Criticadas por Bolsonaro, Noruega e Alemanha reflorestam mais que desmatam
"A Noruega não é aquela que mata baleia lá em cima, no Polo Norte? [...] Não tem nada a oferecer para nós." Foi com essas palavras que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) reagiu ontem à decisão norueguesa de suspender R$ 134 milhões em repasses para o Fundo Amazônia. O mandatário também criticou a preservação das florestas na Alemanha, outro europeu que cortou o envio de recursos ao Brasil. Os dois países, porém, reflorestam mais do que desmatam.
Com um território 26 vezes menor do que o brasileiro, a Noruega tem 38% de seu território coberto por florestas, 122 mil km². Esse número significa 964 milhões de m³ (metros cúbicos) de árvores preservadas, medição adotada pelo governo para mensurar a retenção de carbono.
O governo norueguês replantou anualmente, desde 2014, em média, 25 milhões de m³, contra 10 milhões de m³ de cortes, o que garante um crescimento por de 15 milhões m³ de suas florestas.
Como o corte anual de madeira é de aproximadamente metade do que cresce a cada ano, essa diferença é suficiente para compensar aproximadamente 60% das emissões anuais do país em gases de efeito estufa.
O resultado já foi bem diferente. No século 19, o país era um dos principais fornecedores de madeira para o resto da Europa. Hoje, a Noruega tem três vezes mais floresta em pé do que há cem anos.
"Não conseguiremos atingir as nossas metas climáticas globais sem a Amazônia", afirmou hoje o ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen, ao jornal local DN. "O que o Brasil tem feito mostra que eles não estão preocupados em parar o desmatamento. Em julho, ele triplicou em relação ao ano passado."
Alemanha refloresta quase o dobro do que derruba
Bolsonaro também não poupou a Alemanha, que decidiu suspender um repasse de R$ 150 milhões ao Brasil para combater o desmatamento na Amazônia. "Eu queria até mandar um recado para a senhora querida Angela Merkel [...] Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, ok? Lá está precisando muito mais do que aqui", afirmou o presidente.
A Alemanha desmatou 58 mil hectares de florestas entre 2002 e 2012, de acordo com relatório de 2017 (o mais recente) do Ministério de Agricultura alemão. Neste mesmo período, porém, 108 mil hectares foram replantados, 86% mais.
A Alemanha possui atualmente 11,4 milhões de hectares de florestas, o que corresponde a cerca de 32% de seu território. Em 1990, eram 10,7 milhões de hectares de mata, alta de 6,5%.
Apesar das providências, o país polui muito com sua matriz energética, o carvão, a base de aproximadamente 30% da energia produzida no país. O governo alemão planeja acabar com esse tipo de energia até 2038, prazo "tardio" para os ambientalistas locais, que pressionam para que essa mudança ocorra antes desse prazo.
"Não se ajuda a floresta tropical com declarações de efeito para a mídia", cutucou uma porta-voz do Ministério de Cooperação Econômica e Desenvolvimento na segunda-feira à imprensa local. "Quem quiser preservar a excepcional função climática da floresta tropical tem que intensificar as medidas, e não encerrá-las."
Desmatamento aumenta 66% na Amazônia
As notícias são menos animadoras no Brasil. Hoje, o instituto de pesquisa Imazon publicou um relatório em que revela crescimento de 66% no desmatamento da Amazônia Legal em julho deste ano em comparação ao mesmo mês em 2018.
A organização não tem ligação com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais), cuja divulgação de dados sobre desmatamento culminou na exoneração do diretor do órgão, Ricardo Galvão.
A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, com 5 milhões de km², 60% deles no Brasil (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins). Ela ocupa 49% do território nacional, mas já teve 20% da área desmatada, equivalente a 1 milhão de km², ao longo da história.
"Estamos preocupados com o que os cientistas chamam de ponto de inflexão", diz o ministro Norueguês. "Se você cortar floresta depois de um determinado ponto, todo o resto poderia se autodestruir porque o sistema florestal é dependente da chuva que ele mesmo gera."
Em fevereiro do ano passado, um estudo divulgado na publicação especializada Science Advances indica que esse ponto não está tão distante. Ele será atingido se o desmatamento chegar a 40% da floresta. Nesse cenário, haveria longos períodos de seca nas regiões central, sul e leste da Amazônia, enquanto as regiões sul e leste poderiam ficar parecidas com savanas.
"Apesar de não sabermos o ponto de inflexão exato, estimamos que a Amazônia está muito próxima de atingir esse limite irreversível", escreveu Carlos Nobre, um dos autores da pesquisa e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas.
Se for zerado o desmatamento na Amazônia e o Brasil cumprir seu compromisso de reflorestamento, em 2030 as áreas totalmente desmatadas na Amazônia estariam em torno de 16% a 17%. Dessa forma, estaríamos no limite, mas ainda seguro, para que o desmatamento, por si só não faça com que o bioma atinja um ponto irreversível
Carlos Nobre, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas
Nobre estima que aproximadamente 150 mil km² de matas "estejam em recuperação", o equivalente a 15% do total desmatado. O maior dos projetos é tocado pela ONG Conservation International, que promete plantar 73 milhões de árvores em 70 mil hectares no Amazonas, Acre, Pará e Rondônia.
Em sua entrevista de hoje, o ministro norueguês deu um ultimato: "A menos que o Brasil volte com uma proposta de um novo conselho e um comitê técnico que a Noruega e a Alemanha possam aceitar, é impossível continuar a cooperação."
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