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Senado aprova projeto que regulamenta escutas telefônicas

Cláudia Andrade<br/> Em Brasília

10/09/2008 13h45

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira, em segundo turno de votação, projeto que regulamenta as escutas telefônicas. A aprovação veio apenas depois de muita discussão sobre o prazo para que escutas legais sejam autorizadas. No final, prevaleceu o que estava previsto no substituto, e as autorizações poderão chegar a 360 dias. A proposta agora será encaminhada à Câmara dos Deputados.

Conheça os principais pontos do projeto

  • Punições para quem usar o conteúdo da interceptação para fazer chantagem e para quem oferecer serviço privado de grampo clandestino
  • Para quem oferece serviço privado de interceptação, como detetives, por exemplo, a pena prevista é de multa mais 1 a 3 anos de reclusão. Para quem utilizar "com o fim de obter vantagem indevida, ameaçar alguém", a pena é de 2 a 4 anos
  • Se a ilegalidade for realizada por um servidor público, a pena pode aumentar em 50%, chegando a até 7 anos e meio
  • A interceptação será feita pela prestadora de serviço de comunicação e de forma gratuita. A empresa deverá comunicar ao juiz o nome do profissional responsável pela operação técnica e da autoridade responsável pelo acompanhamento do trabalho, que terá fiscalização do MP
  • A gravação de conversas entre o advogado e o réu ou acusado poderá ser usada no processo apenas quando o advogado não estiver no exercício de sua atividade profissional
  • O prazo de autorização de escuta pode ser de 60 dias, renováveis por mais 60, até um prazo máximo de 360 dias
  • Para conseguir uma autorização de escuta telefônica, devem ser apontados indícios suficientes do crime que será investigado, identificação do investigado ou acusado, números dos telefones que serão grampeados, descrição dos fatos que são objeto de investigação.
  • Ao fim do processo, as pessoas que foram alvo do grampo telefônico para fins de investigação tomarão conhecimento da medida, mesmo se não tiver sido indiciada
Os senadores Francisco Dornelles (PP-RJ) e Marconi Perillo (PSDB-GO) se posicionaram contra o item referente ao prazo da escuta. Segundo o projeto, a autorização pode ser concedida por 60 dias, prorrogáveis por mais 60, até o limite máximo de 1 ano. O pedido de prorrogação deverá ser fundamentado e passará pela Justiça.

Os dois senadores consideraram o prazo longo demais e propuseram um período de 15 dias, prorrogáveis por mais 15, até o limite de 45 dias. A maioria, no entanto, considerou o prazo proposto extremamente curto. Ao defender o período de até um ano, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) alegou que a questão foi discutida com especialistas do Ministério da Justiça e que um prazo menor inviabilizaria determinados tipos de investigação.

"No caso de seqüestro, tráfico de entorpecentes e de corrupção em licitações, por exemplo, a investigação se inviabiliza. 15 dias é um período protocolar, não dá nem tempo de analisar o pedido de autorização", disse o senador.

Além de Perillo e Dornelles, contudo, outros parlamentares manifestaram preocupação com o que consideraram um período extenso demais para que se realize escutas legais. Antônio Carlos Júnior (DEM-BA) defendeu um prazo menor "para evitar abuso". "Eu acho 360 dias extenso demais, porque os juízes não avaliam, não vão à fundo saber se devem autorizar a escuta ou não. Então, essas autorizações vão ficar sob o arbítrio das polícias e do Ministério Público", alegou.

O substitutivo aprovado pela comissão resultou de um projeto original do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), que sofreu alterações do relator Demóstenes Torres (DEM-GO) a partir das consultas feitas ao Ministério da Justiça.

