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Leia a transcrição da entrevista de José Eduardo Cardozo à Folha e ao UOL

Do UOL, em Brasília

05/06/2012 07h00

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, participou do "Poder e Política", projeto do UOL e da Folha conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 4.jun.2012 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

 

 

Leia a transcrição da entrevista:

José Eduardo Cardozo – 4/6/2012

Narração de abertura: O ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, tem 53 anos. É filiado ao PT e foi um dos coordenadores da campanha eleitoral de Dilma Rousseff em 2010. Foi nomeado ministro quando Dilma chegou ao poder.

Formado em Direito pela PUC de São Paulo, José Eduardo Cardozo foi vereador, secretário municipal em São Paulo e deputado federal.

Uma atividade importante que Cardozo teve na Câmara dos Deputados foi relatar o projeto de Lei da Ficha Limpa, aprovado em 2010.

Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um "Poder e Política Entrevista".

Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e dos portais UOL e Folha.com. A gravação é sempre realizada aqui no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

O entrevistado desta edição é o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo.

Folha/UOL: Ministro, muito obrigado por ter aceitado o convite da “Folha” e do “UOL”. Eu começo perguntando: o seu partido, o Partido dos Trabalhadores, acertou em fazer a escolha de Fernando Haddad como candidato a prefeito de São Paulo?
José Eduardo Cardozo
: Eu não tenho a menor dúvida que sim. O Fernando é uma pessoa qualificada, teve um excelente desempenho no Ministério da Educação. Uma pessoa que, acredito, terá um grande desempenho na campanha eleitoral e será um magnífico prefeito.

Folha/UOL: A ex-prefeita Marta Suplicy parece que não está contente com essa escolha, não foi no lançamento no último sábado do nome de Fernando Haddad para prefeito. Por quê?
José Eduardo Cardozo
: É natural dentro do partido que você tenha discussões como nós tivemos em relação a quem deveria ser o candidato. A Marta era um excelente nome mas o partido acabou optando por Fernando Haddad. A Marta deve ter tido suas razões para não ter ido no encontro. Mas eu acredito, sinceramente, que ela estará engajada conosco na nossa campanha. É uma pessoa que tem um forte comprometimento com o Partido dos Trabalhadores e com a cidade de São Paulo. Portanto ela estará junto, não tenho a menor dúvida.

Folha/UOL: Ela acertou ao não ir no sábado?
José Eduardo Cardozo
: Eu nem sei qual foi a razão pela qual ela não foi, Fernando. Portanto não posso nem tecer uma consideração a respeito. O que eu acho é que ela estará conosco na campanha.

Folha/UOL: A Polícia Federal extrapolou suas funções ao continuar investigar Carlos Cachoeira depois que apareceu a voz de Demóstenes Torres, que é senador, nos grampos autorizados pela Justiça?
José Eduardo Cardozo
: Ao meu ver, não. Eu acredito que, evidentemente, existem situações que devem ser analisadas com muito cuidado nesse caso. O investigado, efetivamente, era Carlos Cachoeira. A partir do momento em que se evidenciou para o juiz, porque a decisão foi do juiz, não da Polícia Federal, que havia uma possível situação de envolvimento, no esquema de Carlos Cachoeira, de Demóstenes Torres, é a partir deste momento que o juiz, convencido disso, resolve encaminhar para uma instância superior. A Polícia Federal cumpriu rigorosamente a Lei, atendeu às ordens do juiz, portanto, a Polícia Federal atuou exemplarmente neste caso. Eu não vejo, sinceramente, ilegalidade naquilo que ocorreu.

Folha/UOL: Ainda que tenham sido registradas as mais de quatrocentas ligações entre o senador Demóstenes e Carlos Cachoeira?
José Eduardo Cardozo
: Essa questão não decorre do número de ligações, decorre do envolvimento e da avaliação do juiz de direito relativamente à situação. Como o juiz entendeu que em certo momento é que se configurou este envolvimento, através dos indícios que estavam postos, é que o processo, então, foi remitido para a Procuradoria Geral da República.

Folha/UOL: E o Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, procedeu da maneira mais apropriada ao esperar o quanto esperou para abrir a investigação contra Demóstenes?
José Eduardo Cardozo
: Veja, Fernando, seria profundamente incorreto da minha parte que eu tecesse qualquer consideração valorativa, positiva ou negativa, em relação a uma autoridade de um Poder que não se confunde com o Poder Executivo. O que eu posso afirmar, no âmbito do Ministério da Justiça, é que a Polícia Federal cumpriu seu papel, esclareceu os fatos, estará disposta sempre a esclarecer o que aconteceu nesse caso. A partir daí, o processo foi remetido, seja na Operação Vegas, seja na Operação Monte Carlo, para a Procuradoria-Geral da República, que tem autonomia para proceder. Eu não posso tecer qualquer consideração a respeito porque seria, de todo, inconveniente que eu o fizesse.

Folha/UOL: No início do caso Cachoeira, vazaram muitas informações. A mídia andou publicando informações sobre os inquéritos e as operações. Muitas dessas informações vazaram da Polícia Federal, algumas até de dentro do Ministério da Justiça. Por exemplo, que haveria mais de duzentas ligações entre Carlos Cachoeira e um jornalista que investigava o caso, que tinha ligações com Cachoeira como fonte. No final, isso não se comprovou. O que aconteceu?
José Eduardo Cardozo
: Veja, eu não posso afirmar que o vazamento veio da Polícia Federal, que veio do Ministério da Justiça, que veio do Ministério Público ou dos advogados que receberam esse inquérito a partir do momento em que foi possível que assim acontecesse.

