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Ataques terroristas no Sri Lanka são a prova de que o EI ainda é uma grande ameaça

Rukmini Callimachi e Eric Schmitt

26/04/2019 18h00

Um homem de barba usando uma mochila e sandálias anda decididamente pelo pátio da Igreja de São Sebastião no Sri Lanka no domingo de Páscoa (21). Momentos depois, ele passa rapidamente pelos bancos onde há mulheres sentadas com os cabelos cobertos por véus de renda branca, e então detona uma bomba.

A explosão, uma de numerosas detonações produzidas por oito homens-bombas em seis locais de três cidades do país-ilha, foi forte o suficiente para derrubar as telhas do teto da igreja.

Pelo menos 250 pessoas morreram nos ataques coordenados, que teriam sido realizados por uma célula local que jurou fidelidade ao grupo terrorista Estado Islâmico (EI). Isso faria desse ataque um dos mais mortíferos praticados pelo grupo, quase duas vezes tão fatais quanto os atentados em Paris em 2015.

Apenas quatro semanas depois que o califado do EI foi eliminado no Iraque e na Síria e quatro meses depois que o presidente Donald Trump afirmou pela primeira vez que o grupo foi derrotado, a organização terrorista lembrou ao mundo de maneira dramática que não precisa controlar território para ser uma grande ameaça.

"O EI não está arrasado, não está 'derrotado'", disse Laith Alkhouri, diretor do Flashpoint, que avalia ameaças terroristas globais, em uma postagem no Twitter na quarta-feira (24). "Não é uma organização baseada em afiliação. É hábil em se reorganizar e modificar sua estratégia para se enquadrar à evolução da paisagem de segurança em todo o mundo."

Especialistas dizem que o grupo simplesmente se voltou para explorar os recursos à mão e a notoriedade que conquistou como marca global. Com sua hierarquia de comando e controle na Síria e no Iraque seriamente degradada, ele se tornou menos centralizado, recorrendo a filiais mais distantes para espalhar sua mensagem e o caos.

"Conforme seu núcleo enfraquece, as periferias se tornam mais perigosas", disse em um tuíte na quinta-feira (25) Charlie Winter, pesquisador convidado no Centro Internacional para o Estudo da Radicalização, no King's College em Londres.

O EI sempre viu o califado como um projeto global, e apesar da perda de território no Iraque e na Síria continuou se expandindo no exterior.

Quando os remanescentes da Al Qaeda foram expulsos do Afeganistão em 2002, o grupo também foi obrigado a se descentralizar mais, recorrendo a franquias estrangeiras em lugares como o Iêmen, Iraque e norte da África para se regenerar. Mas, diferentemente da Al Qaeda na época, o EI já tem diversas afiliadas em todo o mundo, um influente ministério de mídia e milhares de combatentes ainda ocultos nas bases do grupo no Iraque e na Síria.

Ainda em 2015, o grupo Estado Islâmico começou a instruir recrutas para migrar para território em poder de suas afiliadas no exterior. Em uma evolução às vezes despercebida pelas autoridades estrangeiras, começou a atrair grupos semelhantes em postos avançados.

"Em vez de construir a afiliação do zero, o grupo atrai membros de grupos radicais existentes, ou às vezes grupos inteiros", escreveu Rita Katz, cofundadora do Grupo de Inteligência SITE, que monitora propaganda extremista.

"Quando combinado com o know-how e a perícia técnica do EI, o conhecimento local de grupos menores pode ter efeitos devastadores", disse Colin Clarke, membro sênior do Centro Soufan, organização de pesquisa para questões de segurança global.

E agora que ele perdeu seu porto seguro no Oriente Médio o EI pode estar cada vez mais contando com o modelo que desenvolveu no exterior.

O líder do grupo, Abu Bakr al-Baghdadi, está desaparecido e supostamente se comunica por portadores pessoais, mas seus combatentes se comunicam livremente por meio de aplicativos criptografados.

Apesar das declarações de vitória, a campanha insurgente do EI ganha ímpeto constantemente no Iraque e na Síria, segundo um novo relatório do Instituto de Estudos da Guerra, em Washington. O relatório concluiu que o EI estava intensificando os ataques em partes do norte da Síria e do Curdistão iraquiano, assim como em grandes cidades que já estiveram sob seu controle, como Raqqa, na Síria, sua ex-capital, e Mosul e Fallujah, no Iraque.

Na semana passada, em sua maior operação desde que perdeu a base na Síria, o grupo efetuou ataques contra o Exército sírio e milícias aliadas no centro da Síria, matando 35 soldados em dois dias, segundo o Observatório de Direitos Humanos da Síria, grupo de monitoramento baseado no Reino Unido.

Conforme se descentralizou, o EI dependeu cada vez mais de sua operação de mídia em massa, que continua espalhando sua mensagem pelo mundo.

Todos os dias desde que autoridades da coalizão liderada pelos Estados Unidos anunciaram o fim do califado os agentes de mídia do grupo fizeram reivindicações de responsabilidade por atentados em todo o mundo.

No mesmo dia do ataque no Sri Lanka, por exemplo, o EI divulgou um vídeo mostrando jihadistas sauditas jurando fidelidade a al-Baghdadi antes de efetuar um ataque perto de Riad, e publicou detalhes de um ataque de sua afiliada afegã ao Ministério das Comunicações do país.

"Como a máquina de mídia do EI capitaliza todas as esferas de operação, parece para muitos de seus seguidores que ainda é um grupo forte global", disse Alkhouri. "Os seguidores acreditam piamente que a ruptura de seu califado no Iraque e na Síria é apenas um problema passageiro."

O EI ainda tem um grande orçamento de guerra para financiar suas operações. Possui de US$ 50 milhões a US$ 300 milhões em dinheiro escondido no Iraque e na Síria ou contrabandeado para países vizinhos, segundo um relatório da ONU divulgado em fevereiro.

O grupo terrorista ainda está envolvido em sequestros para pedir resgate e teria investido em empresas legítimas, como criação de peixes, revendas de carros e plantação de maconha, segundo Clarke. Distribuir o dinheiro pelo exterior disfarçadamente é uma técnica que o grupo desenvolveu ao longo de anos, usando substitutos, atalhos e intermediários conhecidos, disse ele.

A descentralização torna mais difícil saber a extensão do envolvimento do grupo em ataques como o do Sri Lanka.

O EI reivindicou responsabilidade pelos bombardeios, mas especialistas e autoridades locais ainda não determinaram a extensão de suas ligações com o grupo local que os teria praticado. Até esta semana, o grupo, Towheed Jamaat Nacional, era uma organização obscura conhecida por vandalizar estátuas budistas.

"O fato de que os atacantes conheciam as pessoas certas no EI para enviar o vídeo para ser divulgado em seu canal de mídia oficial mostra que é mais que mera inspiração", disse no Twitter na quarta-feira Amarnath Amarasingam, especialista do Instituto para o Diálogo Estratégico. "Essa é apenas uma de muitas peças de informação que surgem indicando um envolvimento mais direto."

Até agora não há evidência pública de que o Estado Islâmico teve um papel ativo na orientação ou assessoria nos ataques no Sri Lanka.