Lua de mel com Bolsonaro será curta, diz presidente de consultoria de risco
Talita Marchao
Do UOL, em São Paulo
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Richard Jopson/Divulgação/Gzero World
Ian Bremmer, presidente de uma das maiores agências de consultoria de risco do mundo, a Eurasia Group, dá como certa a vitória de Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno. Especialista em países emergentes, Bremmer aposta ainda ser improvável que Bolsonaro tenha altos índices de aprovação nos primeiros meses de um futuro governo.
"Bolsonaro enfrentará um ambiente duro com a opinião pública, considerando uma atmosfera econômica ainda difícil e uma população profundamente desencantada. Isso significa que seu período de lua de mel será relativamente curto", disse o analista norte-americano em entrevista ao UOL. "Fazer legislação vai ser uma tarefa bem difícil para ele, dado o seu apoio no Congresso", avalia Bremmer.
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Esse deve ser o grande problema de Bolsonaro, segundo Bremmer, principalmente dependendo de quão ambiciosa será a reforma fiscal a ser implantada em seu eventual governo. "Esperamos alguma versão da reforma fiscal e um conjunto de políticas muito favoráveis para o mercado em setores regulamentados da economia. Aposto que ele conseguirá alguma versão da reforma da Previdência, mas somente depois que os legisladores enfraquecerem a proposta", afirma o analista de risco.
"Se Bolsonaro for eleito, a agenda política será muito boa para as empresas e os mercados. Seu compromisso com uma agenda de reformas econômicas favoráveis ao mercado, liderado por seu principal conselheiro econômico, Paulo Guedes, parece sério", diz.
O presidente da Eurasia vê ainda como improvável uma união da esquerda para evitar a vitória de Bolsonaro. "Isso só aconteceria se Bolsonaro tentasse desrespeitar o Estado de Direito. Por enquanto, isso não está acontecendo. E as negativas dos partidos da elite política são altas demais para que eles possam dar um impulso crível para impedir a eleição de Bolsonaro."
Voto na direita contra a elite política
Questionado sobre os recentes movimentos políticos dos últimos anos no país, Bremmer brinca: "O Brasil faz com que os EUA pareçam ter um governo funcional. E isso é bem difícil!".
De acordo com ele, a liderança de um candidato de direita radical nas eleições no Brasil não é vista como um caso específico no mundo e seria parte de um grande momento para opções antiestablishment em democracias pelo mundo todo."Se esta mudança causa preocupação agora, espere até que haja uma recessão econômica global", diz o presidente da Eurasia.
"Isso significa que a mudança no sentimento do eleitorado é menos uma mudança para a direita do que uma mudança contra partidos e líderes já estabelecidos. O que acontece é que o candidato mais bem posicionado e que é visto como alguém contra as elites dos partidos está atualmente à direita do espectro político", afirma.
Bremmer diz ainda que uma eventual vitória de Bolsonaro poderia ser comparada com a do presidente dos EUA, Donald Trump, em 2016. Mas só "em termos da indiferença às instituições democráticas e à forte linha do 'nós contra eles', que definem ambos". Isso os levou ao poder, além do desencanto profundo dos eleitores contra a elite política.
A comparação entre Trump e Bolsonaro também funciona se levarmos em conta que a falta de experiência levará a administrações não ortodoxas e a muitos erros. A diferença, no entanto, é que Trump teve um dos maiores partidos políticos por trás dele --com uma maioria no Congresso. Já Bolsonaro não terá isso
O analista também vê semelhanças entre o discurso de campanha de Bolsonaro com o do presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte. "É possível ver como os esforços extrajudiciais de Bolsonaro contra os criminosos poderiam sangrar na política, por assim dizer, assim como Duterte faz em seu país."
Em comparação com outro líder mundial polêmico, Bremmer diz que Bolsonaro não conseguiria criar um autoritarismo brando no Brasil, como o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. "As instituições brasileiras são mais fortes. Além disso, o apoio do partido de Erdogan tem muito mais peso do que o de Bolsonaro", explicou o presidente da Eurasia.
Raiva contra corrupção
Um dos boletins enviados para os clientes da agência de risco na semana passada compara o cenário atual do Brasil com o do México, que elegeu neste ano o esquerdista Andrés Manuel López Obrador. "Nos dois países, a raiva contra a corrupção e as condições gerais levaram à vitória dos candidatos que mais claramente representaram a mudança do status quo", diz o comunicado. A diferença, de acordo com a análise da Eurasia, seria que Obrador tem maioria no Congresso para promover sua agenda.
A análise diz ainda que Bolsonaro precisaria ter habilidade política e disposição para negociar com o Congresso: "Algo que ele não está disposto a fazer porque sua plataforma de campanha defende a mudança da forma como a política é feita. Ele provavelmente apresentará uma agenda de reformas ambiciosa, mas o risco de diluição das reformas fiscais --uma pré-condição para o crescimento sustentável-- é alto."
Denúncia de WhatsApp traz risco ao mandato?
A Eurasia estima que Bolsonaro tem 85% de chances de ser eleito na votação do dia 28 e avalia que as recentes denúncias envolvendo o uso do WhatsApp para propaganda anti-PT não teriam impacto na disputa. "A eleição brasileira é marcada pelo ambiente altamente polarizado e é improvável que esse tipo de manchete tenha impacto sobre o sentimento dos eleitores de qualquer maneira significativa", diz uma das notas enviadas para os clientes.
"A verdadeira questão é se isso poderia representar um risco para o mandato de Bolsonaro após a eleição. Isso é mais difícil de dizer, mas, no mínimo, não passará pelos tribunais rapidamente", aponta a análise. "Em um contexto em que a última presidente eleita sofreu um impeachment pelo Congresso, os tribunais não correrão o risco de provocar outra crise institucional. Em outras palavras, a barra para os tribunais se moverem é maior. O fato de que Bolsonaro deve ganhar provavelmente por uma margem muito ampla só exacerba essa avaliação", continua o despacho.
"É bom lembrar que o TSE já se recusou a cassação da chapa da ex-presidente Dilma Rousseff e Michel Temer com base em financiamento ilícito de campanha (apesar das muitas evidências). Estamos céticos de que esta petição terá seguimento mesmo após a eleição. Se Bolsonaro enfrenta uma grave crise política ou econômica, talvez o TSE se sinta pressionado a dar seguimento à petição. Mas é improvável que ela seja o gatilho ou causa de uma crise institucional", conclui o boletim.
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