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Queimadas no Xingu crescem 58% em consequência do agronegócio, diz Ibama

Índios do Xingu caminham por área afetada por desmatamento e seca - Lalo de Almeida/ Folhapress
Índios do Xingu caminham por área afetada por desmatamento e seca Imagem: Lalo de Almeida/ Folhapress

Nivaldo Souza

Colaboração para o UOL, em São Paulo

06/02/2017 04h00

Tema de um dos sambas-enredos mais polêmicos de 2017, elaborado pela escola carioca Imperatriz Leopoldinense, o Parque Indígena do Xingu sofre com o desmatamento para expansão do agronegócio e, como resultado direto, assiste ao aumento de incêndios florestais no entorno da reserva.

As queimadas cresceram 58% entre 2008 e 2016, conforme levantamento feito a pedido do UOL pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). O indicador foi calculado a partir da base de dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

O órgão ambiental afirma que o desmatamento da vegetação nativa da reserva localizada entre o Mato Grosso e o Pará para criação de pasto e lavoura tem causado o “desequilíbrio de todo o sistema hidrológico” na região. Ou seja, o regime de chuvas foi alterado e, com isso, houve alteração nos padrões de pressão atmosférica.

147 incêndios florestais em 2016

Segundo o Ibama, a mudança causa “o declínio dos ventos carregados de umidade que vêm do oceano para o continente, causando, assim, o aumento da intensidade e do período de épocas de seca em várias regiões do país”.

O resultado direto da secura é o aumento de queimadas no Xingu. Traduzido pelo órgão em números: em 2008, o parque indígena registrou 93 incêndios florestais. O número saltou para 147 no ano passado. Em 2015, foram 185 ocorrências, contra 157 em 2014.

No total, segundo levantamento do INPE, o Mato Grosso teve 29.572 queimadas em 2016, e o Pará, 29.426 queimadas.

A queimada mais cruel foi em 2016, quando 15% da reserva com 26 mil quilômetros quadrados acabou destruída pelo fogo. “O aumento na ocorrência de incêndios florestais parece ser proporcional ao aumento do desmatamento no entorno do Parque Indígena do Xingu”, afirma o Ibama em nota ao UOL.

Entidades do agronegócio repudiam samba-enredo

O impacto ambiental da devastação florestal e os efeitos da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no curso no rio Xingu, serviram de mote para a Imperatriz criar o enredo “Xingu, o clamor que vem da floresta”.

A escola vai cruzar a Marques de Sapucaí com as alas "fazendeiros e seus agrotóxicos", "doenças e pragas" e "olhos da cobiça". No samba-enredo, há o verso “O belo monstro rouba as terras dos seus filhos/devora as matas e seca os rios/tanta riqueza que a cobiça destruiu”.

O samba-enredo desagradou os representantes e políticos ligados ao agronegócio, que reagiram. A Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás, por exemplo, afirmou em nota ser “inadmissível, ultrapassado e insustentável, que o agronegócio seja colocado como 'vilão do meio ambiente, da natureza e da população'”.

Já a Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz) apontou o “grande potencial de prejuízos” do samba-enredo para a imagem do país devido à fama internacional do desfile da Sapucaí. A entidade disse que o tema da Imperatriz "é incongruente com o que o Brasil busca, defende e trabalha há décadas”.

A Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) divulgou nota na qual “repudia, com indignação e veemência o samba-enredo” da Imperatriz. “Ao criticar duramente o agronegócio, o grupo [sambista] mostra total despreparo e ignorância quanto à história brasileira e à realidade econômica e social do país. Antes de mais nada, é preciso esclarecer e reforçar que o país do samba é sustentado pela pecuária e pela agricultura”, afirmou a entidade.

Senador criticou tema da Imperatriz

O samba-enrendo foi criticado pelo senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), principal herdeiro político de uma das mais tradicionais famílias ligadas ao agronegócio no Brasil. O parlamentar acusa a agremiação sambista de “atacar” a agropecuária.

Caiado afirmou que o samba-enredo “denigre a imagem do setor com calúnias generalizadas sobre a atuação da classe rural brasileira, respeitada mundialmente pela eficiência e tecnologia aplicadas, além de ser responsável há vários anos pelo saldo da balança comercial do país”.

O UOL procurou o senador para avaliar o aumento de queimadas causado pelo agronegócio no entorno do Xingu. A assessoria de Caiado disse que o posicionamento dele estava mantido, apesar de afirmar que “o senador não responde pelo parque e não teria condições de passar informações reais sobre o local”.

Origem da expedição Roncador-Xingu

Não é a primeira vez que a história coloca em lados opostos os Caiado e o Xingu. O sertanista Orlando Villas-Bôas afirmou no livro “A marcha para o Oeste” (Cia. das Letras, 672 págs., R$ 69) que a expedição Roncador-Xingu não começou em Goiás, em 1943, como seria o mais adequado, porque o então governador goiano Pedro Ludovico não queria dar à família Caiado o privilégio de participar da aventura que desbravaria o Brasil central e o sul amazônico. Ludovico articulou para que a aventura partisse de Uberlândia (MG).

Os relatos históricos sobre o poder dos Caiado no Cerrado remontam a meados do século 18, quando a família chegou à região para ocupar terras doadas pelo Império. Somente em 1850 é que a propriedade fundiária privada foi regulamentada no Brasil, com a chamada Lei de Terras. A legislação era resposta à proibição do tráfico negreiro no país naquele ano e ao medo de que os escravos pudessem ocupar as fazendas onde eram explorados a partir do iminente fim da escravidão (1888).

Conta-se que o bisavô do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-senador do Império Felicíssimo do Espírito Santo Cardoso, reclamou do poder dos Caiados após a proclamação da República: “Aqui [em Goiás] agora, como antes, continuam mandando os Caiado”, disse Cardoso, conforme relato publicado por Laurentino Gomes no livro “1889”.
 

Homenagem aos irmãos Villas-Bôas

A criação do parque rendeu duas indicações ao Nobel da Paz aos irmãos Villas-Bôas, que serão homenageados na Sapucaí pela Imperatriz Leopoldinense.

A Imperatriz Leopoldinense se defendeu das críticas dos ruralistas nas redes sociais, alegando que os representantes do agronegócio não entenderam o samba-enredo, cuja expressão “belo monstro” é referência à construção de Belo Monte.

Mas a escola não recuou na crítica aos “conflitos constantes” entre ruralistas e índios na região do Xingu. “A produção muitas vezes sem controle, as derrubadas [da vegetação nativa], as queimadas e outros feitos desenfreados em nome do progresso e do desenvolvimento afetam de forma drástica o meio ambiente e comprometem o futuro de gerações vindouras. Os resultados, como sabemos, são devastadores e na maioria das vezes irreversíveis”, afirmou a Imperatriz, por meio de nota divulgada no meio de janeiro.