "seria um problema maior porque nesta altura você tem algo próximo de 300 737 Max em operação", disse Hamilton.

A Boeing, que fabrica aeronaves comerciais e militares assim como peças aeroespaciais, é um dos maiores exportadores dos Estados Unidos. Os escritórios-sede da companhia estão em Chicago, e a maioria de sua produção ocorre em fábricas nos Estados de Washington e Carolina do Sul.

Segundo Hamilton, a fábrica em Renton, Washington, produz basicamente os aviões 737 Max. A Boeing também abriu um centro de conclusão na China em dezembro. Segundo o jornal "The Seattle Times", cerca de um terço dos novos 737 são entregues a companhias aéreas chinesas, e a nova fábrica permite terminar trabalhos como pintura externa e a instalação de detalhes internos de maneira mais rápida e eficiente para esses clientes.

Ontem de manhã na China, a maioria das empresas aéreas chinesas pararam de usar as dezenas de Boeing 737 Max que adquiriram, e começaram a usar Boeing 737-800 nas mesmas rotas. A Administração de Aviação Civil da China emitiu uma ordem para a paralisação dos aviões 737 Max pelas companhias chinesas.

Sites que acompanham voos mostraram que as empresas chinesas começaram a usar os Boeing 737-800 ontem em rotas em que antes adotavam o 737 Max.

As principais companhias aéreas da China estão entre os maiores usuários dos novos jatos da Boeing, tendo encomendado pelo menos 104 deles e recebido cerca de 70. Em comparação, muitas outras empresas, muitas vezes em mercados de crescimento mais lento que o chinês, receberam só uma fração de suas encomendas desses jatos.

Os pilotos que voavam o 737 Max estão de olho nos desenvolvimentos. Dennis Tajer, porta-voz do sindicato de pilotos da American Airlines e um piloto de 737, disse que o treinamento e outras informações restauraram a confiança dos pilotos da Boeing desde o acidente na Indonésia.

Tajer disse que era cedo demais para dizer se o acidente na Etiópia mudará essa opinião. Mas acrescentou: "Há não muito tempo nos disseram que o novo equipamento do Max não seria revelado. Temos de trabalhar com essa lembrança".

"É cedo demais" para dizer que influência o acidente terá, disse ele, "mas nós estamos de olho."