Quem é Juliano Baiocchi, o procurador pró-agronegócio escolhido para chefiar Câmara de Meio Ambiente por Augusto Aras
O procurador-geral da República, Augusto Aras, nomeou na segunda-feira (08) um profissional com visões pró-agronegócio para coordenar a Câmara do Ministério Público Federal (MPF) que atua na área de meio ambiente.
Juliano Baiocchi é subprocurador-geral da República, o terceiro e último grau da carreira dos membros do Ministério Público. Ele foi escolhido por Augusto Aras para comandar a 4ª Câmara de Coordenação e Revisão (4ª CCR) do MPF. Historicamente, a Câmara tem adotado posições firmes na pauta ambiental - e procuradores ouvidos pela BBC temem que esta posição possa agora mudar.
Baiocchi é conhecido entre seus colegas como um defensor de pautas ligadas ao agronegócio - mais até que ao ambientalismo. Questionado pela reportagem, ele defendeu que haja "composição e diálogo" entre a atividade econômica e a defesa do meio ambiente.
Em sua página no Facebook, o procurador se apresenta também como proprietário da Estância Villa-Verde, uma fazenda nos arredores de Brasília dedicada à criação de gado das raças Gir Leiteiro e Girolando. Segundo ele, trata-se de uma pequena propriedade, da qual ele é apenas arrendatário.
A escolha de Juliano Baiocchi para a 4ª Câmara está alinhada ao discurso adotado por Augusto Aras na época de sua escolha para o cargo - o de que o MPF deve atuar em conjunto com outros poderes para "destravar" a economia e especialmente projetos de infraestrutura. Alguns desses projetos são às vezes contestados na Justiça por procuradores do Ministério Público Federal.
A decisão de Augusto Aras foi criticada por procuradores.
"A expectativa é a pior possível, e os colegas todos estão muito preocupados (...). A 4ª Câmara é o resultado que mais atemoriza, em termos de mudança de orientação. Há uma grande possibilidade de que tentem mudar a linha da instituição", diz um procurador, referindo-se ao fato de que na segunda-feira (08) também foram trocados os integrantes das outras seis câmaras temáticas do MPF.
"Ele é um procurador com uma atuação na área criminal. Como ele vai se comportar na ambiental, já não sei", diz outra procuradora, acrescentando que Baiocchi passou a atuar em processos criminais no Supremo Tribunal Federal (STF) por designação de Aras.
Na semana passada, coube a Baiocchi, por exemplo, pedir ao STF a condenação do deputado federal Paulinho da Força (SD-SP) em um caso envolvendo empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). Paulinho acabou condenado pela 1ª Turma do STF, mas cabe recurso.
"Agora, o Aras colocou ele como coordenador (da área ambiental). Qual é a ligação dele com a área ambiental, não sei dizer", comenta a procuradora.
'Seria bom para o meio ambiente que o MPF fosse próximo do Agro'
Procurado pela reportagem da BBC News Brasil, Baiocchi disse que encara com "bom humor" as críticas feitas por colegas.
"Se o MP fosse mais próximo do agronegócio acredito que seria bom para o meio ambiente. Estamos em uma fase em que a tutela dos direitos sociais (o meio ambiente equilibrado é um direito da sociedade) deveria passar muito mais por processos de composição e diálogo do que por uma rivalidade entre supostos defensores do passado e a realidade do presente", disse o procurador, por mensagem de texto.
Baiocchi disse também que sua ligação com o agronegócio é "apenas familiar". "Como mais da metade da população brasileira, somos netos de produtores rurais", disse.
"Sou apenas um arrendatário de uma chácara em uma região de granjas em Brasília, onde crio alguns bovinos e equinos para manter a atividade produtiva da terra, que tenho a posse há quase trinta anos. Eu vivo mesmo é do meu trabalho no MPF, desde 1989", disse ele à BBC News Brasil.
"Minha carreira no MPF foi dedicada à área criminal, que inclui os crimes federais contra o meio ambiente. Não quero citar nomes, mas foi num caso de minha atuação como Procurador Regional da República que ocorreu a condenação de um prefeito de capital, por crime ambiental", acrescentou Baiocchi.
Em 2012, uma ação penal movida por Baiocchi resultou na condenação do ex-prefeito de Palmas (TO), Raul Filho (PT), por obras irregulares em uma área de proteção ambiental.
Assim como os outros colegiados do tipo no MPF, a 4ª Câmara é composta por três titulares e três suplentes - em ambos os casos, dois deles são escolhidos pelo Conselho Superior do MPF (CSMPF), e um é indicado pelo procurador-geral da República. O PGR também escolhe o coordenador de cada Câmara.
Além de Juliano Baiocchi, escolhido por Aras, também integrarão a 4ª Câmara os procuradores Nicolao Dino - irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B) - e Julieta Elizabeth de Albuquerque. Estes dois últimos foram escolhidos pelo CSMPF. Ao contrário dos outros dois, Nicolao Dino já integrava o colegiado. Os mandatos são de dois anos.
