Por que os presidenciáveis evitam falar sobre o PCC?

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

  • Juca Varella/Folhapress - 18.fev.2002

    Presos exibem emblemas do PCC durante rebelião no Cadeião de Pinheiros, em SP

    Presos exibem emblemas do PCC durante rebelião no Cadeião de Pinheiros, em SP

No país em que morrem em média 175 pessoas por dia de forma violenta, o tema da segurança pública se tornou uma das maiores preocupações da população e assunto da disputa eleitoral presidencial. Assassinatos, balas perdidas, epidemia de crack e percepção de poder paralelo de grupos criminosos organizados em muitas cidades alimentam o clima de medo entre os brasileiros.

Um dos panos de fundo deste cenário é o avanço de facções que protagonizam uma guerra pelo domínio do mercado de drogas e da massa carcerária do país. Maior dessas organizações criminosas, o PCC (Primeiro Comando da Capital, originado em presídios paulistas nos anos 1990 e hoje espalhado por todos os Estados) não tem sido abordado por candidatos à Presidência em debates e entrevistas.

Até aqui, os candidatos evitaram falar das facções mesmo quando perguntas a eles dirigidas se referiam à segurança pública. Não houve uma resposta direta ou proposta sobre como enfrentar uma organização do tamanho do PCC, um "exército" que supera 30 mil membros e marca presença até em países vizinhos, a exemplo do Paraguai.

O UOL procurou três especialistas em segurança pública para saber: como o tema tem sido abordado pelos candidatos? Eles têm apresentado planos (e disposição) para tocar o problema cada vez maior do PCC e da crise do sistema prisional brasileiro?

Os três entrevistados concordam que deveria haver prioridade no planejamento político. "Os candidatos não estão à altura [do tema]. Eles têm que estudar, pesquisar, ter bons assessores, para que o debate talvez se eleve, porque o debate está muito fraquinho nessa área", afirma a antropóloga Alba Zaluar, pesquisadora de violência doméstica, policial, urbana, vinculada ao tráfico de drogas.

Além da falta de aprofundamento, os especialistas apontam também confusão entre temas: "Há uma mistura entre as discussões de segurança pública e de política penal, política penitenciária, como se elas fossem a mesma coisa", aponta Valdirene Daufemback, doutora em direito, coordenadora do Laboratório de Gestão de Políticas Penais da UnB (Universidade de Brasília) e ex-diretora do Depen (Departamento Penitenciário Nacional).

LEIA TAMBÉM

Professor da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas) e diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o sociólogo Renato Sérgio de Lima critica as propostas de soluções pontuais: "É muito mais simples falar que vai agravar pena, que vai acabar com as 'saidinhas', que vai prender e jogar fora a chave, que vai diminuir a maioridade penal do que, necessariamente, enfrentar o dilema que é a deficiência da política pública de segurança".

(A crise na segurança) é uma questão crucial, é o cerne do nosso problema

Alba Zaluar, antropóloga

João Wainer - 11.mar.2010/Folhapress
Carceragem de delegacia de Vila Velha (ES), em 2010

"O assunto mais mal resolvido entre as políticas públicas"

O sociólogo Renato Sérgio de Lima afirma que, embora tenha se tornado uma questão cada vez mais forte desde as eleições de 2010, a segurança pública é um tema "permeado de uma série de tabus, de visões de mundo diferentes". "E chega a 2018 como sendo o assunto mais mal resolvido entre as políticas públicas brasileiras que está posto no debate eleitoral", ele diz.

Em sua avaliação, faltou para o país e para seus dirigentes, desde a redemocratização (na década de 1980), "embalar" corretamente o problema.

"O Brasil resolveu muito mal o problema do seu sistema prisional porque não conseguiu ter eficiência para construir presídios e, ao mesmo tempo, optou por encarcerar [pessoas] em uma quantidade cada vez maior."

Agora, ele afirma, resolver o problema --ou apresentar soluções na campanha eleitoral-- é o mesmo que enfrentar um dilema.

"Para fazer isso, é necessária a coordenação de instituições onde os próprios candidatos não têm nenhum controle: Ministério Público, Judiciário, Polícia Federal, Banco Central. O candidato pode até sinalizar para esse caminho, mas é muito complexo avançar na construção de uma agenda porque ele tem que integrar esses esforços."

"É muito mais simples falar que vai prender, que vai para cima do tráfico. A razão é óbvia, as soluções também são óbvias, mas a forma de colocá-las em prática é um dos grandes nós do problema da segurança, que é o problema da coordenação de todas essas organizações."

Muitas vezes os candidatos fogem [do assunto] porque não podem assumir as responsabilidades que não lhe cabem

Renato Sérgio de Lima, sociólogo

Beto Macário/UOL
Presos ocupam telhados da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, na região metropolitana de Natal (RN), em janeiro de 2017

"Assunto que não dá voto"

Na opinião da pesquisadora Alba Zaluar, "é um assunto que não dá voto, porque preso não vota".

"Por que eles [candidatos] levantariam questões a respeito do péssimo tratamento dentro do sistema [prisional]? Não têm tanto interesse assim. Isso seria uma forma indireta de se apresentarem como defensores dos direitos humanos", afirma.

Para Zaluar, a maior preocupação de quem vota é em relação aos riscos que está correndo por causa da violência. "É por isso que aqueles [candidatos] que apresentam soluções drásticas e extremamente despóticas, eu diria, fazem tanto sucesso, porque estão falando para o eleitor que tem medo e que se sente uma vítima desses possíveis criminosos [nos presídios]."

