Cúpula do Clima: entidades pressionam por compromissos do Brasil em troca de recursos dos EUA
As negociações que acontecem há cerca de um mês entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos sobre o tema ambiental, incluindo a preservação da Amazônia, são vistas com receio por organizações ligadas à questão. A uma semana da Cúpula dos Líderes do Clima, encontro virtual convocado pelo presidente Joe Biden, as entidades temem que Jair Bolsonaro (sem partido) receba financiamento externo sem oferecer garantias consistentes de que reforçará a proteção do meio ambiente no Brasil.
As entidades se preocupam com a ausência da sociedade civil na mesa de negociações. Nos últimos dias, foram enviadas cartas e mensagens direcionadas a Biden, que repercutiram nas redes sociais. O objetivo é evitar que um cheque em branco seja entregue a um governo que, até agora, apenas enfraqueceu os mecanismos de fiscalização ambiental que possibilitam a conservação das florestas brasileiras e os compromissos do país no Acordo de Paris.
Um vídeo da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), compartilhado por famosos dentro e fora do Brasil, exorta o presidente americano a não confiar em Bolsonaro e diz que é preciso escolher entre o mandatário brasileiro ou a Amazônia. "Você não pode ter os dois", diz.
No dia seguinte, uma delegação de indígenas e da Funai foi recebida pelo embaixador americano em Brasília, Todd Chapman.
"Ele se mostrou muito solícito. Reconheceu a importância dos povos indígenas na preservação e conservação, se demonstrou preocupado com a paralisação das demarcações de terras indígenas. Foi positivo porque não existia nenhum tipo de canal com o governo americano", relata Dinaman Tuxá, coordenador-executivo da APIB. "Agora, nós temos a possibilidade de estreitar essa relação e passar, de forma real, o que acontece dentro das terras indígenas em termos de avanço da mineração, extratividade da madeira e do agronegócio", observa.
Salles e os frangos assados
Fontes indicaram à imprensa que, em uma das reuniões com John Kerry, enviado especial do governo americano para o clima, o ministro brasileiro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a utilizar uma alegoria inusitada para representar o quanto o governo está ávido pelos recursos internacionais. O ministro comparou o Brasil a um cachorro cobiçando frangos assados, que representavam, segundo ele, os bilhões de dólares que podem vir a ser disponibilizados em troca da queda do desmatamento.
Dinaman Tuxá ressalta que, apesar das boas intenções alegadas pelo governo americano, os indígenas temem que interesses comerciais e econômicos prevaleçam em uma eventual parceria bilateral.
"Os Estados Unidos são um país muito capitalista, que visa muito o lucro, a exploração, e a humanidade acompanha isso historicamente. A sua postura não mudou nestes termos", afirma. "O que há é uma mudança de postura na preocupação com o meio ambiente. Acreditamos que essa mudança para proteger, conservar, buscar a sustentabilidade é por onde podemos explorar", espera.
A pauta ambiental está no foco do governo Biden e, antes mesmo da sua eleição, gerou atritos com Bolsonaro. É por isso que organizações como a Coalizão Brasil Clima, Floresta e Agricultura, que reúne pesquisadores, empresas e setores do agronegócio sustentável, acreditam que as negociações são uma chance de forçar Brasília a avançar na pauta climática.
"É um novo contexto, com a covid, em que a gente precisa estimular a economia, gerar emprego e renda. A economia agroflorestal é uma grande oportunidade para atrair investimentos. Estamos vendo que os investidores dos países que estão convencidos da agenda climática estão preocupados com a capacidade do Brasil de entregar a mitigação e adaptação climática", explica Rachel Biderman, vice-presidente da Conservação Internacional no Brasil e membro da coalizão. "Coloca-se agora, no caminho para a Conferência do Clima da Glasgow, no fim do ano, uma janela de oportunidades para o Brasil rever a sua ambição e ser mais condizente com o que o momento atual está demandando da gente", sublinha.
Pressão empresarial
Rachel lembra que o país é um player de primeiro plano nessas questões e já demonstrou ser capaz não apenas de cumprir metas ambientais ambiciosas, como de exercer um papel de liderança rumo a um mundo mais sustentável. "O Brasil já entregou resultados no passado. Tivemos muito sucesso na redução de emissões ligadas ao desmatamento e uso do solo, portanto é possível fazer isso. Nenhum governo vai colocar recursos aqui, dinheiro público dos pagadores de impostos dos seus países, se o Brasil não comprovar resultados", diz a especialista.
Ela destaca ainda que a pressão também vem das próprias empresas, em especial as exportadoras. A Coalizão Brasil tem mais de 280 integrantes, com cada vez mais interessados em participar. "A maior procura tem vindo do setor empresarial, que já entendeu que clima é um tema de competitividade e de sobrevivência no mercado internacional, principalmente. As empresas brasileiras que estão conosco estão realmente comprometidas. Não é uma questão de greenwashing: é uma questão de sobrevivência", reitera.
A Cúpula dos Líderes pelo Clima acontece em 22 e 23 de abril e contará com a participação dos chefes de Estado e de Governo dos 40 países mais poluidores do planeta. Nesta quinta-feira, as organizações ambientais promovem dois eventos pela Amazônia, reunindo especialistas, sociedade civil, parlamentares e artistas do Brasil e dos Estados Unidos. Os indígenas permanecem mobilizados por todo o mês de abril, por conta do Dia do Índio, celebrado no dia 19.
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