A escolha de Julieta foi alvo de disputa no Conselho Superior do MPF, e o grupo quase reconduziu o procurador Nívio de Freitas, atual coordenador da 4ª Câmara. A procuradora é vista, dentro do órgão, como alguém mais próxima das posições de Juliano Baiocchi.
A polêmica do 'projeto de lei da grilagem'
Segundo os críticos de Baiocchi, um episódio recente mostra que sua chegada à 4ª CCR pode mudar as posições adotadas tradicionalmente pela Câmara.
No começo de março, o procurador participou de um seminário no Senado Federal, no qual defendeu a aplicação da MP 910/2019. Editada pelo governo no fim do ano passado e apelidada pelos críticos de "MP da grilagem", a medida provisória relaxava alguns critérios para a regularização de terras no país.
Segundo os críticos, a MP acabaria por incentivar a apropriação privada de terras públicas, e foi criticada em nota por vários órgãos do MPF - inclusive pela 4ª Câmara.
Na reunião do Senado, Baiocchi disse que a MP era importante para garantir a livre concorrência e a iniciativa privada. "É preciso reconhecer o direito à dignidade do produtor rural, sabendo que a intenção do governo é dar cumprimento à Constituição, que veda a intervenção indefinida no tempo do Estado na economia, retendo em poder da União as terras produtivas ocupadas pacificamente por produtores rurais de todo o país", disse.
No fim de maio, a MP perdeu a validade por não ter sido votada a tempo no Congresso Nacional. Foi substituída por um projeto de lei, que também não foi aprovado até agora.
Em fevereiro, a 4ª CCR publicou nota conjunta com outros colegiados do MPF, contra a medida provisória. Segundo a nota, a proposta acarretaria num "estímulo a novas ocupações (irregulares)", e teria vários pontos em desacordo com a Constituição.
Segundo a nota, a MP abria "a possibilidade de uma ocupação desenfreada das terras públicas federais. A ocupação, em larga escala, gera pressão legislativa por novas alterações nos marcos temporais e, logicamente, novos estímulos a ocupações. O estabelecimento deste ciclo acarreta o incremento do desmatamento e perda da biodiversidade (inerente ao processo de expansão das posses), bem como o aumento exponencial de conflitos fundiários".
Além da 4ª CCR, também lançaram notas contra a "MP da grilagem" a Força-Tarefa Amazônia do MPF; e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).
À reportagem da BBC News Brasil, Baiocchi disse que a MP não tratava em momento nenhum de direito ambiental - tudo que o texto diz sobre este assunto é que os produtores rurais deveriam cumprir as normas ambientais em vigor.
"Estudei e fui consultado pela 3ª Câmara do MPF sobre o alcance no Direito Fundiário da MP 910 e por isso fui convidado a comparecer a uma audiência pública no Senado Federal, sobre o texto legal, à época em discussão no Congresso", disse Baiocchi.
"O que eu observei na audiência foi que a MP 910 não dispunha em nenhum de seus artigos sobre direito ambiental, a não ser para reafirmar que os produtores rurais deveriam cumprir as normas em vigor para serem beneficiados pela desburocratização da regularização fundiária", disse ele à BBC News Brasil.
"Ou seja, eu via na Medida Provisória um ato de justiça em favor de pequenos produtores há meio século assentados no interior do Brasil e até em Brasília, para participar da conquista do lugar que o Brasil hoje ocupa na produção de alimentos, em um mundo com recursos e tecnologia limitados para o desafio de alimentar a população brasileira e de centenas de países", afirmou.
Para quê serve a Câmara de Meio Ambiente
Além da 4ª Câmara, Augusto Aras e o Conselho Superior do Ministério Público também trocaram, na segunda-feira (08), os integrantes e os coordenadores das outras seis câmaras do MPF.
Cada um dos colegiados tem uma especialidade: a 5ª Câmara lida com processos que dizem respeito à corrupção; a 6ª trata dos direitos das populações indígenas e das comunidades tradicionais; a 7ª atua no controle externo da atividade das polícias e em temas do sistema prisional; e assim por diante.
Das funções das Câmaras, duas são consideradas as mais importantes.
Quando um procurador decide arquivar uma investigação, cabe ao colegiado dizer se está de acordo ou não com o arquivamento. As Câmaras também emitem pareceres sobre determinados assuntos recorrentes em sua área de atuação. Esse parecer pode ser seguido ou não pelos procuradores, que possuem independência funcional para atuar - no entanto, é um elemento que pesa na atuação dos profissionais.
Além disso, o colegiado também pode organizar debates e até instaurar procedimentos para apurar determinados assuntos.
No fim da semana passada, por exemplo, a 1ª Câmara (Direitos Sociais) instaurou um procedimento para apurar a exclusão de dados sobre a Covid-19 por parte do Ministério da Saúde.
Na avaliação de pessoas que acompanham de perto a política interna do MPF, Augusto Aras conseguiu que sua vontade prevalecesse nas escolhas para a maioria das Câmaras, na segunda. Nos próximos dias, a força de Aras dentro do MP será testada novamente na disputa pelo Conselho Superior do MPF.
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