Também na análise de Valdirene Daufemback o eleitor pode estar entre as razões para que os temas sejam evitados pelos candidatos. "Mesmo que especialistas contribuam nos planos de governo, tenham clareza sobre a distinção entre as duas áreas, a da segurança pública e a da política penitenciária, não é fácil comunicar isso para a população, que não está receptiva", ela diz. "Tem uma sensação [do eleitor] de que o sofrimento [do preso], para além inclusive da pena, seja de fato necessário."

Ela sugere, para vencer a resistência do eleitor, que os candidatos abordem a questão pelo prejuízo que o sistema prisional, como está, impõe ao cidadão. A pesquisadora dá como exemplo o caso de alguém que furta um bem com valor de R$ 80 a R$ 100. "Um só dia dessa pessoa dentro de uma prisão já custa isso."

O Estado, que é mantido pela população, acaba pagando muito mais caro [para manter o preso] do que ressarcir a vítima

Valdirene Daufemback, doutora em Direito

L.C. Leite/Folhapress
Pichação do PCC em casa de policial militar em São Paulo, em julho de 2006

Recorde de mortes violentas em 2017

No ano passado, o Brasil teve o maior número de mortes violentas intencionais desde 2013 (quando a contagem foi iniciada): 63.880 ou 175 pessoas por dia. São consideradas mortes violentas intencionais aquelas resultantes de homicídio doloso (com intenção de matar), lesão corporal seguida de morte, latrocínio (roubo seguido de morte), as causadas pela polícia e as mortes de policiais.

Há menos de um mês, o ministro Raul Jungmann, chefe da Segurança Pública, afirmou que o sistema prisional brasileiro terá uma população de 841.800 pessoas até o fim de 2018 e que o número chegará a 1,47 milhão de presos até 2025, colocando o país entre os que mais têm gente aprisionada no mundo.

Reportagem do UOL mostrou que, de acordo com telefonema interceptado pela Polícia Civil de São Paulo, a cúpula do PCC (facção criminosa que domina vários presídios e o tráfico de drogas e armas no país) considera as prisões brasileiras um ambiente propício para o recrutamento de novos integrantes. "O sistema prisional é máquina de fazer PCC", afirma Filipe Augusto Soares, conhecido como Assassino, durante um diálogo telefônico com um comparsa identificado como Canela.

"Todos os candidatos que estão trabalhando minimamente com base em algum dado de realidade, não surfando na demagogia, sabem muito bem que esse é o caminho para resolver: a questão para debelar o problema é seguir o dinheiro e asfixiar o crime organizado a partir daí", indica o sociólogo Renato Sérgio de Lima.

Getty Images

Do que o novo presidente precisará para resolver o problema?

Nenhum dos pesquisadores defende que a solução irá aparecer da noite para o dia, mas há condições em um mandato de quatro anos, eles afirmam, de lidar com a crise penitenciária e as organizações criminosas ligadas aos presídios e ao tráfico de drogas e de armas.

"Mudar essa política criminal significa integrar esforços, liderar mudanças, modernizar a legislação, mas dá para começar a fazer em 1º de janeiro, se a gente tiver energia e liderança política", diz o sociólogo Renato Sérgio de Lima.

O PCC é subproduto perverso da política criminal do Brasil. Enquanto a gente não mudar essa política criminal, a gente vai ter que conviver com PCC e demais facções  

Renato Sérgio de Lima, sociólogo

"Não há uma forma de eliminar radicalmente facções, isso é utópico e pensar nisso é inviabilizar boas estratégias", afirma Daufemback. "Isso não vai mudar de uma hora para outra, mas acontecerá na medida em que a gente não tiver mais tanta gente sendo empurrada pelo próprio Estado para essas organizações."

"As pessoas, de modo geral, temem que haja uma retaliação por parte dessas organizações. Com a exposição que há, no caso de candidatos e políticos, veja o caso da vereadora Marielle Franco, que começou a criticar e confrontar milícias e foi assassinada", avalia Zaluar. "Na Colômbia, isso já aconteceu porque incomodaram os cartéis de drogas. Mas não acredito que entre os candidatos à Presidência do Brasil hoje esse medo possa ser tão importante assim a ponto de calá-los."

Atualização:

Após a publicação deste texto, a coordenação de comunicação da campanha do candidato Ciro Gomes (PDT) entrou em contato com a reportagem e afirmou que o presidenciável citou o PCC em evento da Folha de S.Paulo em fevereiro e em entrevista à GloboNews em 1º de agosto: "Porque o comando do PCC está em São Paulo, porque as autoridades de São Paulo fizeram acordo. Esse é que é o escândalo. Manda transferir a cabeça, como vou fazer, do crime organizado de São Paulo e do Rio de Janeiro para um presídio federal em sala solitária e sem comunicação". 

E também no programa Roda Viva exibido em 28 de maio: "A polícia, hoje, sabe exatamente quem são os chefes da banda. Sabem tudo. Em São Paulo, por exemplo, as autoridades estabeleceram um entendimento com o PCC. Simples assim. Eu não posso provar, mas é flagrante que o PCC em São Paulo fez um acordo com as autoridades. Acordo de cessação de homicídios, por exemplo. Para poder fazer o tráfico de droga impunemente. Em São Paulo, subnotifica os homicídios. É porque a nossa imprensa é muito conivente, se você olhar nas estatísticas da segurança pública de São Paulo, a quantidade de pessoas assassinadas, que estão na categoria morte suspeita, vai passar de 100 mil."

Receba notícias do UOL. É grátis!

UOL Newsletter

Para começar e terminar o dia bem informado.

Quero Receber

Veja também

UOL Cursos Online

Todos os cursos