General ligado a Bolsonaro fala em banir livros sem "a verdade" sobre 1964
Leandro Prazeres
Do UOL, em Brasília
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Arte/UOL
General faz parte de grupo que formula diretrizes para um eventual governo Bolsonaro
"Os livros de história que não tragam a verdade sobre 64 precisam ser eliminados". A declaração é do general da reserva Aléssio Ribeiro Souto, um dos militares de um grupo técnico que se reúne regularmente para auxiliar a equipe do candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) na formulação de propostas que podem vir a ser implementadas caso ele vença as eleições.
Formado na Aman (Academia das Agulhas Negras) e no IME (Instituto Militar de Engenharia), Ribeiro Souto comandou o CTEX (Centro Tecnológico do Exército) entre 2006 e 2009. Sua afinidade com o tema fez com que ele fosse destacado no grupo de Bolsonaro para contribuir com diretrizes básicas para políticas de educação, ciência e tecnologia.
Em aproximadamente duas horas de entrevista ao UOL, o general defendeu a revisão da grade curricular de alunos e professores brasileiros para eliminar o que classifica como "ideologização" na educação brasileira. Ao falar sobre episódios de agressão de alunos contra professores, ele disse que, se necessário, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) deveria ser extinto.
Se chegarmos à conclusão de que, com ele, é impossível (punir alunos que agridem professores), elimine-se o ECA e substitua-se por outra coisa mais viável."
O general também disse que os técnicos em torno de Bolsonaro estudam formas de inverter a matriz de investimento para priorizar a educação básica em relação ao ensino superior. Ribeiro Souto também falou sobre a autonomia das universidades federais. Para ele, o modelo de escolha dos reitores, baseado em uma eleição interna, precisa ser revisto.
"Da maneira como o processo está, ele acaba impondo que em determinadas universidades, numa parcela expressiva, toda a grande administração seja de uma determinada corrente partidária", disse.
Confira abaixo os principais trechos e temas da entrevista:
Valorização dos professores e extinção do ECA
UOL - A proposta mais conhecida de Jair Bolsonaro na área de educação é a criação de uma escola militar em cada estado do Brasil. O senhor acredita que só isso seja suficiente para solucionar o problema da educação no país ou há outras propostas sendo estudadas hoje?
Ribeiro Souto - Começamos com o ser humano: valorização dos professores, motivação dos alunos, avaliação e cuidado com a formação dos professores, especialmente do ensino básico, já que nós temos na ordem de 2,5 milhões professores do ensino básico. É um número gigantesco para 46 milhões de alunos e para 184 mil escolas estaduais e municipais. Vamos cuidar, primeiro, do aperfeiçoamento desses professores de forma continuada e recorrente. Cuidar da formação daqueles que ingressarão no magistério é algo que consideramos fundamental.
Mas o que significa valorizar o professor de maneira prática? Passa por aumentar o piso salarial básico da categoria?
Nós pensamos que a criança deve ser levada a reverenciar os seus pais, em primeiro lugar. Fora os pais, as pessoas que devem ser reverenciadas são os professores. Há uma série de pontos que tratam da valorização dos professores. O quinto ou o sexto é a questão salarial. A questão salarial tem que ser muito bem equacionada. Há outras questões essenciais que vêm até antes do salário.
Como o seu grupo pretende transformar em política pública a reverência ao professor? Como tirar isso do plano do discurso e fazer funcionar dentro da sala de aula?
As crianças têm que ter consciência de que o professor tem que ser respeitado. Deve haver providências para que todo ato que consista em desrespeito à figura do professor seja reprimido dentro dos processos democráticos e dentro dos processos legais.
É absolutamente inaceitável que um professor seja agredido por palavras ou por atos físicos dentro da sala de aula. A primeira medida de valorização do professor e de se impedir que haja violência contra ele dentro da sala de aula é o exemplo dos governantes.
Segunda medida: não-aceitação de qualquer tipo de violência. Não considero a menor hipótese de aceitar agressão. Para isso, é preciso que os sistemas policiais e de Justiça estejam funcionando de maneira adequada.
A legislação já reprime esse tipo de ato. O que o senhor pensa em fazer concretamente?
Se necessário, é preciso que se chame a polícia para agir. Quem agrediu o professor tem que imediatamente ser retirado de sala de aula e ser submetido às normas do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e às normais legais cabíveis. Se for adulto, é preciso ser punido no âmbito de um processo legal. Se for menor, atualmente, tem que se buscar o ECA.
Mas aí você vai dizer: "Ah!. Mas o ECA não funciona". Então, você está pedindo medida concreta. Mudar o que tenha que ser mudado no âmbito da legislação para que a repressão seja eficaz.
