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Fundação prevê retirar apenas 5% do volume de lama vazado em Mariana

Homem retira objetos de dentro de casa em MG após rompimento de barragem em 2015 - Ricardo Moraes/Reuters
Homem retira objetos de dentro de casa em MG após rompimento de barragem em 2015 Imagem: Ricardo Moraes/Reuters

Carlos Eduardo Cherem

Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte

10/08/2018 04h00Atualizada em 10/08/2018 16h06

Quando se rompeu, em novembro de 2015, a barragem de Fundão, operada pela Samarco no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), tinha 56,6 milhões de m³ de lama de rejeito de minério de ferro. O material é a sobra do processo de mineração: uma parte extraída do solo é aproveitada pelas empresas, e outra, sem utilidade comercial, vira uma espécie de lama.

Desse total, 39,2 milhões de m³ se arrastaram de Minas Gerais até o mar, desembocando na foz do rio Doce, no Espírito Santo, e atingindo 29 municípios dos dois estados.

Caso houvesse sido feita uma operação de retirada, seria necessário 1,8 milhão de viagens de caminhão para o transporte dessa lama. A caçamba de um caminhão carrega 22 m³, em média.

O volume equivale a 15.680 piscinas olímpicas, com 50 metros de comprimento por 25 metros de largura e profundidade de 2 metros --ou seja, um volume de 2.500 m³.

A Fundação Renova, porém, projeta retirar somente 2 milhões de m³ desse material. Isso representa cerca de 5% do que vazou. Um volume do tamanho de 800 piscinas olímpicas.

O restante, cerca de 37 milhões de metros cúbicos de rejeito (ou 14.800 piscinas olímpicas), permanecerá depositado ao longo das áreas afetadas pela lama, sobretudo o leito do rio Doce e seus afluentes. 

A Renova foi criada por meio da assinatura de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) pela Vale e pela BHP Billiton, controladoras da Samarco, quatro meses após o desastre.

O termo de compromisso das mineradoras define a Renova como fundação responsável pela criação, gestão e execução das ações de reparação e compensação das áreas e comunidades atingidas pelo rompimento da barragem. A um custo mensal de R$ 10 milhões, a fundação tem 400 técnicos atuando em 42 programas criados para reparar os danos.

Bento Rodrigues coberta de lama após rompimento de barragem em novembro de 2015 - AFP - AFP
Bento Rodrigues coberta de lama após rompimento de barragem em novembro de 2015
Imagem: AFP

Morros de lama

No reservatório de água da hidrelétrica Risoleta Neves, em Santa Cruz do Escalvado (MG), distante 113 km da barragem da Samarco, em Mariana, ficaram acumulados 10,5 milhões de m³ de lama, impedindo o funcionamento da usina desde então. É somente neste local que deverá ser feita a retirada do rejeito. 

A Renova comprou uma fazenda próxima à hidrelétrica. A lama é dragada do reservatório e, por meio de tubulação, envia o rejeito até o local. Ali, é empilhada de forma definitiva, formando uma espécie de morro de rejeitos.

Segundo a gerente de rejeitos da Renova, Juliana Bedoya, o depósito deve receber somente 2 milhões de m³ de lama: 5% dos 39,2 milhões de m³ que vazaram.

Conhecida também como Candonga, a hidréletrica Risoleta Neves pertence à Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais), concessionária de energia controlada pelo governo mineiro.

A Justiça havia determinado que o rejeito fosse retirado até dezembro de 2016, mas o prazo não foi cumprido pela Renova.

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) multou as mineradoras em R$ 1 milhão e deu novo prazo para a retirada até o fim do mês passado, que também não foi cumprido. A Renova pediu aos órgãos ambientais uma prorrogação até novembro de 2019, mas ainda não houve decisão sobre o assunto.

Segundo Bedoya, a forma mais adequada de tratamento da lama que vazou é a sua retenção. Ela explica que a remoção do rejeito teria um impacto ambiental muito mais negativo. De acordo com a gerente, a solução sustentável ecologicamente para essas áreas é a recuperação e não a remoção da lama.

"Tendo em vista os impactos ambientais da movimentação do rejeito, a opção é de não remoção. A solução será definida caso a caso e a decisão final tem como princípio que essa solução será a de menor impacto para o meio ambiente", afirma. 

Bedoya diz que, em 17 trechos ao longo das áreas da bacia do rio Doce atingidas pelos rejeitos da barragem, estão sendo feitos estudos para encontrar essas soluções.

No trecho oito, por exemplo, foram plantadas 42 mil mudas de espécies nativas, numa área de 23 hectares, que apresentaram uma taxa de sobrevivência de 95%. 

"Esse baixo índice de mortalidade das árvores (5%) evita a erosão do solo na margem do rio Doce e dificulta a descida dos rejeitos até a água. Além disso, tem uma função paisagística e estrutural, contribuindo para o retorno da biodiversidade dessas áreas", diz ela. "A lama não é tóxica. Ela é resultado da lavagem de rochas do próprio solo."

A Renova projeta a restauração de 40 mil hectares em toda a bacia do rio Doce: 10 mil hectares com o plantio de mudas e outros 30 mil hectares com manejo de regeneração natural.

A Renova também assinou convênio com a UFV (Universidade Federal de Viçosa) para estudos sobre a recuperação das áreas atingidas pela lama.

O professor Sebastião Venâncio, engenheiro florestal e especialista em ciência florestal e botânica, coordena o projeto de restauração ecológica dessas áreas. Ele explica que estão em andamento duas dissertações de mestrado e três de iniciação científica sobre a recuperação da bacia do rio Doce.

"A remoção [da lama] implicaria revolvimento e novamente liberação [de resíduos] para os cursos d'água. A recuperação tem se mostrado mais eficiente, com alta sobrevivência das mudas de espécies nativas plantadas sobre a lama. Há também uma forte regeneração natural das florestas em muitas áreas", afirma Venâncio.

"É melhor recuperar essa lama. Com técnicas de bioengenharia e o reflorestamento com espécies nativas, essas áreas estão sendo estabilizadas."

Em nota enviada após a publicação da reportagem, a Fundação Renova afirmou que "a solução para o manejo de rejeitos está em definição junto à Câmara Técnica de Gestão de Rejeitos e Segurança Ambiental, composta por órgãos ambientais". "Isto significa que a remoção do material poderá ser feita em outros trechos, e não apenas no reservatório da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves (Candonga)."

"Fazer manejo do rejeito não significa necessariamente retirar o material de onde ele está armazenado. A solução será definida caso a caso e será considerada a opção de não remoção, se essa for a melhor alternativa, tendo em vista os impactos ambientais resultantes da movimentação do rejeito", diz a Renova.

"O sedimento (a lama), resultante da mistura de rejeito e sedimento natural, foi caracterizado, pela norma de resíduos, como não perigoso em todas as amostras (estudadas)", finalizou o comunicado.