Por apoio a Marina, candidato a vice adia debate sobre drogas e aborto
Diego Toledo
Colaboração para o UOL, em São Paulo
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Leo Martins/Folhapress
Presidenciável em 2014, Eduardo Jorge (PV) agora é vice na chapa de Marina Silva (Rede)
Prestes a completar 69 anos de idade, o médico sanitarista e ex-deputado federal Eduardo Jorge (PV) se orgulha de manter um espírito jovem. Na convivência com os netos, costuma entrar na onda e brincar como criança. Mas, em meio a elogios à liberdade e à ousadia da juventude, o papel do garoto que não quer crescer ficou para as novas gerações.
"Quando meus netos vêm pra cá, minha nora recomenda a minha mulher: toma cuidado com o Eduardo. Elas acham que eu tenho a mesma idade deles", revela, em entrevista ao UOL. "Uma vez, estávamos lutando pela posse do navio, Capitão Gancho e Peter Pan, e eu acertei (o neto) com a minha espada de madeira. Imagina o drama. Mas o Peter Pan é ele."
Protagonista de memes quando disputou a corrida presidencial em 2014, Eduardo Jorge agora é coadjuvante: candidato a vice-presidente na chapa liderada por Marina Silva (Rede). O ex-deputado conta que se esforçou durante os últimos quatro anos para reaproximar os dois partidos ambientalistas e, por isso, não podia recusar o convite para viabilizar a aliança.
"Desde 2010, quando houve essa separação entre os dois partidos, eu nunca me confirmei com isso", afirma. "O programa da Marina é o mais compatível com o nosso, do Partido Verde. Reúne a orientação da sustentabilidade, de equilibrar uma economia vibrante com justiça social e um ambiente preservado para as futuras gerações."
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Apesar das muitas afinidades, o vice de Marina também reconhece que há divergências entre as duas forças políticas. Defensor histórico da descriminalização das drogas e de que o aborto seja encarado como um problema de saúde pública, Eduardo Jorge diz que, na campanha atual, vale a posição da Rede e de sua candidata a presidente.
Temos 95% de concordância entre PV e Rede. A posição do PV, e a minha, está preservada, mas a posição que está sendo votada é a da Marina, que, nesse ponto, tem diferença conosco."
Eduardo Jorge (PV), candidato a vice-presidente da República
Evangélica, Marina defende que a legislação sobre aborto e drogas só mude se a população assim decidir, por meio de um plebiscito.
"A questão do aborto é realmente muito difícil, porque as duas visões têm argumentos muito fortes", avalia o ex-deputado. "Sou a favor de diminuir a mortalidade materna, principalmente entre as mulheres pobres."
"Já a questão das drogas é mais fácil", acrescenta Eduardo Jorge. "A posição da descriminalização e da regulação pelo Estado é melhor do que ficar insistindo na tese da guerra, da polícia e do presídio, que só tem dado lucro aos traficantes e sofrimento às famílias. A posição da Marina é mais moderada e conservadora. Mas tenho esperanças que esse diálogo prospere a médio prazo."
Passado no PT e diálogo com conservadores e liberais
Nascido em Salvador (BA) e criado em João Pessoa (PB), Eduardo Jorge participou do movimento estudantil no final dos anos 1960 e chegou a ser preso durante a ditadura. Depois de formado médico, participou da fundação do PT e foi eleito deputado estadual pelo partido, em São Paulo, em 1982.
Quatro anos mais tarde, foi para Brasília como deputado federal -- cargo para o qual foi eleito para quatro mandatos seguidos. Nesse período, teve papel importante na Assembleia Constituinte, sendo um dos responsáveis pela elaboração da legislação que permitiu a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).
Como candidato a vice, Eduardo Jorge diz que sua experiência em saúde pública pode ser útil para a campanha de Marina. O seu papel, afirma, é contribuir de uma forma mais positiva do que fizeram outros vice-presidentes na história recente do país.
"Os vice-presidentes brasileiros ultimamente se esmeraram em fazer gol contra, ou ficar no banco pedindo para o técnico para entrar", ironiza. "A gente tem que ter uma postura de coerência programática, de sintonia programática."
Antes de romper com os caciques do PT e se mudar para o PV, em 2003, Eduardo Jorge também foi secretário municipal da Saúde de São Paulo nas gestões de Luiza Erundina e Marta Suplicy. Mais tarde, também atuaria como secretário do Meio Ambiente de José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (na época, do DEM), no período em que os dois foram prefeitos da capital paulista.
Para o ex-deputado, a capacidade de dialogar com diferentes forças políticas é uma das qualidades do "ambientalismo do século 21".
"Temos consciência e segurança das nossas ideias, e podemos ajudar tanto um governo liberal, conservador, como um governo socialista, ou social-democrata, a levar nossas ideias adiante", afirma.
"É esse diálogo que um partido ambientalista do século 21 tem que fazer. Discutir com o PT, com o PSDB, com os partidos conservadores e liberais", acrescenta.
Apoio a Aécio e ao impeachment de Dilma
Por conta de seu passado de militância no PT, Eduardo Jorge foi cobrado por seus eleitores mais antigos pelas posições políticas que assumiu nos últimos anos, incluindo o apoio a Aécio Neves (PSDB), no segundo turno das eleições de 2014, e ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016.
"Política são decisões a cada momento, e você tem que tomar decisões racionais", diz o vice de Marina, ao relembrar o voto no candidato tucano quatro anos atrás. "Foi uma opção racional. Os defeitos, os pecados do Aécio, existiam, mas não tanto como apareceram depois."
"Quanto à questão do impeachment, sinto muito, foi uma questão legal, cumpriu todos os ritos da Constituição", acrescenta. "Todos os direitos de defesa, foi tudo percorrido da forma constitucional."
De volta a 2018, Eduardo Jorge também procura demonstrar o que aprendeu em eleições passadas. Uma das lições foi passar a usar as redes sociais. No contato direto com os eleitores por meio da tecnologia, o desafio para o vice de Marina também é explicar as idas e vindas de sua trajetória política.
"Essa é a dificuldade do pessoal que conversa comigo pelo Facebook. Uns dizem: você é social-democrata, você é esquerdista. Outros dizem: não, você é liberal", diverte-se. "Sou um caso complexo, porque sou velho e vivi o século 20, sobrevivi no século 21 e vi muita coisa. Sou pela democracia, sou ambientalista e defendo valores que são sociais-democratas, por um lado, e liberais, por outro."
"Descobri que esses meios novos de comunicação, e forças produtivas, como dizia Marx, são extraordinários. Eles vão mudar realmente os rumos da democracia. E eu tento acompanhar", arremata, aos risos, o homem com quase quatro décadas de carreira política e um gosto por brincar de Peter Pan.