Água do mar no Rio é analisada duas vezes por semana; conheça o processo
Na manhã do último dia 6, apenas um homem havia se aventurado a entrar na água da praia de Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro, um dos principais cartões postais da cidade. A cena provocava olhares curiosos de quem passava por ali, já que o mar do local está impróprio para banho há anos.
O banhista solitário, Wanderson Nicácio, 32, é na verdade funcionário do Inea (Instituto Estadual do Ambiente), órgão que avalia se as praias do Estado apresentam ou não condições de banho. Há dois anos, ele é um dos responsáveis por fazer, duas vezes por semana, às segundas e quintas-feiras, as coletas de água que determinam a balneabilidade das praias da capital fluminense.
A tarefa é a etapa inicial de um trabalho que serve para guiar os banhistas em uma cidade que luta para melhorar a qualidade de um dos seus principais atrativos turísticos, o mar. O processo que gera a divulgação dos boletins sobre a qualidade da água nas praias envolve profissionais de diversas áreas e vai desde o trabalho braçal de técnicos como Nicácio até a análise bacteriana realizada no laboratório de microbiologia do Inea.
Nas zonas sul e oeste do Rio, onde ficam os locais mais frequentadas por banhistas, há 36 pontos de monitoramento situados em 20 praias, que foram definidos por critérios como a quantidade média de frequentadores e a existência de influência de galerias de águas pluviais.
Por conta das medições, é possível saber, por exemplo, que 14 dessas áreas estiveram próprias para banho ininterruptamente entre agosto e outubro, localizados nas seguintes praias: Grumari, Prainha, Pontal de Sernambetiba, Recreio dos Bandeirantes, Barra da Tijuca, Joatinga, do Diabo, Copacabana, Leme e Vermelha. E, em oito desses pontos --nas praias do Lebon, São Conrado, Barra da Tijuca e na já citada Botafogo-- não houve condições de entrar na água em mais de 15 dos 25 testes realizados no período.
Os resultados dos testes são disponibilizados todas as terças e sextas-feiras, à tarde, no site do Inea --www.inea.rj.gov.br. De acordo com o gerente de qualidade das águas do órgão governamental, Leonardo Daemon, o instituto estuda criar um aplicativo para celular com base no serviço.
Luvas de borracha e caixas térmicas
Os técnicos que, como Nicácio, fazem a coleta de amostras da água do mar precisam adotar uma série de medidas para garantir que o resultado do teste não sofra qualquer influência externa. É necessário, por exemplo, usar luvas de borracha e frascos esterelizados, que devem ser mantidos em caixas térmicas com gelo. A refrigeração evita que os micro-organismos morram ou procriem.
Em cada ponto de monitoramento, são coletados em torno de 200 ml de água. Para recolher o líquido, técnico deve entrar até a profundidade de um metro, altura média em que água a fica nos banhistas segundo o padrão nacional. Segundo Leonardo Daemon, os funcionários responsáveis pelas coletas, que não usam qualquer roupa especial, “não correm risco de serem contaminados porque não ingerem a água”.
Durante o recolhimento das amostras, os técnicos também usam um termômetro para medir a temperatura da água, que é registrada em uma planilha. “Esse dado pode influir, por exemplo, no aumento de florações de algas”, explica o gerente do Inea, que é biólogo e mestre em planejamento ambiental.
Após esta etapa, as amostras chegam ao Laboratório de Microbiologia do Inea, são identificadas por código em um sistema informatizado, e precisam passar 24 horas incubadas. Para que os resultados possam ser divulgados no período da tarde no dia seguinte, o trabalho deve começar muito cedo. No dia em que o UOL acompanhou o processo, a equipe do Inea teve que iniciar as coletas por volta das 4h e demorou quase seis horas para finalizar a tarefa.
Próprias ou impróprias?
No laboratório, explica o farmacêutico Fernando Corvino, chefe de serviço do local, as amostras são testadas para dois indicadores de grupos de bactérias: coliformes termotolerantes (fecais) e Enterococcus, ambos de origem fecal.
Duas metodologias são utilizadas. Em uma delas, 100ml de água do mar são diluídos em água esterelizada, misturadas a um meio de cultura (preparações quimicas) e colocadas em uma espécie de cartela. Em seguida, o material é incubado sob temperatura de 41 ºC por um dia. Ao fim deste processo, aplica-se luz ultravioleta sobre a cartela, o que possibilita ver se alguma bactéria presente na água floresceu. A outra se vale da diluição das amostras em tubos múltiplos com reagentes. Elas são incubadas durante três horas sob 35 ºC e, nas 21 horas seguintes, a 44,5 ºC.
As condições de balneabilidade são analisadas a partir da determinação do NMP (número mais provável) de bactérias de origem fecal na água. Quando as técnicas geram os resultados, eles são contrastados com uma análise histórica das medições anteriores. Uma praia é considerada imprópria para banho quando dois ou mais resultados das últimas cinco amostragens se apresentam acima de 1000NMP/100mL de coliformes termotolerantes, ou se o seu último resultado se apresentou maior que 2500NMP/100mL.
Estes padrões de balneabilidade, assim como a metodologia completa usada pelo Inea, estão de acordo com a resolução Conama 274/2000, que regulamenta os padrões de balneabilidade no Brasil.
Além disso, segundo Leonardo Daemon, também são feitas vistorias visuais todas as sextas-feiras, antes da divulgação do último boletim da semana. "Se for vista alguma língua negra, manchas de algas ou lixo em excesso, podemos tomar uma medida de precaução e marcamos a praia como imprópria", afirmou. O Inea também recomenda que o banho de mar seja evitado nas primeiras horas após a ocorrência de chuvas e nas proximidades de saídas de galerias de águas pluviais ou canais de drenagem.
Metodologias científicas à parte, o técnico Wanderson Nicácio conta com um instrumento natural que, segundo ele, é praticamente infalível. "Geralmente já percebo se [a praia] está própria [para banho] ou não pelo odor. Acerto o resultado quase sempre", afirma.
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