'Mercados de carbono': entre oportunidade e risco para o clima
Os signatários do Acordo de Paris aprovaram, há um ano, as regras de aplicação do pacto climático de 2015, exceto em um tema sensível: os "mercados de carbono".
A concepção dos novos mecanismos internacionais será o centro das negociações complexas na reunião do clima da ONU (COP25), em Madri, em dezembro, com uma questão principal: eles vão estimular a redução de emissões mundiais de gases do efeito estufa, ou, pelo contrário, incentivá-las?
Precificar o carbono
Segundo especialistas em clima da ONU, para limitar a alta do aquecimento de 1,5°C, deveria-se reduzir as emissões de CO2 em quase 50% até 2030, em relação a 2010.
Uma das ferramentas populares para contribuir com essa redução é dar um preço às emissões.
A tarifação do carbono avança a nível mundial, com a criação de "taxas de carbono" e de sistemas de comércio de cotas de emissões (ETS, Emission Trading Scheme). Segundo o Banco Mundial, essas iniciativas nacionais, ou regionais, que estão em vigor ou em fase de projeto, cobrem cerca de 20% das emissões mundiais de CO2.
O preço de uma tonelada de CO2 varia muito de um sistema para outro. Ela atinge US$ 32 no sistema europeu de comércio de emissões, mas US$ 17 na Califórnia, enquanto os impostos sobre o carbono variam de US$ 0,08 na Polônia a US$ 121 na Suécia.
De acordo com o 'think tank' I4CE, 75% das emissões reguladas por uma tarifação do carbono são cobertas por um preço menor que US$ 10, enquanto os economistas Nicholas Stern e Joseph Stiglitz recomendam limitar a temperatura a +2°C, US$ 40 a US$ 80 por tonelada em 2020 e US$ 50 a US$ 100 em 2030 em todo o mundo.
A nível internacional, desde 2006, um mecanismo criado pelo Protocolo de Kyoto ("mecanismo de desenvolvimento limpo", MDL) permite que um país desenvolvido compense suas emissões financiando projetos certificados que reduzem as emissões em um país em desenvolvimento.
Reduzir as emissões?
Diferentemente do Protocolo de Kyoto, que deixava apenas com os países desenvolvidos a missão de reduzir as emissões desses gases, o Acordo de Paris prevê que todos os signatários se engajem.
Os dois mecanismos de mercados de carbono previstos pelo artigo 6 refletem esta evolução. O primeiro é um mecanismo bilateral entre Estados. O segundo substitui o "mecanismo de desenvolvimento limpo" por meio do financiamento de projetos, mas sem restrições geográficas.
O princípio central é financiar a redução das emissões nos países onde é menos caro fazer isso.
Assim, graças a esses mecanismos do artigo 6, o custo das reduções de emissões podem cair a menos da metade até 2030, segundo a Associação Mundial de Mercados de Emissões (IETA) - que tem como integrantes grandes multinacionais, como BP e Total.
Mas, para passar de um sistema de mera compensação das emissões a um sistema de redução, seria necessário que os Estados decidissem reinvestir suas economias em ações adicionais de redução das emissões.
"No plano teórico, um país que deseje reduzir suas emissões em 100 toneladas, para o qual isso custaria 100 euros nele, financiaria um projeto equivalente a 10 euros em um país em desenvolvimento. Sobraria 90 euros para investir em continuar a reduzir as emissões, explica Gilles Dufrasne, da ONG Carbon Market Watch.
Ele duvida, contudo, que na prática isso se dê dessa forma, e acredita que os países vão preferir "usar o dinheiro de outra forma".
Além disso, "se esses mercados de carbono não forem bem concebidos, podem levar a um aumento das emissões mundiais", opina Lambert Schneider, pesquisador do Oeko-Institut, em Berlim.
Armadilhas
Vários pontos polêmicos, que ficam no caminho das negociações, correm o risco de comprometer o Acordo de Paris, segundo especialistas.
A proibição da "dupla contagem" é o primeiro: se uma tonelada de redução de CO2 for contada pelo comprador e pelo vendedor, os cortes serão maiores no papel do que na realidade. O Brasil é acusado de querer anular a proibição desta forma de contabilizar.
Também é debatido o lugar do futuro mecanismo global para compensar as emissões do transporte aéreo. Como o setor aéreo é excluído do Acordo de Paris, se uma empresa compra créditos de carbono de um Estado para compensar parte de suas emissões, esse Estado ainda pode incluir redução de emissões em sua contabilidade?
Outra questão são os créditos de carbono restantes do mecanismo de Kyoto, que alguns países como o Brasil gostariam de transferir para o novo sistema, segundo observadores.
Financiar o Sul
Kyoto previa que 2% do comércio no MDL fossem cobrados para financiar a adaptação às mudanças climáticas nos países do sul global. Isso permitiu que cerca de 200 milhões de euros fossem transferidos para o Fundo de Adaptação.
O Acordo de Paris também prevê que "uma parte" do comércio financie a adaptação do Sul. Os Estados insulares, particularmente vulneráveis, defendem 5%.
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