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Brasil "não quer bloquear nada" na Conferência de Glasgow, diz secretária do Ministério do Meio Ambiente

Secretária de Amazônia do Ministério do Meio Ambiente, Marta Giannichi - Reprodução/Youtube/Funai
Secretária de Amazônia do Ministério do Meio Ambiente, Marta Giannichi Imagem: Reprodução/Youtube/Funai

01/10/2021 07h07

Os representantes dos governos de cerca de 45 países se encontram em Milão para a última reunião preparatória antes da COP26, a Conferência do Clima de Glasgow. Até sábado (2), os ministros e secretários dos países debatem os temas considerados cruciais para o sucesso da cúpula. O evento acontece na sequência de um grande encontro de jovens sobre a crise climática.

Uma das representantes do Brasil na reunião ministerial é a secretária de Amazônia do MMA (Ministério do Meio Ambiente), Marta Giannichi, bióloga especialista em biodiversidade e conservação. Ela conversou por telefone com a RFI à margem das plenárias. Confira os principais trechos da entrevista.

O que você espera desta Pré-COP, em termos de enxugamento dos pontos mais espinhosos das negociações?

A gente está com uma postura bastante construtiva e proativa, para que não só a gente, como os demais países também, chegue com propostas concretas antes da COP de Glasgow. Essa é uma reunião ministerial, mas não espero que haverá negociações de texto. Acho que será mais jogar propostas na mesa para que a gente já tenha a sinalização dos países para saber para qual direção os itens que estão sendo discutidos aqui vão ter.

Você mencionou uma postura "construtiva", que vai de encontro ao que vimos na COP de Madri, a última, em que o Brasil acabou se colocando entre um dos que mais bloqueou um avanço nas negociações sobre o Artigo 6, referente ao estabelecimento de um mercado global de créditos de carbono. O Brasil seguirá firme neste propósito, de questionar a metodologia de cálculo? Podemos ter uma repetição da COP de Madri em Glasgow?

Não, não, não. Na verdade, essa ideia de que o Brasil bloqueou as negociações não é verdade. Mas, pensando no presente, o que a gente já fez como país foi abrir mão de diversos posicionamentos históricos do Brasil em prol de um consenso, no Artigo 6, principalmente. Temos apresentado essa flexibilização de vários pontos, e agora o que pode se esperar do Brasil é identificar os pontos de consenso para que o acordo seja fechado. A nossa ideia é sair com algo concreto da COP de Glasgow e jamais bloquear nada.

Nas reuniões técnicas, estamos sempre apresentando propostas concretas e outros países não estão tendo a mesma postura. Estão sinalizando "isso é uma red flag", mas sem apresentar uma contraproposta. A verdade é que não é simples colocar 194 países na mesma sala e falar: "vamos sair com um acordo". A gente sabe que é muito complexo, ainda mais países com realidades tão diferentes.

Sabemos também que o Brasil chega na conferência com uma imagem bastante abalada nesta questão ambiental. Foram diversos recordes de desmatamento, incêndios no Pantanal, projetos de lei que atingem os direitos dos indígenas, uma série de notícias do Brasil que repercutiram mal fora. Há a intenção, agora, de tentar reverter essa imagem e é possível fazer isso enquanto Jair Bolsonaro estiver no poder?

A gente tem números agora que estão indicando que estamos no caminho certo em relação ao nosso tema, que é o grande desafio, o desmatamento. Quando olhamos e comparamos os dados do Deter [Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] deste ano e do ano passado, notamos que houve uma redução de 5% no número de alertas em relação ao mesmo período do ano anterior. Isso já é uma reversão. A gente já pode falar que teve uma reversão da alta.

Nesse momento, temos que esperar os dados do Prodes [Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite, também ligado ao Inpe e que publica os dados anuais] para ver qual será o número que vamos ter. Mas, com todas as ações de combate ao desmatamento que o Ministério do Meio Ambiente tem feito em parceria com o Ministério da Justiça, com Polícia Federal, Força Nacional, Ibama e ICMBio, vemos números um pouco mais otimistas - principalmente agosto desse ano, comparado com agosto do ano anterior, com redução de 30% do número de alertas, conforme o Deter.

A saída do ministro Ricardo Salles facilitou, nesse sentido?

Olha, desde 2019 a gente tem uma comissão de combate ao desmatamento, que envolve não só o Ministério do Meio Ambiente, mas outros ministérios da Esplanada, afinal desmatamento é um tema transversal. Isso foi um decreto presidencial de 2019 e temos atuado nessa comissão, que tem um plano operativo, metas, resultados, indicadores de ações diretas ou indiretas que contribuem para a redução do desmatamento.

O que agora a gente tem observado é uma parceria que está funcionando bastante bem com o Ministério da Justiça, que está entrando bastante forte com a Força Nacional. Houve um aumento do efetivo no chão, para combate ao desmatamento.

Mas a melhora é bem recente. Começou a ficar um pouco melhor de dois meses para cá.

É, quando olhamos na comparação do mês. Exatamente. A gente vem de uma tendência de alta desde 2017. Reverter uma tendência de alta não é simples, mas tem-se atuado. O ministro Joaquim Leite é bastante técnico, e quando ele assumiu, ele fala nas entrevistas, ele recebeu um comando claro do presidente Jair Bolsonaro: atue no desmatamento.

Sobre o encontro de jovens em Milão, cerca de 400 jovens do mundo estavam reunidos, a ativista Greta Thumberg roubou as manchetes falando do blá blá blá dos líderes e da ausência de ações efetivas dos países para limitar o aquecimento do planeta. Como você recebe essa crítica, feita para todos os países? Os governos estão à altura da crise climática?

Eu acho que a Greta chama atenção é para a questão das emissões antropogênicas, que de fato causam as mudanças climáticas. 70% das emissões globais são da queima de combustíveis fósseis, de países desenvolvidos e altamente industrializados. Eu acho que o blá blá blá dela é a questão de não desviarmos o foco daquilo que realmente causa e que a gente precisa reduzir para manter o objetivo [de aumento máximo da temperatura global até 2100] de 1,5°C vivo.

As posições dos jovens, o encontro com eles, têm uma importância crescente nos processos de decisão da conferência?

Eu espero que sim, né? Afinal, eles que vão continuar. Para você ter adultos comprometidos com a questão climática, você precisa ter jovens que são engajados hoje. Uma coisa que me marcou bastante no discurso dos jovens foi o Ernest, a primeira pessoa a falar aqui, um jovem das Ilhas Fiji que falou assim: "conservation without finance is just conversation" [conservação sem financiamento é só conversa]. Isso é amais pura verdade.

Não adianta você cobrar dos países mega diversos, os países que têm florestas, para conservar e não viabilizar mecanismos de financiamento para que esses países conservem suas florestas. Com isso, I couldn't agree more [eu não poderia concordar mais].

Mas nesse sentido, a questão do financiamento para a preservação das florestas é uma das primordiais para o Brasil na COP26. A imagem degradada que o país ficou nos últimos anos na Europa, principalmente, mas agora com o Joe Biden também, desde o governo Bolsonaro, foi muito acentuada pelas questões ambientais, como você sabe. Isso coloca o Brasil numa posição de menos força para chegar na mesa e pedir dinheiro dos outros países, além de negociar pontos que sempre foram da agenda dos países em desenvolvimento?

Acho que no âmbito multilateral, todos os países têm forças iguais. É por isso que você coloca países como Antígua e Barbuda, Ilhas Fiji, para discutir os mesmos temas que China, Índia, Estados Unidos estão discutindo. O multilateralismo é esse: todos os países têm voz, todos pegam o microfone e fazem seus discursos.