Crimes eleitorais 2.0: como funcionam as infrações nas eleições de 2018
Lucas Borges Teixeira
Colaboração para o UOL
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Fernando Bizerra Jr/Efe
Em 2018, além das ruas, os crimes eleitorais foram estendidos para o ambiente virtual
Ao ouvir falar em crime eleitoral, o que vem à sua cabeça? É comum que o ato seja associado em um primeiro momento à boca de urna, compra de votos e propaganda irregular, por exemplo. No entanto, de acordo com as regras que começaram a valer para as eleições deste ano, é possível que você esteja cometendo um crime eleitoral e nem saiba. O motivo? O uso das redes sociais.
Nestas eleições, além das infrações já conhecidas e divulgadas nos pleitos anteriores, uma nova lei insere regras que abrangem a internet e plataformas como Facebook, Twitter e Instagram, por exemplo.
Mas afinal, o que são crimes eleitorais e quais são eles? O que pode acontecer com quem os comete? O UOL ouviu especialistas na área e os tribunais competentes para esclarecer a questão e explicar como as redes sociais se tornaram parte fundamental deste debate.
Crimes eleitorais 2.0
A legislação foi criada em 1965 com o Código Eleitoral (Lei nº 4.737), que regulamenta os direitos políticos da população e organiza o processo das eleições. De lá para cá, com a redemocratização e modernização dos sistemas, novas leis acrescentaram regras e infrações, como a Lei das Eleições (nº 9.504/1997) e a Minirreforma Eleitoral (nº 13.165/2015).
"[As leis] são restrições de ordem eleitoral que buscam não viciar o processo, para que tudo ocorra da forma mais correta e tranquila possível", afirma o advogado eleitoral Alberto Rollo. "O objetivo é sempre proteger o eleitor de eventuais desvios e infrações."
Para as eleições gerais deste ano, a novidade é a Lei nº 13.488, de 2017, que altera as três leis anteriores com inserção de regras que abrangem a internet e as redes sociais. "As redes sociais se tornaram um dos pontos mais debatidos das eleições", afirma o especialista. "Por desinformação, o cidadão muitas vezes comete um crime eleitoral."
Sabe aquela selfie com o bottom do candidato, tão comum no dia da eleição? Pois é, esta postagem é proibida da meia-noite às 17h do domingo, sete de outubro, quando a votação se encerra. De acordo com a nova legislação, isso é uma espécie de boca de urna 2.0. Quem for denunciado por infringir a nova legislação pode pegar de seis meses a um ano de reclusão ou prestar serviços comunitários.
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O mesmo equívoco ocorre com impulsionar materiais de candidaturas. De acordo com a nova lei, só as campanhas estão liberadas para pagar por posts nas redes sociais (também só até o sábado), o eleitor ou entusiasta de um partido, não. A multa pode chegar a R$ 30 mil.
"Muitas vezes as pessoas cometem estas infrações por que não sabem, então acabam produzindo provas contra eles mesmos, mas não deixa de ser crime eleitoral", afirma Rollo.
A lei permite a "manifestação silenciosa" no dia da eleição, o que compreende o uso de adesivos nos carros e bottom durante a votação. Não é permitido pedir votos, fazer aglomerações de cunho partidário nas zonas eleitorais nem usar carros de som. As mesmas situações foram estendidas para o ambiente da internet. "Boca de urna é pedir voto, então você pode falar que adora tal candidato, mas não 'vote em fulano'", explica Rollo. "Se você já tinha publicado algo até o sábado, não precisa tirar, mas no dia não pode."
Candidato pode ser penalizado?
Como entram as candidaturas em meio a estas infrações? Um candidato pode ser punido pela ação de um eleitor, por exemplo? De acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), somente se for comprovada a responsabilidade de quem participa da corrida eleitoral.
Esta medida serve para qualquer um dos crimes cometidos pelo eleitor, seja boca de urna, compra de votos ou até propaganda eleitoral irregular em redes sociais. "Não é tão simples assim, mas, se provar que o candidato teve ligação direta com a ação, ele está sujeito à mesma pena", afirma Rollo.
