Reserva onde governo quer criar Cancún tem golfinho isolado e área pequena
Localizada entre os municípios de Angra dos Reis e Paraty, na região da Costa Verde do Rio de Janeiro, a Estação Ecológica de Tamoios reúne apenas 29 ilhas, em um raio de 1 km, e representa apenas 5,69% de toda a Baía da Ilha Grande.
Comparado à totalidade da área da baía, é um espaço pequeno em que existem restrições para pesca, mergulho recreacional, fundeio (ancoragem) e visitação pública, além da proibição do trânsito de embarcações.
Mas é este local que o presidente Jair Bolsonaro afirmou querer transformar em uma espécie de "Cancún brasileira". Para tanto, precisa revogar um decreto de proteção ambiental de 1990.
A região, de beleza exuberante, é refúgio de golfinhos, baleias, pinguins, focas, lobos-marinhos, além de peixes como badejos, garoupas, robalos, meros e chernes. O ambiente terrestre é predominantemente de mata atlântica.
Na estação, são realizadas pesquisas de universidades federais, estaduais e privadas que contribuem para a geração de importantes dados direcionados à conservação, além de atividades de educação ambiental e monitoramento da biodiversidade.
Entre os projetos desenvolvidos em Tamoios, está o monitoramento de golfinhos do Instituto Boto Cinza, que monitora a população desses mamíferos na região. Foi através dele que foi possível descobrir que os golfinhos da Baía de Ilha Grande não se relacionam com os golfinhos presentes na Baía de Sepetiba. O coordenador do instituto, Leonardo Flach, destaca que a conclusão permite fortalecer medidas protetivas para que não ocorra a extinção de espécies.
Na avaliação dele, manter a estação ecológica significa não só preservar a diversidade marinha, mas também garantir atividades extrativistas.
"Acho que vale ressaltar que a estação ecológica abrange uma parte pequena de toda a baía. Mantê-la protegida significa garantir recursos marinhos para outros pontos onde a pesca, por exemplo, é liberada. Isso acontece através da estratégia de transbordamento: um local, protegido, funciona para reprodução e depois as espécies migram, garantindo, inclusive, a segurança alimentar da comunidade. Trata-se de uma proteção do estoque pesqueiro para que as espécies consigam se reproduzir e transbordar para outras áreas. Todos os países estão aumentando as áreas protegidas marinhas com esse objetivo", afirma Flach.
O coordenador do Instituto Bota Cinza explica também que a região serve de área de alimentação para golfinhos de outras espécies.
"Na região é possível observar grupos com 200 golfinhos. Alguns como o pintado do Atlântico só vão lá para se alimentar e vão embora, o que mostra como a região é rica."
Foi através do decreto 98.864/90, do então presidente José Sarney (MDB), que a área se transformou em uma estação ecológica, onde a pesca e outras atividades são proibidas. No entanto, antes mesmo da finalidade de proteção do ambiente marinho e terrestre, a unidade de conservação federal atende a um dispositivo legal que determina que todas as usinas nucleares devem ser localizadas em área delimitadas como estações ecológicas.
Na região, funcionam as usinas de energia Angra 1 e 2, que começaram a operar em 1985 e 2001, respectivamente. Após a instalação da primeira usina de energia em Angra dos Reis, veio o decreto de 1990 delimitando áreas protegidas.
O professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) Claudio Belmonte explica que, por motivos de segurança, não devem ser permitidas ocupações nessas áreas.
"A estação foi uma forma de criar uma área de proteção no entorno da usina nuclear, evitando a ocupação e a construção de moradias. Em qualquer espaço de radiação, você precisa de uma certa área que não esteja ocupada, porque sempre existe risco de vazamento. A criação da estação também é uma forma de minimizar esse perigo para a comunidade."
Visando a segurança marinha na região da Baía de Ilha Grande, a pesquisadora do Instituto de Biologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Maria Teresa Menezes Széchy monitora a influência de um líquido oriundo do resfriamento dos condensadores da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto nas águas da região.
"Para se detectar e quantificar a influência deste fator, devem existir locais de controles na baía, que sirvam de comparação. Estes locais não devem sofrer influências de outros distúrbios, para não mascarar resultados nem provocar interpretações erradas", diz ela.
Presidente multado
Em 2012, Bolsonaro foi multado em R$ 10 mil após ser flagrado pescando na área protegida. Em dezembro, após ser eleito, conseguiu anular a multa --que nunca chegou a ser paga. Três meses depois, mandou exonerar o servidor do Ibama que fez o flagrante.
No início deste mês, Bolsonaro afirmou que pretende autorizar a prática de caça submarina na região de Angra dos Reis.
"Hoje em dia o que sobrou para mim foi a caça submarina. Pretendo implementá-la ali na região de Angra. Lá é uma estação ecológica demarcada por decreto presidencial. Estamos estudando nesse sentido, né, revogar isso aí e abrir aquela área para fazer um turismo, realmente, que o Brasil merece. A iniciativa privada vai investir ali naquela região, e quem sabe nós tenhamos uma Cancún aqui na baía de Angra brevemente", disse na época.
"A estação ecológica de Tamoios não preserva absolutamente nada e faz com que uma área rica, que pode trazer bilhões [de reais] por ano para o turismo, está parada por falta de uma visão mais objetiva, mais progressista disso daí", complementou.
Quem trabalha na região traduz as declarações de Bolsonaro como vingativas. É o caso do biólogo marinho João Vital, que trabalha atualmente como voluntário na Estação Ecológica de Tamoios.
"Ele mostra que não tem conhecimento de nada quando fala que a estação não produz. Eu vejo como uma guerra de caneta. Foi multado e agora quer se vingar. Eu digo isso ainda sendo eleitor do PSL, para mostrar que não é uma crítica política. É um fato. Ele quis pescar numa região proibida, foi multado e agora quer mudar tudo na região."
O professor Belmonte destaca que a discussão sobre a revogação do decreto deve ser feita no Congresso Nacional, mas vê a intenção como um equívoco. "Não vejo como retirar a proteção do local para promover turismo em uma área onde há operação de usina nuclear. Não vejo como isso pode se tornar realidade em curto prazo. A região sofre com sérios problemas de infraestruturas."
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