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O trágico destino de milhares de elefantes usados em rituais e turismo na Índia

A elefante Rajeshwari morreu apenas dias depois que um defensor de animais conseguiu permissão para sacrificá-la em um tribunal - AFP
A elefante Rajeshwari morreu apenas dias depois que um defensor de animais conseguiu permissão para sacrificá-la em um tribunal Imagem: AFP

Soutik Biswas - Correspondente da BBC na Índia

25/04/2018 09h41

Por mais de um mês, Rajeshwari, uma elefanta de 42 anos mantido em um templo na Índia, permaneceu deitado em um trecho de areia, sua pata dianteira e seu fêmur quebrados e seu corpo tomado por ferimentos.

Um ativista por direitos de animais entrou na Justiça com um pedido para sacrificá-la. O tribunal local determinou que o paquiderme poderia ser sacrificado depois de ser examinado por veterinários. Mas, no último sábado, ela morreu, poucos dias após a decisão.

Rajeshwari teve uma vida difícil desde o momento em que foi vendida a um templo no Estado de Tamil Nadu, em 1990.

Ela ficava sobre um chão de pedra durante horas para "abençoar" devotos do deus hindu Ganesha - sempre representado com uma cabeça de elefante - e participar de rituais como levar água para as divindades.

Em 2004, ela caiu de um caminhão aberto quando era levada para um acampamento de "rejuvenescimento" para elefantes mantidos em cativeiro e quebrou a perna.

Desde então, sentia dor no membro. Recentemente, ela quebrou o fêmur quanto veterinários usaram uma escavadeira para movê-la e tratá-la.

Depois disso, segundo ativistas que visitaram o templo para monitorar suas condições, ela enfraqueceu até morrer.

Mortes prematuras

A história trágica de Rajeshwari se assemelha à de muitos dos 4 mil elefantes mantidos em cativeiro na Índia, a maioria deles nos Estados de Assam, Kerala, Rajastão e Tamil Nadu.

De acordo com o Relatório de Proteção Animal, o país é considerado o "local de nascimento da domesticação de elefantes para o uso por humanos" - uma prática que começou há milhares de anos. Para efeito de comparação, o país tem 27 mil elefantes selvagens.

Os elefantes são fortemente associados às tradições religiosas e culturais do país.

No sul da Índia, os paquidermes são alugados durante festivais religiosos para procissões barulhentas e outras festividades como casamentos e inauguração de hotéis e lojas.

Eles viajam longas distâncias em veículos abertos e caminham por estradas asfaltadas sob o sol escaldante por horas. Muitas vezes, eles tentaram fugir dos templos durante festivais e acabaram matando participantes.

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Elefantes mantidos em templos costumam ser levados para "acampamentos de rejuvenescimento", mas frequentemente sofrem acidentes no caminho
Imagem: AFP

Em outros locais, elefantes acorrentados e selados são usados para levar turistas, subir e descer escadarias ou ser banhados e tocados por eles.

Os animais também são alugados por políticos para comícios ou por empresas para promover seus produtos em feiras. E ainda podem ser usados na derrubada ilegal de árvores e até para pedir dinheiro em estradas.

De acordo com a imprensa local, mais de 70 elefantes em cativeiro morreram "jovens e em circunstâncias não naturais" em apenas três Estados entre 2015 e 2017. Só em Kerala, 12 destes animais já morreram em 2018.

"A maior parte destas mortes se deve a tortura, abusos, excesso e trabalho ou práticas de má gestão", diz Suparna Ganguly, presidente do Centro de Resgate e Reabilitação de Animais Selvagens.

'Ignorância'

A falta de espaço e de habitat para que os elefantes se exercitem e pastem faz com que os elefantes em cativeiro fiquem presos por muitas horas em abrigos de concreto com chão de pedra.

Isso já é o suficiente para que os animais fiquem doentes. Em geral, eles desenvolvem uma "podridão no casco", condição que faz com que suas patas tenham abcessos e as solas fiquem mais finas, podendo levar a uma infecção séria.

Quando estão em ambientes abertos, a exposição constante ao brilho do sol pode afetar sua visão. Ganguly diz que estes problemas derivam da "enorme ignorância de tratadores e administradores".

Além disso, há a má alimentação. Elefantes comem devagar e, na natureza, comem mais de 100 tipos de raízes, brotos, gramíneas, folhagens e tubérculos. Em cativeiro, sua dieta é bastante restrita.

Em partes do nordeste da Índia, por exemplo, eles só têm acesso a uma dieta de bagaço de cana, muito rica em glicose. Veterinários dizem que muitos sofrem de infecção intestinal, septicemia (infecção que se espalha pela corrente sanguínea) e infecções pulmonares.

A expectativa de vida dos elefantes em Kerala, de acordo com um relatório, caiu de 70 a 75 anos há cerca de duas décadas para menos de 40 anos.

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O negócio de elefantes em cativeiro é considerado lucrativo na Índia, mas os animais costumam adoecer e morrer precocemente, segundo ativistas
Imagem: AFP

Negócio lucrativo

Não há nem lugares suficientes para abrigar elefantes resgatados e doentes. Há apenas cinco destes abrigos na Índia - incluindo três centros de resgate privados -, que mantêm apenas 40 elefantes.

Tamil Nadu tem acampamentos de rejuvenescimento para elefantes de templos, onde os animais podem descansar, receber tratamento médico e interagir com outros elefantes em um ambiente natural durante um mês.

Mas os paquidermes são levados de caminhão para estes locais, viajando longas distâncias e, frequentemente, sofrendo acidentes pelo caminho.

A Suprema Corte da Índia proibiu a venda e a exibição de elefantes em uma famosa feira de animais e instruiu as autoridades a proibir o uso de elefantes em cerimônias religiosas para reduzir sua demanda.

Mais de 350 elefantes cativos em Kerala e no Rajastão são "ilegais", ou seja, seus donos não possuem permissão para mantê-los cativos. Ativistas dizem que apesar de as leis indianas serem adequadas, o governo não faz o suficiente para que sejam cumpridas.

Uma das razões para isso parece ser o fato de que elefantes são um negócio lucrativo. O dono de um elefante em Kerala, por exemplo, pode facilmente lucrar 70 mil rúpias (cerca de R$ 3.600) por uma aparição de um dia em um festival religioso na alta estação.

A Suprema Corte, no entanto, analisa novas leis para proteger os animais.