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BNDES vai apurar financiamento a frigoríficos que compram de desmatadores

Edifício sede do BNDES, no centro do Rio - Fernando Frazão/Agência Brasil
Edifício sede do BNDES, no centro do Rio Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

Naira Hofmeister, Fernanda Wenzel e Pedro Papini

19/10/2021 12h00

Após uma reportagem da Repórter Brasil mostrar que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) está financiando frigoríficos que abatem animais criados em fazendas desmatadas ilegalmente, o banco informou que vai apurar as irregularidades. A matéria revelou ainda que muitas das fazendas têm áreas embargadas pelo Ibama, sobrepostas a unidades de conservação ou terras indígenas e que utilizam mão de obra escrava em suas atividades

Uma norma interna, editada em 2009, veda empréstimos a empresas fabricantes de carne que tenham entre seus fornecedores fazendas com irregularidades socioambientais. Mas o dispositivo que determina que contratos sejam rompidos em caso de descumprimento não foi acionado nas situações encontradas pela reportagem.

"Diante dos fatos relatados na reportagem, o BNDES informa que está tomando providências para apurá-los junto às instituições financeiras responsáveis pelos contratos e ao Ministério Público Federal. Se comprovados, irá adotar as medidas contratuais previstas", revela a nota (a íntegra está no final deste texto). O banco informa que ainda no domingo (17), dia em que a reportagem foi ao ar — no site da Repórter Brasil e no UOL — "reuniu um grupo técnico interno para analisar os casos citados e procedimentos envolvidos em operações no segmento" pecuário.

Cruzando dados de financiamentos concedidos pelo BNDES a 25 pequenos frigoríficos que atuam na Amazônia, a Repórter Brasil descobriu que os contratos com seis frigoríficos seguiram seu curso normal mesmo depois de eles terem sido enquadrados pelo MPF por abateram 11.513 bois provenientes de fazendas embargadas pelo Ibama e 1.479 animais criados em propriedades que integram a "lista suja" do trabalho escravo no Brasil. Um total de 25.158 cabeças de gado vieram de áreas que não tinham sequer licença ambiental para operar, outra conduta vetada pela resolução 1854/2009.

Esses dados foram constatados pela procuradoria em auditorias dos Termos de Ajustamento de Conduta feitas nos anos de 2016 e 2017, e em uma investigação que deu origem a um inquérito. Os frigoríficos envolvidos são Masterboi, São Franscisco (Sampaio), Ribeiro Soares, Fortefrigo, Mercúrio (todos do Pará) e Carnes Boi Branco, empresa de Mato Grosso.

"O BNDES repudia veementemente qualquer prática que esteja em desacordo com a legislação em vigor, inclusive socioambiental", diz o banco, apor meio de nota.

Os contratos investigados pela reportagem foram feitos na modalidade indireta automática, em que bancos comerciais parceiros atuam como intermediários — no caso, Itaú, Banco do Brasil e Bradesco. "Há duas relações jurídicas distintas: uma celebrada entre o BNDES e a instituição financeira credenciada e outra pactuada entre esta instituição repassadora de recursos e a empresa tomadora do empréstimo", explica o banco. Isso quer dizer que os bancos parceiros também precisarão prestar contas.

Consultados antes da publicação da reportagem, Itaú e Banco do Brasil disseram que não comentariam os casos específicos encontrados pela investigação da Repórter Brasil e listaram uma série de procedimentos prévios à assinatura dos contratos para checar a conformidade socioambiental — os controles, entretanto, parecem não ter funcionado pois vários contratos estão ativos ainda hoje. O Bradesco se negou a responder aos questionamentos da reportagem. A íntegra das respostas de todos os frigoríficos e bancos envolvidos na matéria está neste link.

Íntegra da manifestação do BNDES

"Diante dos fatos relatados na reportagem, o BNDES informa que está tomando providências para apurá-los junto às instituições financeiras responsáveis pelos contratos e ao Ministério Público Federal. Se comprovados, irá adotar as medidas contratuais previstas.

É importante reforçar que o BNDES repudia veementemente qualquer prática que esteja em desacordo com a legislação em vigor, inclusive socioambiental.

O Banco esclarece que as operações citadas na reportagem foram realizadas na modalidade indireta automática. Nelas, há duas relações jurídicas distintas: uma celebrada entre o BNDES e a instituição financeira credenciada e outra pactuada entre esta instituição repassadora de recursos e a empresa tomadora do empréstimo.

Registre-se ainda que não são elegíveis ao apoio financeiro do BNDES proponentes que tenham, contra si e seus dirigentes, decisão administrativa final sancionadora exarada por autoridade ou órgão competente, em razão da prática de atos que importem em discriminação de raça ou de gênero, trabalho infantil e trabalho escravo, e/ou sentença condenatória transitada em julgado, proferida em decorrência dos referidos atos, ou ainda, de outros que caracterizem assédio moral ou sexual, ou que importem em crime contra o meio ambiente.

Também não podem ser tomadoras pessoas que descumpram embargo de atividade decretado pelo Ibama no Bioma Amazônia.

O BNDES também informa que, diante da elevada prioridade que confere às questões ambiental e social já reuniu grupo técnico interno para analisar os casos citados e procedimentos envolvidos em operações no segmento.

O BNDES permanece à disposição de todas as autoridades ou instituições financeiras contratantes das operações para prestar esclarecimentos sobre sua atuação e cooperar na adoção de novas medidas que inibam mais quaisquer práticas ilegais."

Cronologia BNDES - Arte/ UOL - Arte/ UOL
Imagem: Arte/ UOL