O senhor defende uma mudança no ECA?
Defendo a mudança que for necessária. Isso é fora de dúvida. Você admitir que o ECA proteja bandido... quem agride o professor é bandido. Se for para proteger bandido, eu sou contra o ECA. E a equipe é unânime em asseverar que, se você tem uma legislação que proteja bandido, é preciso eliminar essa legislação.
A sua equipe é unânime em defender a alteração ou a eliminação do ECA?
É preciso estudar as duas coisas. Não sou jurista, não sou especialista na área de Justiça, mas, se não é possível fazer com que o ECA proteja o professor da agressão dos alunos, se chegarmos à conclusão de que, com ele, é impossível, elimine-se o ECA e substitua-se por outra coisa mais viável.
Mudar formação de professores para evitar "doutrinação"
Uma das principais críticas de apoiadores de Bolsonaro é o que eles chamam de ideologização do ensino. Há uma crítica de que professores estariam doutrinando seus alunos em direção a uma determinada ideologia política. O senhor defende uma mudança na formação dos professores?
Com toda certeza. Os currículos têm que ser revistos. A base ideológica que prevalece na formação dos professores precisa ser alterada. O ideário de (Antonio) Gramsci (pensador italiano) tem que ser eliminado na formação dos professores. Minhas filhas estudam num dos melhores colégios de Brasília e um professor disse, em sala de aula, que a Coreia do Norte não é aquilo dito pela imprensa. Que aquilo é algo totalmente diferente.
Um professor que fala isso é produto de uma mentalidade, desculpe, distorcida completamente. A escola não é para ensinar ideologia, não é para ensinar religião, não é pra ensinar a forma de se comportar sexualmente. Isso é um papel fundamental da família. Pode ser tratado na escola? Pode. Mas não da forma como nós sabemos que está sendo tratado agora.
O senhor acredita que há ideologização na formação dos professores? O senhor defende mudança no currículo dos professores?
Toda a base curricular e todo o processo de formação de professores precisam ser revistos para tornar o professor alguém qualificado para formar crianças, jovens nos seus respectivos estágios da vida.
Mas o que o senhor pretende fazer para acabar com o que o senhor classifica como ideologização do ensino?
Alterar os currículos naquilo que for necessário. Dizer que a Coreia do Norte é um país ótimo e democrático, e que é a imprensa que está fazendo uma imagem ruim do país, é uma informação absurda. Desculpe, o professor que diz isso é um irresponsável, ideologizado, e o professor que disse isso é de uma ideologização doentia.
Banir livros de história que não tragam "verdade" sobre 1964
A maior parte dos livros didáticos de história trata o 31 de março como um golpe. Se Bolsonaro vencer, o MEC comandado por ele terá a possibilidade de escolher um conjunto de livros, em detrimento de outros. O senhor defende uma mudança nesse conteúdo em relação a 1964?
A base da democracia é a liberdade, a verdade, a coragem e a ética. Qualquer livro de história tem que falar que os militares pegaram o Brasil na 42ª economia do mundo e trouxeram para o patamar de oitava. Que a produção petrolífera saiu de 70 mil barris para 800 mil barris.
Tem que falar que essa quantidade de órgãos que até hoje está atuando no Brasil, na grande gestão, foram criados no regime militar. Quando se fala em FGTS, de educação de analfabetos... isso tem que estar no livro de história. E, se o historiador não relata isso, desculpe, ele não está pegando a base fundamental da democracia. Quem declara que 1964 foi um golpe é o mesmo que declara que a Dilma (Rousseff) foi vítima de um golpe.
Mas o impeachment da ex-presidente Dilma provavelmente ainda não entrou nos livros de história. Questiono especificamente em relação a 1964, porque 1964 já entrou nos livros de história. Minha dúvida é: o senhor defende uma mudança no conteúdo dos livros de história em relação a 64?
Os livros de história que não trazem a verdade têm que ser eliminados das escolas brasileiras.
Minha pergunta específica é: os livros de história que tratam 1964 como um golpe precisam ser eliminados?
Não disse isso. Os livros de história que não tratam o regime de 64 no contexto da verdade têm que ser eliminados das escolas.
O que o senhor defende em relação aos livros de história que tratam 1964 como um golpe?
Se não trouxerem a verdade completa... Essa é uma opinião pessoal do historiador. Ele trata como golpe um presidente que foi eleito pelo Congresso Nacional, com os votos daqueles que se colocaram na oposição.
