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Projeto de F. Bolsonaro quer revogar proteções e pode agravar desmatamento

O senador Flávio Bolsonaro (PSL) propôs um projeto de lei que revoga todas as normas referentes à proteção de vegetação nativa das propriedades rurais - Walterson Rosa/Folhapress
O senador Flávio Bolsonaro (PSL) propôs um projeto de lei que revoga todas as normas referentes à proteção de vegetação nativa das propriedades rurais
Imagem: Walterson Rosa/Folhapress

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

02/05/2019 04h00

Um projeto de lei elaborado pelos senadores Márcio Bittar (MDB) e Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), pretende revogar todas as normas referentes à proteção de vegetação nativa das propriedades rurais --o que pode aumentar a margem de desmatamento desses imóveis.

A proposta tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e versa sobre o capítulo 4 do Código Florestal, um dos pontos mais delicados deste conjunto de leis que demorou mais de 13 anos para ser aprovado.

Os parlamentares argumentam que é preciso abdicar da proteção da vegetação nativa para "garantir o direito constitucional de propriedade". Legalmente, a reserva é a área do imóvel rural onde é proibido o desmatamento e permitido somente o "uso sustentável dos recursos naturais".

Grosso modo, o Código Florestal estabelece percentuais mínimos de preservação, diferenciando as propriedades localizadas na Amazônia Legal (fração que abrange Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e parte dos estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão):

  • Na Amazônia, no mínimo 80% da vegetação nativa em imóveis situados em florestas devem ser preservados; para os imóveis situados em área de cerrado, essa porcentagem é de 35%; e nas áreas de campos gerais, 20%;
  • Nas demais regiões do país, 20% da vegetação nativa tem de ser preservada, sempre levando em consideração a área tota do imóvel.

O capítulo que Bolsonaro e Bittar querem revogar ainda trata de consequências para quem descumprir a preservação das reservas nativas, como o inciso terceiro do artigo 17, que ordena a "suspensão imediata das atividades em área de Reserva Legal desmatada irregularmente após 22 de julho de 2008". Outro artigo regulamenta como os proprietários podem explorar as reservas, com práticas "de manejo sustentável sem propósito comercial".

Como justificativas para a proposta, os senadores dizem que o Brasil "é um dos [países] que mais preservam sua vegetação no mundo". "Não é demais reafirmar que o Brasil é o país que mais preserva sua vegetação nativa e o produtor rural é personagem central desta preservação, ao bancar do próprio bolso a conservação de um quarto do território nacional", escrevem os senadores.

O Código Florestal é, de fato, um conjunto de leis avançado e que se compara às nações desenvolvidas e aos países que detêm grandes reservas naturais. O Brasil, no entanto, já não ocupa há alguns anos a vanguarda no combate ao desmatamento. Desde 2012, o país vem apresentando uma alta no desmatamento na Amazônia Legal, conforme dados do projeto Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial).

No projeto, os senadores argumentam que a maior exploração das terras brasileiras pode "transformar os recursos naturais em riquezas".

Na perspectiva do cientista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP (Universidade de São Paulo), todavia, não há qualquer correlação entre expansão, produtividade e geração de empregos. "A pecuária, por exemplo, emprega pouquíssima gente", diz ao UOL.

Nobre alerta ainda para as relações econômicas do Brasil com outros países, que também estão atreladas a fatores como preservação e reflorestamento. Estudo da Nasa (agência espacial dos Estados Unidos) mostra, por exemplo, que a China é o país que mais reflorestou nos últimos 20 anos, seguido da Índia --duas das mais pulsantes economias das duas últimas décadas.

"Aqui, vejo como uma volta a 1987, quando os ruralistas desmataram tudo o que podiam desmatar por que sabiam que a Constituição iria limitá-los. De repente, um governo entra e ecoa a cultura da posse da terra, da expansão infinita. Eles não abrem mão do discurso expansionista, e isso gera uma reação internacional muito ruim para o Brasil", diz Nobre.

No último parágrafo da justificativa apresentada por Bolsonaro e Bittar, os senadores remontam ideias que caberiam satisfatoriamente no período da ditadura militar, onde houve o apogeu do modelo expansionista que perdura até hoje.

"Em particular, é necessidade [sic] ocupar mais ainda a região amazônica e explorar os seus recursos naturais, transformando-os em riquezas, ou seja, completar o projeto nacional e dar concretude à integração nacional. A região Amazônia brasileira é uma bandeira política de esperança, geração de riquezas e bem-estar", dizem os parlamentares.

Para Nobre, o setor ruralista, mais forte politicamente e que abriga a maioria dos produtores, não tem interesse em aumentar a produtividade. "Hoje, apenas uma minoria dos produtores brasileiros, os mais avançados e modernos, sabe os benefícios de manter as florestas preservadas. A ciência indica com total clareza que, quando você mantém áreas próximas às florestas, aumenta a lucratividade e a produtividade."

Três Bahias desmatadas

Análise feita pelo pesquisador Gerd Sparovek, da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), e divulgada no site do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), mostra que o projeto de Bolsonaro e Bittar pode provocar o desmatamento de 167 milhões de hectares no território brasileiro, ou o equivalente a três vezes o tamanho do estado da Bahia.

De acordo com os dados publicados, a área com permissão para desmatamento, com base no Código Florestal, aumentaria em proporções diferentes em cada bioma:

  • 89 milhões de hectares na Floresta Amazônica
  • 46 milhões de hectares no cerrado
  • 15 milhões de hectares na caatinga
  • 12 milhões de hectares na mata atlântica
  • 3 milhões de hectares no Pantanal
  • 3 milhões de hectares no pampa.

"Essa lei representa um retrocesso ambiental. O Código Florestal já passou por uma mudança em 2012 e diminuiu seu grau de efetividade. Naquele momento se criou um consenso de implementação da lei pela parte mais moderna do setor. Essas áreas de reserva garantem a resiliência climática, ciclo de chuvas. Abrir esse precedente é um tiro no pé do próprio setor produtivo", diz o engenheiro agrônomo Edegar de Oliveira Rosa, gerente do programa Agricultura e Alimentos do WWF Brasil.

Na semana passada, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, organização que reúne ruralistas, ambientalistas e acadêmicos, divulgou uma carta onde afirma ter chegado a um consenso sobre a implementação imediata do Código Florestal da forma como foi concebido.

"Com o fim das sucessivas prorrogações do prazo para inscrição no CAR [Cadastro Rural], esperava-se que a segurança jurídica necessária para que se pudesse avançar para a etapa de regularização estivesse instalada. No entanto, uma série de Projetos de Lei e Medidas Provisórias tem sido apresentada no Congresso, visando alterar dispositivos essenciais para a implementação do Código Florestal. Essas iniciativas mantêm o clima de insegurança jurídica e prejudicam os esforços de implementação da lei", diz o texto.