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Em Gana, moradores transformam resíduos de lixão em objetos de luxo

Famílias tiram o sustento do lixão de Agbogbloshie, periferia de Acra. Ali ONG ensina alternativa para os moradores - Cristina Aldehuela/AFP
Famílias tiram o sustento do lixão de Agbogbloshie, periferia de Acra. Ali ONG ensina alternativa para os moradores Imagem: Cristina Aldehuela/AFP

Em Acra (Gana)

28/12/2017 08h43

Em um dos maiores lixões do mundo, em Gana, centenas de pessoas reviram os resíduos em busca de plásticos, metais e materiais de informática, uma atividade que Joseph Awuah-Darko quer utilizar para dar aos coletores uma vida melhor.

Na falta de empregos, centenas de homens, mulheres e crianças sobrevivem procurando no lixo qualquer objeto de valor que possam vender.

Mas Joseph, 21, nascido em Londres, quer lhes oferecer uma vida melhor. Junto com uma amiga da universidade, fundou a ONG Agbogblo.Shine Initiative, com o objetivo de reciclar materiais para fazer móveis de qualidade e ao mesmo tempo oferecer aos coletores, conhecidos como "Salvagers", uma formação.

O bairro de Agbogbloshie, na periferia de Acra, se tornou um imenso lixão eletrônico e tudo está coberto por um manto escuro que tinge o ar, as roupas, as mãos e os rostos das pessoas.

O solo pantanoso está coberto de sacolas de plástico, fios e garrafas. Há ainda sapatos velhos, televisores quebrados e teclados obsoletos. Crianças correm e animais buscam restos orgânicos para comer.

Ali, os "Salvagers" queimam o lixo eletrônico para extrair os restos de cobre e de outros materiais que possam ter algum valor para a revenda.

Estima-se que cerca de 40.000 pessoas vivem neste imenso bairro marginal em torno ao lixo.

"É a sobrevivência. É um pesadelo. É uma distopia", explicou Joseph.

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O lixão de Agbogbloshie é fonte de renda para a população pobre da região
Imagem: Cristina Aldehuela/AFP

Dano pulmonar

Segundo um relatório publicado pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 2015, no mundo todo 64 milhões de pessoas vivem da reciclagem de resíduos, quase todas elas em países em desenvolvimento.

Em Gana este problema está muito presente, já que este pequeno país da África Ocidental importa a cada ano cerca de 40.000 toneladas de resíduos eletrônicos.

Desde setembro, Joseph e sua amiga Cynthia Nuhonja multiplicam suas viagens entre dois universos diametralmente opostos: o campus da universidade privada, em uma zona acomodada de Acra, e o lixão.

Eles escolheram 20 "Salvagers" que agora recebem uma formação em carpintaria em uma escola de artesãos para aprender a fabricar banquetas encomendadas por um hotel da capital.

Mohamed Abdul Rahim, 25, é um deles. Originário do norte de Gana, trabalha no lixão desde 2008, 12 horas por dia, seis dias por semana, para ter um salário médio de 20 cedis por dia (4,3 dólares).

Apesar de sua juventude, tem os pulmões danificados e dores no quadril por transportar objetos pesados para fundi-los.

"Aqui, você sofre muito com o calor e a fumaça", disse à AFP.

Mas com o pouco que ganha, alimenta sua mãe, mulher e seus três filhos.

"Se encontrasse um trabalho melhor, deixaria isto", disse.

"Uma vida melhor"

As pessoas de Agbogbloshie "buscam fundamentalmente o mesmo que queremos todos: uma vida melhor", afirma Joseph.

Este estudante espera que sua iniciativa permita melhorar as condições de trabalho dos coletores, mas também ajudar o meio ambiente, ao oferecer uma segunda vida ao lixo tecnológico, limitando assim a liberação de químicos tóxicos.

O primeiro protótipo foi um relógio de pé fabricado com um eixo de um carro e um velho pêndulo que veio de Agbogbloshie. A peça foi comprada por um homem de negócios da capital de Gana. Dois hotéis de luxo de Acra também se interessaram por este objeto, contou Joseph.

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Joseph Awuah-Darko e o relógio criado com sucata
Imagem: Cristina Aldehuela/AFP

Agora, este empreendedor espera conseguir que cerca de 100 "Salvagers" abandonem seus empregos precários para fabricar móveis e recebam um salário por isso.

Sonha, ainda, em oferecer um dia este artesanato de luxo a casas de leilões.

Este sonho ainda está longe para Mohammed Sofo, um rapaz de 26 anos com o rosto tatuado, que participa da formação.

Ele também imagina um futuro em que não tenha que queimar plástico para sobreviver.

"Alguns pensam que somos loucos", disse. "[Mas se] ganhássemos dinheiro, ninguém nos olharia assim. Vai chegar um dia em que ninguém vai trabalhar aqui."