Topo

Josmar Jozino

PCC: Líderes burlam segurança de presídio e assistem Narcos e Casa de Papel

Elenco da terceira parte de La Casa de Papel - Divulgação
Elenco da terceira parte de La Casa de Papel Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

07/07/2020 04h00

A "Casa de Papel" e "Narcos", séries exibidas pela Netflix, foram umas das atrações dos líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital), quando ainda estavam recolhidos na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau.

Os líderes da maior facção criminosa do país burlaram a segurança do presídio para assistir às produções internacionais de grande sucesso e também para ter acesso à contabilidade do crime e recados dos parceiros nas ruas.

Os presos do primeiro e segundo escalões da organização pagam até hoje de R$ 500 a R$ 1.500 para as "pontes", como são chamadas as mulheres contratadas para introduzir na P2 de Venceslau microchips e cartões de memórias capazes de armazenar horas e horas de vídeos, fotos e áudios.

Os equipamentos proibidos passaram a ser usados na P2 de Venceslau com mais intensidade a partir de 2017. Foi quando os velhos aparelhos de televisão instalados nas celas haviam sido substituídos pelos mais modernos, digitais, mas todos de 14 polegadas.

Os televisores são comprados pelos parentes dos presidiários. Os detentos inserem os equipamentos na entrada de cartão de memória e de microchip dos aparelhos. Com isso passam a desfrutar das séries de sucesso.

Um preso apontado como o número 2 no organograma do PCC era viciado nas séries da Netflix. Ele foi condenado por assaltos a aviões pagadores em vários estados do Brasil. É um dos maiores ladrões do país.

O detento assistiu à primeira temporada completa da "Casa de Papel", uma série espanhola criada pelo produtor e roteirista Alex Pina, na qual um grupo de ladrões se organiza para realizar um assalto cinematográfico na Casa da Moeda da Espanha, em Madri.

Em "Casa de Papel", o personagem principal é chamado de Professor, pois é ele o responsável pelo planejamento da ação. Professor também passou a ser o apelido de um detento, companheiro de cela do número 2 do PCC, que assistiu a série com ele no mesmo xadrez.

Os dois detentos, no entanto, comentaram com amigos e familiares que gostaram mais de "Narcos" —a série que conta a história do narcotráfico moderno liderado pelo colombiano Pablo Escolar, que comandava o Cartel de Medellín—, porque é bem real, baseada em fatos que aconteceram.

Essas "regalias" do número 2 do PCC e de outros integrantes da alta cúpula da facção criminosa terminaram em fevereiro de 2019, quando eles foram transferidos da P2 de Venceslau para presídios federais, onde não há acesso a rádio, televisão, jornais e revistas.

Na P2 de Venceslau, a segurança é driblada até hoje. Os presos que ficaram continuam assistindo as séries da Netflix, provedora de filmes destinados aos clientes que pagam por uma assinatura.

A alta cúpula do PCC foi removida praticamente um ano antes da estreia de outro grande sucesso na Netflix. Há quem diga que, para os presos que ficaram na P2 de Venceslau, a atração da vez é o "O Poço", dirigido pelo produtor espanhol Galder Gaztelu Urrutia.

O filme mostra um presídio vertical, de 200 andares. As refeições são servidas de cima para baixo. Os prisioneiros que estão nos andares superiores comem à vontade. Há fartura para eles. Mas aqueles que estão nos pavimentos inferiores lutam para não morrer de fome. Se alimentam de restos de comida, quando sobra.

Apenas um pequeno número de presos chegou a assistir ao filme porque a estreia no Brasil ocorreu simultaneamente à proibição das visitas em São Paulo por causa da covid-19, em meados de março. Dessa vez, afirmou uma fonte à reportagem, o cartão de memória com a gravação foi enviado por outros meios, e não por visitante.

Esse filme impressionou alguns presos considerados de alta periculosidade na P2 de Venceslau. A mulher de um deles disse que o marido nem dormiu direito depois de assistir as primeiras partes e teve até pesadelo.