As candidaturas também podem ser punidas por suas postagens nas redes sociais. Além de, como já foi dito, ser proibido o impulsionamento de posts no dia da eleição, as chapas também não podem pagar eleitores para fazerem comentários elogiosos em suas contas ou que criem perfis falsos ou robôs – os famosos bots – para aumentar os números de seguidores e interações. As penas podem chegar a R$ 30 mil de multa, além de levar a um processo criminal, dependendo do caso.
Segundo Rollo, no entanto, a pena não é a maior preocupação por parte dos políticos. Os candidatos condenados por infringirem a legislação eleitoral caem na Lei da Ficha Limpa, que torna inelegível o cidadão condenado por órgão colegiado. Ou seja, quem julga estes casos são o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e o TSE.
Como a pena de oito anos de inelegibilidade só começa a valer a partir da condenação, os candidatos eleitos podem assumir os respectivos cargos em 1º de janeiro de 2019, mas estariam impedidos para as candidaturas seguintes.
Alguns crimes, no entanto, preveem a cassação da candidatura, como é o caso da compra de votos. A Lei das Eleições proíbe o candidato de "doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição". A pena é uma multa de R$ 53.205, além da cassação do registro de candidatura e, caso eleito, do diploma que assegura o exercício do mandato.
Principais crimes eleitorais
Apesar do endurecimento da legislação e aumento de mecanismos por parte do poder público para coibir infrações, ainda há crimes eleitorais que continuam a ser cometidos em larga escala no Brasil. O TSE destaca duas áreas muito afetadas por exercícios danosos aos processos: a propaganda eleitoral e ações no dia da votação.
No primeiro caso, os crimes mais comuns são divulgação de fatos inverídicos, como as tão faladas fake news, com pena de dois meses a um ano de detenção ou pagamento de multa; impedimento do exercício da propaganda, com reclusão de até seis meses e multa; participação de pessoa não detentora de direitos políticos em atividades partidárias e em propaganda eleitoral, com pena prevista de até seis meses de detenção e multa, e pesquisas fraudulentas, que podem levar a uma reclusão de dois meses a um ano ou multa.
Já no dia da eleição, as práticas criminosas mais cometidas são a realização de propaganda eleitoral, com detenção de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa de R$ 5 mil a R$ 15 mil; violação do sigilo de voto, que prevê detenção de até dois anos; uso de violência para obter voto em determinado candidato, com pena de reclusão de até quatro anos e multa; compra de votos, que prevê detenção de até quatro anos e multa; detenção de eleitor, integrante de mesa receptora, fiscal, delegado de partido ou candidato fora das hipóteses legais permitidas, com reclusão de até quatro anos, e votação múltipla ou realizada em lugar de outro, que pode levar a até quatro anos de detenção.
"Infelizmente algumas práticas ainda são muito comuns porque as carências são muito grandes e elas se perpetuam", afirma Rollo. "Afinal, se as cidades tivessem saneamento, com água correndo, ninguém conseguiria comprar voto com um caminhão-pipa."
Como denunciar
Como qualquer tribunal, o TSE e os TREs só reagem mediante denúncia, ou seja, não há fiscalização ativa. Os órgãos estimulam os cidadãos a denunciarem casos de suspeita de crime eleitoral para que os responsáveis sejam investigados e condenados.
Atualmente, há uma série de dispositivos para isso. Os tradicionais são os cartórios eleitorais e o Ministério Público Federal, que atualmente aceita denúncias pela internet.
A Justiça Eleitoral tem um dispositivo digital para receber denúncias: o aplicativo Pardal, lançado nas eleições de 2016. Disponível para aparelhos com sistemas iOS e Android, a plataforma transforma os eleitores em fiscais eleitorais e as denúncias são enviadas diretamente aos juízes competentes. Lançada há um mês, a versão 2018 já recebeu mais de 10 mil notificações de usuários sobre possíveis infrações.
Neste ano, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) entrou na onda e lançou o "Contra o Caixa 2", um aplicativo que permite aos cidadãos denunciarem práticas ilegais por parte das campanhas.