Predador, peixe-leão já se reproduz no litoral do país e assusta cientistas
Espécie invasora no mar brasileiro, o peixe-leão está sendo capturado em grande número no litoral do país. Segundo pesquisadores, isso quer dizer que ele já se estabeleceu no ambiente, e a prova disso é que ele já está se reproduzindo pelo menos em Fernando de Noronha, onde o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) mantém um programa de captura.
A invasão da espécie exótica é considerada hoje uma das mais ameaçadoras do Atlântico e assusta pesquisadores pela velocidade com que está se espalhando, além risco que traz à fauna local, já que se alimenta de peixes e não tem um predador por aqui.
Desde dezembro de 2020, o ICMBio diz que foram capturados cerca de 600 animais, entre jovens e adultos, em Fernando de Noronha. O maior deles mediu 47 cm —considerado um animal grande.
A gente começou a capturar peixes pequenos; depois foram aumentando de tamanho e de número de capturas: era um, depois dois. Agora, em alguns momentos, a gente chega a capturar 15 no mesmo lugar.
Ricardo Araújo, da Coordenação de Pesquisa, Monitoramento e Manejo de exóticas do ICMBio em Fernando de Noronha
Para ele, o peixe isso mostra que o peixe "chegou, se adaptou, já está se reproduzindo".
Em Noronha, o ciclo está completo, mas isso não quer dizer que ele já chegou ao nível máximo. A gente não sabe qual será o número máximo até ele a população parar de crescer. Estamos fazendo o combate para tentar diminuir.
Ricardo Araújo
Avanço até Alagoas
Para Luis Guilherme França, pesquisador do PCR (Projeto Conservação Recifal), o peixe-leão está em franca expansão no litoral brasileiro.
Hoje em dia ele já tem registros da região Norte até Alagoas. Isso preocupa porque pode causar impactos na diminuição das espécies locais.
Luis Guilherme França
França explica que alguns estudos já feitos para acompanhar o peixe-leão revelam que ele tem se alimentado dos mesmos peixes buscados na pesca artesanal —o que pode reduzir a oferta e, por sua vez, a renda de pescadores.
Precisamos de mais estudos e acompanhamento para termos detalhes. É necessário saber se a carne desse peixe-leão sendo está infectada com algum parasita, com algum contaminante.
Luis Guilherme França
"Velocidade assustadora"
A bióloga Nidia Fabré, coordenadora do Laboratório de Ecologia, Peixes e Pesca da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), diz que há duas espécies de peixe-leão no mundo: uma da região entre Mar Vermelho, Golfo de Pérsico e oceano Índico; e a outra que vive nos oceanos Índico e Pacífico —a Pterois volitans, que é a invasora do mar brasileiro.
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Quero receberO laboratório dela está pesquisando o porquê da velocidade de crescimento estar aparentemente maior em relação à população original.
O que é bastante assustador é a velocidade com que essa espécie invadiu principalmente a região do Nordeste. Temos trabalhos indicando que a velocidade de invasão na região Nordeste é muito mais elevada do que a passagem do peixe do Caribe para a região Norte.
Nidia Fabré
Uma das hipóteses mais prováveis para a boa adaptação, diz, são os ambientes recifais do litoral nordestino, que podem servir de habitat e plataforma de conexão para que espécies possam chegar na região rapidamente.
Outra faceta da pesquisa tenta saber se os peixes da região Norte são os mesmos achados no Nordeste. "Estamos fazendo estudos para saber se nós temos subgrupos de indivíduos dentro da área de invasão", explica Nidia.
Independentemente de haver ou não subgrupos, ela diz que o peixe-leão tem causado estragos por onde passa.
Eles têm uma ampla capacidade de se alimentar, com uma dieta muito ampla e são predadores vorazes. Além disso, têm taxa de crescimento elevada e amadurecem entre um ano e meio e dois anos, quando começam a reproduzir em um ciclo que acontece o ano inteiro.
Nidia Fabré
Sobre o controle no nosso litoral, a pesquisadora aponta que há dificuldades para combater pela característica da espécie.
As fêmeas soltam ovos em águas mais profundas. Como a captura está ocorrendo nas atividades de mergulho, elas não estão vulneráveis. Nossa capacidade de controle [da invasão] é baixa.
Nidia Fabré
Falta recurso
O pesquisador Cláudio Sampaio, do Campus Ufal em Penedo, diz pesquisadores consideram o peixe "a invasão biológica mais rápida e perigosa do oceano Atlântico", mas mesmo assim isso "não atrai a atenção dos políticos e agências de fomento a pesquisas".
Ele está presente em muitas discussões acadêmicas e de ministérios e secretarias estaduais de meio ambiente, além de reportagens, muito pouco ou quase nenhum recurso financeiro foi destinado ao seu estudo e manejo.
Cláudio Sampaio
Segundo ele, com raras exceções, os estudos desenvolvidos no Brasil sobre a dieta, parasitas, microbiologia, contaminantes, idade e crescimento estão sendo custeados por ONGs, unidades de conservação, professores e laboratórios de universidades públicas. E eles já historicamente carentes".
Ações
O ICMBio diz que tem feito "estudos genéticos, em colaboração com diversas instituições de pesquisa e universidades" e realizado ações de manejo; capacitações para instrutores de mergulho; colaboração com grupos de pesquisa para entender a biologia da espécie no; e estudos de novas tecnologias pesqueiras para o manejo do peixe-leão em áreas profundas.
Além disso, o Instituto está organizado um treinamento em Recife, previsto para junho de 2024, para servidores de unidades de conservação marinhas, focado na preparação para lidar com o peixe-leão.
ICMBio
Procurado, o Ibama ressalta que invasão é "tema complexo, que deve ser tratado por um conjunto de instituições conforme as competências de cada uma." O órgão diz que vem adotando as seguintes medidas:
- Proibição da importação desses animais para qualquer finalidade;
- Edição de portaria que proíbe a importação de 5 espécies do gênero Pterois;
- Criação, em 2022, de Grupo de Trabalho
A literatura científica aponta que o início de uma invasão biológica é o momento mais favorável para o estabelecimento de programas de detecção e controle. Quanto maior a população da espécie invasora em águas nacionais, que cresce em grande velocidade na ausência de predadores naturais, mais complexas e custosas são as medidas de enfrentamento.
Ibama
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