Ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff (PT), Renato Janine Ribeiro manifestou preocupação nesta segunda-feira (29) com a possibilidade de atos de censura e intimidação em diferentes universidades públicas no Brasil. Janine Ribeiro afirmou que as autoridades do campus tiveram de atuar para conter um movimento que planejava a invasão da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), da USP (Universidade de São Paulo), da qual é professor.

"Essa invasão ocorreria hoje [segunda] à tarde comandada por alunos da própria USP de extrema-direita. Teria tido mais de 2.000 confirmações até domingo [28] à noite", afirmou em entrevista aos blogueiros do UOL Josias de Souza e Leonardo Sakamoto. Janine Ribeiro também citou outra marcha prevista em direção ao ICC (Instituto Central de Ciências) da UnB (Universidade de Brasília). 

São coisas sobre as quais não se ouvia há muitos, muitos anos [...]. São coisas de 30, 40 anos atrás. Então dá medo
Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia

Os atos, anunciados em redes sociais, foram divulgados depois da vitória de Jair Bolsonaro (PSL) na eleição presidencial. O professor de filosofia acredita que é momento de as universidades brasileiras "entrarem em estado de alerta".

Numa universidade é normal que divergências se discutam, mas jamais será tratada pela base da violência, do cala-boca e da agressão física
Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia 

Cacalos Garrastazu/eder content

Renato Janine Ribeiro é professor de filosofia e ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff (PT)

Na avaliação de Janine Ribeiro, o ensaio de um movimento de censura no meio acadêmico tem prenúncio com o projeto chamado Escola sem Partido, que prega prega contra uma suposta doutrinação ideológica nas salas de aula. O tema foi recorrente em discursos na Câmara dos Deputados e entrevistas de Bolsonaro, ajudando a impulsionar sua candidatura. 

"É um movimento que já estava defendendo algo no gênero", disse. "Na verdade, tem conotação partidária porque defende uma determinada visão do mundo e diverge de outras visões. Você pode abrir espaço na universidade para exposições de concepções mais liberais, próximas ao capitalismo e à direita, bem como composições mais próximas da esquerda, desde que tenham base científica", salientou. 

'Educação a distância impede socialização da criança'

Janine também analisou o projeto de educação a distância que foi proposto por Jair Bolsonaro em seu plano de governo. Ele afirma que o sistema pode funcionar bem para adultos, mas não para crianças. Segundo o professor, a educação tem como papel fundamental não apenas ensinar conteúdos, mas também promover a socialização da criança.

"Quando você tem crianças e adolescentes, a educação tem um lado importante que é o de socializar a pessoa, fazer com que ela saia de casa. [Que ela] Descubra que tem adultos que não são pai e mãe, pessoas da mesma idade que não são irmãos, aprenda a lidar com eles, a respeitá-los, a conhecer outros mundos. Tem um papel psicológico pedagógico que é fundamental, que não é realizado se a pessoa estiver lidando com um computador. Tanto que um dos problemas que temos hoje, com muita gente, é pessoas que lidam melhor com o celular do que com a pessoa do lado. Então, isso tudo faz parte da formação educacional."

Janine também se mostra contrário ao ensino doméstico em os pais se tornam responsáveis pela formação acadêmica da criança lecionando em casa. "O 'homeschooling' é muito complicado. É muito difícil, para não dizer impossível, que um pai e uma mãe cubram todas as matérias que têm que ser ensinadas. Isso do ponto de vista da qualidade, além do fato de que se perde essa socialização", disse

Educar não é apenas você transmitir conteúdos. É você também ajudar a pessoa a se formar para o mundo, se abrir para o mundo
Renato Janine Ribeiro

Soluções 'mágicas' podem ser prejudiciais

Para o ex-ministro, o perigo desta eleição é dar poder a representantes com pouca experiência na administração pública. "Nós tivemos agora a eleição da maior parte de pessoas das quais mal se sabe o que pensam, mal se sabe o que querem, que não sabemos se são honestas ou não para colocar a questão da honestidade, mas que aparentemente têm muito pouco conhecimento da economia, muito pouco conhecimento da administração pública".

A falta de conhecimento, às vezes, até mesmo do que pode [fazer] um vereador, do que pode um prefeito, do que pode um ministro, um presidente, essa falta de cultura política permitiu soluções aparentemente fáceis, aparentemente mágicas, que podem complicar a situação
Renato Janine Ribeiro

"Estou muito preocupado sobretudo com a economia, porque se não houver uma priorização forte da educação, nós vamos continuar tendo uma mão de obra patinando no nível de décadas atrás, e isso não faz o Brasil se desenvolver. E uma coisa que aprendi claramente no Ministério da Educação é: sem o crescimento do PIB você não consegue fazer educação boa, você patina na justiça social. Então, o crescimento do PIB é muito importante e a gente precisa de gente que entenda disso e isso não me parece claro hoje em dia", completou o ex-ministro.