Para a enorme maioria da comunidade acadêmica, para a comunidade internacional, o que ocorreu em 1964 foi um golpe. Não se trata da opinião de um historiador em particular. Por isso é tão importante esse questionamento. Na sua avaliação, os livros de história que tratam 64 como um golpe deveriam ser eliminados?
Os livros que não trazem a verdade sobre o regime de 1964 têm que ser eliminados.
Investimento em Ciência e Tecnologia é meta de longo prazo
Com relação a ciência e tecnologia, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) perdeu R$ 1 bilhão em recursos desde 2015. Recentemente, ela ficou quase sem recursos para as bolsas. Qual será a política de um eventual governo Bolsonaro em relação à Capes?
Não respondo pelo Bolsonaro, mas pelo nosso trabalho técnico. É preciso que haja gestão adequada. Quanto à queda dos recursos para a Capes, não tenho esses dados. Mas, se você pegar 10% do que foi jogado fora na corrupção da Petrobras, 10% apenas, essa recuperação resolve o problema da cifra que você acabou de falar.
O Brasil investe, em média, 1% do PIB em ciência e tecnologia. Vocês estudam ampliar esse valor?
O Brasil investe 1% do PIB e há países que investem 0,5% com mais efetividade que o nosso país. Há alguma coisa incorreta nisso aí. Somente com utilização adequada do 1% que investimos em ciência e tecnologia, temos o potencial de dobrar a nossa produtividade científico-tecnológica.
Evidentemente que se você pegar os países que determinam o rumo da ciência e tecnologia estão na faixa de 4% do PIB. Você passar de 1% para 4% seria o ideal. É possível? Em quanto tempo? Só no longo prazo. Não é coisa que se consiga fazer no curto prazo.
Vocês estudam a fusão do Ministério da Educação com Ciência e Tecnologia e Cultura?
Há uma tendência de, no que diz respeito à equipe, propor um Ministério da Educação, Cultura e Esporte e um Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações.
Cultura e esportes virariam secretarias?
Seriam um módulo organizacional do Ministério da Educação. Se vai chamar secretaria ou não, não importa. O que importa é o fomento da cultura. É a cultura acessível à massa de brasileiros que normalmente não tem acesso.
Escola não pode ser do PT e nem do PSL, diz general
Um dos projetos que está tramitando no Congresso é o que ficou conhecido como Escola Sem Partido. Em um eventual governo Jair Bolsonaro, vocês darão novo impulso a esse projeto?
Não entro no mérito da questão política de um eventual governo, se vencedor. Mas é inaceitável que a escola seja do PT, quando o PT está no poder, ou que seja do PSL, quando o PSL ganhar a eleição.
E como equacionar isso?
Não existe partido dentro da escola. Ponto final. Acabou. Esta é a minha visão pessoal. Essa também é a visão esposada pela equipe e isso será levado à equipe de transição.
Que medidas práticas vocês estudam para, segundo vocês, despartidarizar as escolas?
Professor de matemática tem que dar aula de matemática. Professor de português tem que dar aula de português. Professor de geografia tem que dar aula de geografia. Bolsonaro, como pessoa, não admite corrupção, e será um exemplo para todos os professores. E o professor, pelo seu exemplo, tem que chegar em sala de aula para cumprir o que determina a escola. E não tem que ir lá defender o PT, quando está no poder, e nem o PSL, quando o PSL estiver no poder. Simplinho (sic).
No âmbito do Executivo, vocês pretendem implementar algum tipo de avaliação para saber se o professor está dando aula de forma ideologizada ou não?
Não respondo pelo governo.
Vocês pretendem fazer uma avaliação da grade curricular e aquilo que perceberem como ideologia será eliminado?
Com absoluta certeza, é uma proposta nossa [do grupo] e que não representa a campanha. Não posso falar em nome da campanha política, mas essa é a nossa proposta.
Foco no ensino básico, fundamental e médio
Uma das principais críticas de especialistas em educação é a de que o governo federal priorizou, nos últimos anos, o ensino superior e dedicou pouca atenção ao ensino básico, fundamental e médio. Como vocês pretendem mudar isso?
Isso aí nós tratamos com ênfase. Há uma inversão da matriz. O dado de 2015 é de 67% dos investimentos para o ensino superior e 33% para o básico. Tudo indica que, em 2018, estaremos empregando 70% para educação superior e 30% para o ensino básico.
Vocês pretendem alterar esse percentual?