Pena de até 7 anos e meio para servidores
Ao longo da sessão, várias propostas foram apresentadas para se chegar a um acordo - incluindo uma que previa o prazo máximo de seis meses -, mas no final prevaleceu o que estava previsto no projeto. Minutos antes da votação, contudo, foi acatada parcialmente outra idéia defendida por Perillo. As penas aplicadas a quem violar o sigilo telefônico sem autorização judicial passaram para 2 a 5 anos, quando inicialmente iam de 2 a 4 anos. Em caso de servidores públicos, o projeto prevê aumento de 50% na punição e, com isso, um agente público pode ficar até sete anos e meio em reclusão.

O senador Perillo queria dobrar as penas, que passariam a ser de 4 a 8 anos de prisão. Com isso, em casos extremos, um servidor público poderia ficar 12 anos preso. A idéia, contudo, foi considerada inadequada pelos demais parlamentares. "Elevar a pena a 8 anos a deixaria muito elevada, seria a mesma de homicídio", argumentou Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), autor do projeto.

Ao final, o senador Dornelles registrou sua insatisfação pelo resultado da votação, afirmando que se considerava "derrotado" na questão referente ao prazo de autorização das escutas.

Comercialização de equipamentos de escuta
Mais cedo, a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado já tinha aprovado um projeto de lei que obriga os fabricantes e comerciantes de equipamentos de escuta telefônica informar à Polícia Federal sobre as vendas dos produtos. A matéria ainda será analisada pela CCJ.

A proposta inicial do senador Romeu Tuma (PTB-SP) citava que os fabricantes teriam de fornecer os dados. O relator, senador Cícero Lucena (PSDB-PB), incluiu na proposta os comerciantes. "Assim, aqueles que importam e comercializam também serão obrigados a fornecerem as informações", justificou o relator.

O senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), ao comentar a matéria, sugeriu que na CCJ seja apresentada uma emenda "para tornar crime hediondo o porte e a venda ilegal desses equipamentos".

Repetições
De certa forma, contudo, o que o Projeto de Lei 741, de 2007, prevê é algo que já foi incluído no projeto aprovado em caráter terminativo pela CCJ e que será encaminhado para a Câmara. O artigo 26 determina que "é proibida a comercialização de equipamentos destinados especificamente à interceptação, escuta, gravação e decodificação de comunicações telefônicas, incluindo programas de informação e aparelhos de varredura (...) sendo obrigatório o registro no órgão competente". É deste registro que trata o projeto apreciado pela Comissão de Ciência e Tecnologia.

A questão da responsabilização de agentes públicos também incluída no projeto aprovado nesta quarta pela CCJ, era uma preocupação do Presidente da República. Ao afastar a diretoria da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), no dia 1º de setembro, depois de denúncia de escuta clandestina que teria atingido o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), o presidente fez outras recomendações.

Em nota oficial, determinou ao Ministério da Justiça a "elaboração, em conversações com o Supremo Tribunal Federal, de projeto de lei que agrave a responsabilidade administrativa e penal dos agentes públicos que cometerem ilegalidades no tocante a interceptações telefônicas". A questão é tratada em um anteprojeto de lei que está sendo analisado pela Casa Civil, antes de ser encaminhado ao Congresso.

Para resumir as diferenças entre os dois projetos, o que foi aprovado pelo Senado e o que está sendo avaliado pelo Executivo, o assessor legislativo do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, diz que o primeiro cuida da escuta legal e o segundo, das ilegalidades. "No mais, eles são complementares", afirma.

A nota divulgada pela Presidência da República também pedia a "aprovação rápida" do Projeto de Lei 3272, de 2008. De conteúdo semelhante ao que foi aprovado pelo Senado, ele também regula as interceptações telefônicas. Segundo Abramovay, a proposta, que tramita na Câmara, "deverá ser apensada (em conjunto)" ao projeto que já está mais adiantado.

"Este é o projeto mais abrangente, o mais abrangente, porque teve a participação de uma comissão de três delegados e três procuradores que fez uma análise técnica da matéria", argumenta o assessor do Ministério da Justiça.