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Ataque no Sri Lanka mostra como as minorias religiosas estão sendo perseguidas em toda a Ásia

Hannah Beech, Dharisha Bastians e Kai Schultz

Em Jacarta (Indonésia)

23/04/2019 00h01

Os ataques mortais no Sri Lanka no domingo (21) salientaram a facilidade com que a coexistência religiosa pode ser destruída em uma região onde o secularismo está enfraquecendo em meio ao crescente apelo de uma política baseada na identidade étnica e sectária.

Na Índia, o partido governante hindu, de direita, está explorando a fé para conseguir votos, promovendo uma filosofia de "nós contra eles" que deixou os muçulmanos temerosos de sofrer linchamento se andarem desacompanhados.

Em Mianmar, os generais budistas orquestraram uma campanha aterrorizante de limpeza étnica contra os muçulmanos rohingya do país.

E na Indonésia e em Bangladesh políticos muçulmanos tradicionalmente moderados estão adotando posições mais duras para atrair eleitores mais conservadores.

Os ataques a bomba a três igrejas no Sri Lanka no domingo de Páscoa salientaram a vulnerabilidade dos cristãos na Ásia, onde as minorias religiosas de diversas fés têm sido atacadas por esse surto de nacionalismo e política sectária.

As explosões no Sri Lanka, que mataram mais de 200 pessoas, "trouxeram dor e sofrimento" ao mais importante feriado cristão, disse o papa Francisco depois de celebrar a missa na Praça de São Pedro, no Vaticano.

Os cristãos formam apenas 6% da população do Sri Lanka, que ainda está saindo das sombras de uma terrível guerra civil entre a maioria budista singalesa [nativos do Sri Lanka] e a etnia tamil, cuja maioria é hindu ou cristã.

Ainda não está claro quem efetuou os bombardeios no domingo, que também incluíram ataques a três hotéis de luxo em Colombo, a capital. Mas os cristãos foram um alvo principal, e sua fé tem sofrido ataques constantes por militantes e políticos em toda a região sul e sudeste da Ásia.

No último ano, bombardeios mortais a igrejas por militantes que se dizem aliados ao Estado Islâmico abalaram as Filipinas e a Indonésia.

Na Índia, a direita hindu liderada pelo primeiro-ministro Narendra Modi visou as minorias muçulmana e cristã, o último grupo por causa de sua associação simbólica com o colonialismo britânico.

O partido governante em Bangladesh, a Liga Awami, de inclinação secular, associou-se a clérigos muçulmanos conservadores que habitualmente defendem a perseguição às minorias religiosas, inclusive cristãos.

Em Mianmar, as minorias cristãs temem ser o próximo alvo do governo dominado por budistas.

E em Sri Lanka, uma força política nacionalista budista agitou contra as minorias cristã e muçulmana, chamando-as de relíquias da era colonial, quando a maioria budista foi reprimida.

"Vemos como esses grupos cristãos radicais do Ocidente vêm aqui e tentam converter os budistas", disse o monge budista linha-dura Galagoda Aththe Gnanasara Thero, no Sri Lanka, em entrevista antes de ser preso por desacato a uma ordem judicial no ano passado. "Não podemos mais permitir que isso aconteça."

Há uma semana, no domingo de Ramos, o início da semana santa cristã, que culmina na Páscoa, uma multidão de budistas singaleses se reuniu diante de um edifício metodista na cidade de Anuradhapura, bombardeando o prédio com pedras e fogos de artifício e prendendo os fiéis em seu interior.

No ano passado, multidões singalesas, incentivadas pela retórica incendiária de monges budistas extremistas, realizaram ataques mortais a muçulmanos perto da cidade de Kandy, o último de uma série de tumultos contra muçulmanos no Sri Lanka.

"Muçulmanos e cristãos, especialmente os evangélicos, enfrentam perseguição há muitos anos no Sri Lanka, mas a escala e a natureza dos ataques de hoje são incomparáveis", disse Ruki Fernando, um ativista católico de direitos humanos em Colombo.

Na Índia, os cristãos constituem apenas 2% da população. Mas desde que o partido nacionalista hindu Bharatiya Janata, de Modi, chegou ao poder, em 2014, o espaço para os quase 30 milhões de cristãos na Índia se estreitou.

Como parte de uma repressão mais ampla a milhares de organizações financiadas do exterior, uma grande instituição beneficente cristã, a Compaixão Internacional, foi fechada em 2017 em meio a acusações de que promovia conversões religiosas.

No mesmo ano, cantores de Natal ligados à Igreja Católica foram assaltados por hindus no Estado de Madhya Pradesh. Oito padres que foram à delegacia para ajudar foram detidos pelas autoridades. Diante da delegacia, o carro deles foi incendiado.

Em uma cidade no norte da Índia, um grupo de extremistas hindus enviou cartas a escolas avisando os administradores sobre as repercussões se eles destacassem o Natal nas salas de aula.

O cristianismo evangélico encontrou terreno fértil em toda a Ásia, onde o ritmo acelerado das conversões criou tensões da Índia à Indonésia.

Milhares de convertidos paquistaneses fugiram para a Tailândia, onde temem ser deportados a qualquer momento. Três anos atrás, na Páscoa, um homem-bomba visou fiéis cristãos em um parque em Lahore, no Paquistão, matando mais de 70 pessoas.

Na Malásia, onde membros da maioria muçulmana são governados pela sharia em certas questões legais, os muçulmanos raramente são autorizados a renunciar à sua fé.

Mesmo na Indonésia de maioria muçulmana, que realizou eleições pacíficas na quarta-feira (17), a política baseada na fé inclinou a paisagem política, enquanto a perseguição a minorias religiosas cresce com pouca reação de políticos moderados.

Centenas de igrejas foram obrigadas a fechar na Indonésia, onde aproximadamente 10% da população é cristã. O proselitismo é proibido no país, apesar de a liberdade religiosa ser protegida pela Constituição.

O ex-governador cristão de Jacarta, a capital indonésia, foi libertado neste ano depois de passar 20 meses preso por blasfêmia, condenação que grupos de direitos humanos consideraram uma prova da ascensão da política islâmica linha-dura em um país que há muito preza seu legado multirreligioso.

O presidente Joko Widodo, um muçulmano moderado, não conseguiu defender o ex-governador de Jacarta, Basuki Tjahaja Purnama, que já foi seu protegido. Sobrevivendo a uma campanha política difamatória que sugeriu que ele era um muçulmano pecador, Joko parece ter ganhado um segundo mandato nas eleições deste mês.

Sri Lanka tenta se recuperar após ataques na Páscoa

AFP