Como alterar, se 70% dos recursos empregados é pagamento de pessoal? Para fazer isso, imediatamente, como vai fazer? Mandando embora metade dos funcionários e professores do ensino superior? Não é assim que se faz. É um problema de uma complexidade tal, que é aquele cuja solução começa no médio prazo. É um problema de longo prazo. Não é problema a ser atacado [no curto prazo]. Alterar essa matriz só é possível no médio e longo prazo. Estamos desafiando as melhores cabeças no setor da educação e não conseguimos chegar a um possível início de solução.
A PEC do teto de gastos está "amarrando" vocês?
A princípio, não. Por enquanto, estamos trabalhando com ideias básicas. Acho que a inversão da matriz é de médio e muito longo prazos e que um governo, em quatro anos, seja ele quem for, só conseguirá iniciar um processo. Não consegue resolver isso, não. Teria que mover coisas de pernas para o ar e, mesmo em um governo bem-intencionado, que não aceite corrupção, isso é extremamente complexo.
Grupo estuda novas formas de escolha de reitores
Atualmente, as universidades públicas têm autonomia para escolher seus reitores. Vocês pretendem alterar esse mecanismo?
A primeira coisa que procuramos ver em relação à escolha e designação do reitor é: em qual país do mundo é feito da mesma forma que no Brasil? Ainda não descobrimos nenhum país que escolhe e designa o reitor da universidade da maneira como o Brasil. Eu vou fazer uma afirmação que pode causar a polêmica que causar, porque é minha, pessoal. Você não pode ter um processo democrático que resulte em gestores de uma atividade fundamental que só sejam, majoritariamente, integrantes de uma corrente do pensamento político e ideológico.
Mas, em tese, qualquer professor pode ser candidato ao cargo de reitor.
Da maneira como o processo brasileiro está, ele acaba impondo que, em determinadas universidades, numa parcela expressiva, toda a grande administração delas seja de uma determinada corrente partidária. É o exemplo do Rio de Janeiro, onde o PSOL majoritariamente domina a grande gestão das universidades. A pergunta que eu faço, e eu espero que não coloque isso no âmbito da campanha do Bolsonaro... Se escrever, tem que escrever que é a minha posição. Eu não considero democrático que a escolha de um processo de reitores possa recair sempre em uma parcela do espectro político-ideológico. Eu acho que isso não atende aos fundamentos da democracia.
Do ponto de vista prático: o seu grupo estuda alterar a autonomia da escolha dos reitores?
A questão da universidade surgiu mais recentemente. Entre os dois grandes problemas ligados à universidade estão a escolha da gestão pedagógica e administrativa e a formação dos professores na universidade.
O senhor diz que esse tema foi discutido nas últimas duas semanas, que vocês estão procurando saber como isso funciona em outros países, e que sua opinião pessoal é que a eleição para reitor não é o melhor modelo para a escolha da gestão da universidade. É isso?
Se você tem a eleição com os resultados que você tem no Brasil, eu, pessoalmente, não considero isso democrático.
O processo elege o mais votado.
Mas, peraí, eu posso fazer uma eleição que elege sempre o cara da minoria? É democrático? Sócrates não concordaria com isso.
Na sua avaliação, esse modelo deveria ser alterado? Se sim, ele deveria ser alterado só pra evitar que candidatos de esquerda vençam?
Não. Eu não disse isso.
Sim. Por isso estou perguntando.
O sistema deveria ser alterado para que a maioria vença. A democracia é o governo da maioria, fundado nos quatro pilares básicos.
Mas quando um candidato X, qualquer que seja ele, recebe mais votos que um candidato Y, isso não é a expressão da maioria?
Não.
O senhor defende a indicação do governo para o comando das universidades?
Não.
O senhor defende o quê?
Eu acho que a universidade é um local que não tem nada a ver com o governo, com partido ou corrente ideológica. Tem que ter autonomia, mas que não seja um local da prática de uma determinada ideologia. Ao praticar os interesses de uma determinada corrente politico-ideológica, ligada a um determinado partido, acabou a autonomia.
Então, que modelo o senhor acha melhor?
Não sei. Perguntei a todos os educadores, mas nem eles conseguiram me responder. Agora, isso precisa ser estudado.
Cotas não serão discutidas pelo grupo
O seu grupo estuda mudanças no sistema de cotas para o ingresso no ensino superior?
Existe uma lei aprovada pelo Congresso Nacional e um decreto que regulamenta o assunto, e isso joga a questão para o campo político. Só tem uma saída, que é o presidente eleito assumir e tratar da questão junto às grandes lideranças nacionais. Nem adianta a equipe e seus integrantes terem um posicionamento. Eu me reservo, por uma questão de lealdade, o direito de não opinar sobre ao assunto. E o nosso grupo não pretende levar este assunto à equipe de transição.