Na P2 de Venceslau, os presos ainda têm acesso a essas séries porque muitos cartões de memória e microchips são de plástico e passavam, anteriormente à suspensão das visitas, sem dificuldade pelos detectores de metal.

No caso das "pontes" contratadas pelos presidiários, elas escondem os equipamentos na barra da calça, nos cabelos, na boca e até em órgãos genitais.

Há situações, no entanto, em que as "pontes" são flagradas pelo scanner corporal com objetos estranhos. Foi o que aconteceu com um detento de 43 anos no dia 2 de fevereiro deste ano.

Ela levava no órgão genital sete adaptadores de cartões de memória e dois microcartões. A mulher foi presa em flagrante e indiciada por colaboração com organização criminosa. A pena para esse tipo de crime varia de dois anos a seis anos de prisão.

Os cartões de memória apreendidos foram periciados pela Polícia Científica e continham mensagens de criminosos em liberdade para os presos da P2 de Venceslau, planilhas com informações sobre tráfico de drogas, contabilidade do crime e depósitos bancários.

No dia 3 de março de 2018, uma jovem de 27 anos também se deu mal e foi barrada quando passava pelo scanner corporal. Ela escondia na barra da calça dois cartões de memória (MicroSD), ambos com capacidade para 16 GB.

Nos cartões periciados tinham planilhas sobre movimentações do tráfico de drogas, informações sobre logísticas de entorpecentes e de armas de fogo e recados para os presos.

Havia também uma planilha com informações sobre uma ajuda no valor de R$ 3.290 para as casas de apoio criadas nas cidades de Catanduvas (PR); Campo Grande (MS); Mossoró (Rio Grande do Norte) e Porto Velho (RO), onde existem presídios federais.

Segundo o MPE (Ministério Público Estadual), as casas de apoio foram criadas para acolher familiares e amigos dos detentos recolhidos nas prisões federais.

Inspirados na "Casa de Papel", na qual os personagens têm apelidos de famosas cidades mundiais, como Tóquio, Rio, Nairóbi, Oslo, etc... para não serem identificados pela polícia, os presos também trocaram os nomes dos presídios federais por lugares conhecidos.

Nas planilhas apreendidas., os detentos chamam alguns dos presídios administrados pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional) de Londres, Barcelona e Berlim.

A jovem flagrada com os cartões de memória iria receber R$ 500,00, caso os equipamentos fossem introduzidos no presídio. Ela ficou sem o dinheiro e foi condenada em 29 de maio de 2018 a dois anos e meio em regime fechado.

Em janeiro deste ano, a 10ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça reduziu a pena dela para um ano e dois meses. A garota foi beneficiada com a progressão para o regime aberto.

Se os presos da P2 de Venceslau conseguem, por um lado, enganar funcionários e diretores do presídio considerado de segurança máxima, tendo acesso a filmes sobre prisões, assaltos cinematográficos e tráfico de drogas, por outro, há uma rigorosa censura em relação aos livros.

Segundo parentes de presos, livros que têm a palavra crime no título são proibidos na P2 de Venceslau. A censura barrou um clássico da literatura mundial: "Crime e Castigo".

Para a direção do presídio, a obra do escritor e jornalista russo Fiódor Dostoiévski faz apologia ao crime. O livro é censurado até hoje na P2 de Venceslau.

Em nota, a SAP afirmou que não reconhece a prática da utilização de cartões para os fins descritos e que nos últimos seis meses não houve apreensão de nenhum dos itens citados pela reportagem na P2 de Venceslau.

Em relação aos livros, a pasta diz que privilegia temáticas relacionadas à proteção da vida, da dignidade da pessoa humana, da cultura da não violência, ao respeito à diversidade social, à preservação do meio ambiente, empreendedorismo e formação profissional e que repulsa qualquer comportamento ou ato censurador.