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Governo rebate dados do Inpe, mas não indica número real de desmatamento

Guilherme Mazieiro*

Do UOL, em Brasília

01/08/2019 16h26

O governo Jair Bolsonaro (PSL) organizou nesta tarde uma apresentação técnica para apresentar argumentos pelos quais considera incorretos os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais) sobre desmatamento, mas não mostrou o que considera ser a real situação da floresta Amazônica.

Há 15 dias, o presidente da República questiona o instituto, que divulgou aumento de 88% no desmatamento em junho, quando comparado a maio deste ano.

Em ao menos duas ocasiões no evento, jornalistas perguntaram explicitamente qual o valor o governo considerava correto para o desmatamento na Amazônia, mas não houve respostas diretas.

"Quanto foi o desmatamento de junho, quanto foi o percentual?", perguntou repórter da Folha ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que respondeu:

"O número da forma como foi apresentados e a análise como foi feita não está correta. Nós vamos deixar que o Prodes [outro sistema do Inep] cumpra o seu papel, que ele, sim, no momento adequado, já fechou a janela de análise, ele vai mensurar o desmatamento e vai divulgar. Fica claro, através do que apresentamos aqui, que temos um instrumento a mais de verificação desses números, e sempre que for necessário nós faremos uma rechecagem como essa a fim de fornecer mais dados para ter uma acurácia de informação maior".

Salles afirmou que dados de meses anteriores foram adicionados ao desmatamento de junho, que há áreas duplicadas e não foi considerada a parte recuperada da floresta.

Os números foram revisados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia - onde está alocado o Inpe - e pelo Ministério do Meio Ambiente. Os titulares das pastas se reuniram ontem para discutir as estatísticas.

"Os números foram espancados, com o objetivo, ao que me parece, de atingir o nome do Brasil e do governo", disse Bolsonaro, também presente à apresentação.

"Não queremos abafar, nem deixar de divulgar absolutamente nada. Mas no meu entendimento, não houve a responsabilidade necessária para divulgar um número como esse", afirmou Bolsonaro.

Em nota, O Inpe afirma que não teve "acesso prévio a essa análise" apresentada hoje e que pediu o estudo.

O instituto também diz que "reafirma sua confiança na qualidade dos dados produzidos pelo Deter [sistema que apontou aumento do desmatamento]". "Os alertas são produzidos seguindo metodologia amplamente divulgada e consistentemente aplicada desde 2004. É amplamente sabido que ela contribuiu para a redução do desmatamento na região amazônica, quando utilizada em conjunto com ações de fiscalização", diz a nota.

Bolsonaro fala que fama é 'péssima lá fora'

O ministro Salles disse que a contestação dos dados não prejudica a credibilidade do Inpe. E reclamou de reportagens "sensacionalistas" sobre os números.

"Nós entendemos que não. Não fragiliza a credibilidade do órgão. Ao contrário, são medidas para dar ainda mais condições de trabalho. Reconhecendo o importante papel que cumpre".

Durante a apresentação dos dados, Bolsonaro voltou a afirmar que a divulgação deste tipo de informação prejudica a imagem do Brasil no Exterior.

"A fama do Brasil e a minha é péssima lá fora. Tendo em vista os rótulos que foram colocados em mim. Isso, rótulos, tem que ser aos poucos, combatidos na forma da verdade. Esses números que foram apresentados [tiveram] completa irresponsabilidade", disse Bolsonaro.

Como funciona o monitoramento do Inpe

O Inpe desenvolveu, ao longo de mais de três décadas, alguns programas de monitoramento do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Vale ressaltar que a função do instituto é apenas mapear as áreas desmatadas - independentemente se a remoção da vegetação é legal ou ilegal - e não fiscalizar, função que fica a cargo do Ibama.

Prodes - O Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite começou a operar em 1988 e realiza um inventário a respeito da perda de floresta nativa na Amazônia. Com base nestes dados, o programa calcula o desmatamento anual no bioma, levando em consideração o período de agosto a julho (por conta das nuvens, depende da estação seca para ter maior exatidão). O Prodes considera somente o desmatamento em áreas de mais de 6,25 hectares e o resultado é divulgado anualmente no mês de dezembro.

Deter-B - Considerado o sistema mais avançado, foi criado em 2004 sob o nome de Deter-A como uma forma de apoio ao combate do desmatamento ilegal e da degradação da Amazônia e do Cerrado. Em 2015 o Inpe colocou em prática a nova versão do Deter, que produz diariamente alertas relativos à alteração na cobertura da floresta em áreas de, no mínimo, 1 hectare. Os alertas, mapeados a partir de imagens dos satélites CBERS-4 e Indian Remote Sensing Satellite (IRS), são enviados diretamente para o Ibama, e costumam ser um dos principais sustentáculos das operações de fiscalização e repressão do órgão.

TerraClass - Desenvolvido a partir de uma parceria do Inpe com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o sistema identifica a procedência (agricultura, pecuária, etc) das áreas desmatadas e registradas pelo Prodes. Também classifica somente áreas maiores que 6,25 hectares.

*Com reportagem de Alex Tajra, do UOL em São Paulo