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Detroit, a cidade que ofereceu árvores, mas muitos moradores disseram 'não'

Detroit, nos EUA: cidade foi de referência negativa a exemplo de revitalização. Mas parte dos moradores rejeitaram o plantio de árvores - Cidade de Detroit / Divulgação
Detroit, nos EUA: cidade foi de referência negativa a exemplo de revitalização. Mas parte dos moradores rejeitaram o plantio de árvores Imagem: Cidade de Detroit / Divulgação

Edison Veiga

Colaboração para o UOL, em Bled, na Eslovênia

13/01/2019 04h01

Especialmente para quem mora em cidades grandes, árvores melhoram a paisagem, dão sombra, frescor e até reduzem a poluição sonora, sem falar da melhoria na qualidade do ar.

Mas grande parcela de moradores de Detroit, ou para ser preciso, um quarto deles, recusou todos esses benefícios. Entre 2011 e 2014, 25% dos habitantes que tinham direito a ter uma árvore plantada, de graça, em frente a suas enviou aos órgãos responsáveis um pedido que parece estranho: "não queremos árvores aqui".

O projeto de plantio de árvores em Detroit foi realizado a encargo de uma organização não-governamental (ONG) sem fins lucrativos.

Impressionada com a resistência de uma parcela significativa da população, a pesquisadora Christine Carmichael, especializada em ciências ambientais, decidiu estudar a questão. Levou o tema para a Universidade de Vermont, onde atua.

Após analisar as razões da população de Detroit, Carmichael concluiu: o problema não estava nas árvores, mas no histórico de má zeladoria urbana do município.

O estudo foi publicado na última segunda (7), pelo periódico científico ?Society and Natural Resources?.

Quem cuida das árvores

Conforme constatou a pesquisadora, para boa parte da população de Detroit uma árvore na frente de casa não significa sombra. Significa problema.

Quando a ONG The Greening Of Detroit delegeu 7.425 residentes da cidade como aptos a participar do programa de reflorestamento urbano, mais de 1,8 mil deles enviaram um pedido para serem excluídos da ação.

Carmichael descobriu que a oposição em Detroit resultava principalmente de experiências anteriores negativas com árvores de rua, particularmente em bairros de baixa renda.

Em 2014, a estimativa era de que a cidade tinha 20 mil árvores mortas ou em perigo de queda ? e a prefeitura, por causa de cortes no orçamento, havia suspendido o programa de manutenção de árvores.

"Minha pesquisa mostra como as ações do governo local podem levar os moradores a rejeitar os esforços ambientais ? neste caso, árvores de rua ? que seriam do interesse das pessoas", afirma Carmichael.

Com a ausência de ação do poder público, os habitantes de Detroit passaram a encarar que qualquer problema com tais árvores acabariam recaindo sobre eles.

?Mesmo que seja propriedade da municipalidade, sabemos que vamos acabar tendo de cuidar disso, da limpeza das folhas caídas a sabe-se lá mais o que deveremos fazer?, afirmou uma das cidadãs entrevistadas para a pesquisa.

Reflorestamento urbano

The Greening Of Detroit é um dos muitos programas criados pela sociedade civil norte-americana nos últimos anos para tentar melhor a qualidade de vida e o meio ambiente das grandes cidades dos Estados Unidos, sobretudo em bairros de baixa renda ? geralmente, os menos verdes.

São do mesmo tipo o MillionTreesNYC, o Grow Boston Greener e o The Chicago Tree initiative, apenas para citar alguns.

Em geral, esses programas partem de algumas premissas comuns: selecionar árvores adequadas aos ambientes urbanos e garantir a manutenção das plantas por pelo menos três anos após o plantio.

Pelo menos no caso do The Greening Of Detroit, o projeto também previa a educação ambiental dos moradores beneficiados.

Mas, segundo Carmichael, o programa não previa tal resistência e nem estava pronto para responder a essas inquietações da população.

?Por não dar aos moradores uma resposta, eles acabaram recriando os mesmos conflitos que estavam acontecendo já na cidade há muito tempo?, avalia a pesquisadora.

Ela sugere que projetos do tipo adotem medidas simples, como permitir que os moradores escolham a espécie da árvore que será plantada em frente à sua casa, para reduzir tensões.

Uma melhoria na comunicação também seria oportuna, além de um acompanhamento mais constante nos cuidados das plantas, junto à população local.

Tudo isso, segundo a acadêmica, faria com que as pessoas se sentissem menos sobrecarregadas.

A diretora do The Greening Of Detroit, Monica Tabares, afirma que a organização tem se preocupado em envolver mais a comunidade, principalmente depois que prefeitura reduziu a atuação no setor.

Segundo ela, o estudo de Carmichael fez com que sua ONG instituísse um treinamento de engajamento comunitário para jovens, que são capacitados para irrigar as árvores e interagir com os moradores.