Eu, inclusive, determinei a abertura de um inquérito policial que apurasse esses vazamentos. Nós não detectamos até agora, infelizmente, a origem dos vazamentos porque esses vazamentos são criminosos, são ilegais. Os jornalistas que receberam estas informações têm a garantia constitucional de sigilo da fonte, então não é fácil você chegar a este resultado.

A única coisa que eu invoco em testemunho da Polícia Federal é que esse processou tramitou durante anos. Aliás, a Operação Vegas tramitou durante anos, ficou durante um grande período na Procuradoria Geral da República e também não vazou. Ou seja, a partir de um certo momento é que ele vaza, o que também não me permite ter qualquer presunção em relação a autoria do vazamento. Apenas posso afirmar: há um inquérito aberto e, se nós comprovarmos esses vazamentos, nós agiremos dentro do rigor da Lei.

Folha/UOL: Continua a haver uma discrepância entre os áudios e as transcrições nesse caso Cachoeira, [os] que foram enviados para a CPI no Congresso e [os] que, aparentemente, ainda estão nos inquéritos. Parece que as coisas não estão iguais entre o que está dentro do Congresso, enviado para a CPI, e o que está nos inquéritos. O sr. tem uma ideia do porquê isso ocorre?
José Eduardo Cardozo
: Não tenho nem essa constatação. O que eu sei é que o processo, o inquérito que foi realizado pela Polícia Federal, seja na Operação Vegas, seja na Operação Monte Carlo, foram remetidos para a Procuradoria-Geral da República e a posteriori para o Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal é que remeteu para a Comissão Parlamentar de Inquérito esse material. Recentemente, houve um requerimento aprovado pela CPI, que pede que a Polícia Federal encaminhe análises, informações, e tudo isso está sendo levantado. Se existe discrepância ou não, eu não tenho acesso, e nem devo ter acesso ao que está na CPI. Portanto, não posso considerar a respeito.

Folha/UOL: O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, requereu ao sr. ou ao Ministério da Justiça informações a respeito de citações que podem ter ocorrido eventualmente em relação a ele nesses casos todos?
José Eduardo Cardozo
: O ministro Gilmar Mendes, ele chegou a conversar comigo algumas vezes sobre essa questão em que ele, inclusive, dizia que havia uma suspeita de vazamento, de fatos que não eram reais acerca de sua pessoa. Eu garanti ao ministro Gilmar Mendes que nós estávamos zelando para que qualquer vazamento que eventualmente ocorresse, nós iríamos coibir as situações que obviamente estavam sendo objeto desse vazamento. E afirmei mais a ele: que se alguma informação fosse veiculada que o pudesse desabonar sem qualquer fato efetivamente apurado, o próprio Ministério da Justiça teria total interesse em esclarecer essa situação.

Folha/UOL: Mas ele chegou a requerer do sr. que enviasse a ele as informações que têm menção a ele nas operações Vegas e Monte Carlo?
José Eduardo Cardozo
: Não, não chegou a haver nenhum requerimento formal. Ele apenas fez uma ponderação de que poderiam estar vazando fatos, talvez da Polícia Federal ou de outros órgãos, relativamente a sua pessoa e que eram fatos inverídicos. Como diriam no jargão comum, plantações de fatos inverídicos. Eu disse a ele que o Ministério da Justiça zelaria muito para que isso não acontecesse e, caso viesse a acontecer, nós não teríamos problema nenhum em desmentir aquilo que fosse indevidamente noticiado.

Folha/UOL: Ele perguntou alguma coisa específica para o sr.?
José Eduardo Cardozo
: Não, não perguntou.

Folha/UOL: Ele, recentemente, o ministro Gilmar Mendes, se encontrou com o ex-presidente Lula no dia 26 de abril no escritório do ex-ministro da Justiça, inclusive, Nelson Jobim. Foi um fato rumoroso a divulgação desse encontro. Qual é a sua avaliação sobre a realização desse encontro?
José Eduardo Cardozo
: Eu acho que não cabe a mim ter uma avaliação porque diz respeito a uma avaliação que está fora do Poder Executivo, o encontro de um ex-presidente da República com um ministro do Supremo Tribunal federal feito a critério dos dois, portanto longe de qualquer ação governamental. O que eu posso te afirmar, Fernando, com toda clareza, é que esse episódio ou qualquer outro não afetou em absolutamente nada as relações entre o governo e o Poder Judiciário. Nós continuamos a ter, da parte do Poder Executivo, relações harmoniosas com o Supremo Tribunal Federal e esse fato em nada disse respeito ou trouxe qualquer consequência nessa relação.

Folha/UOL: O sr. foi sub-relator da CPI dos Correios, lá atrás, na metade da década passada. O sr. acha correta a pressão que o ex-presidente Lula e que alguns setores do seu partido, o PT, fazem para que o Supremo considere a hipótese de não julgar o processo do mensalão agora durante o processo eleitoral deste ano?
José Eduardo Cardozo
: Eu desconheço que haja pressão. Falo como cidadão, eu estou lendo a imprensa. O que existem são opiniões livres que são divulgadas. Alguns acham que esse julgamento ser feito agora, num clima eleitoral, seria contaminado... na imparcialidade, no juízo de equidistância que se deve ter num julgamento dessa natureza. Outros acham que não, que é nesse momento que deve haver o julgamento. É um debate que está na sociedade. Eu não vejo isso como pressão. Debate para mim não é pressão. Debate é livre numa sociedade democrática. Do ponto de vista do governo, cabe a nós apenas e tão somente observar este fato porque é uma questão que afeta ao Judiciário e lá deve ser garantida a sua independência para esse julgamento.

Folha/UOL: O sr. foi deputado federal muitos anos. É um político de formação. Na sua avaliação, o julgamento do caso do mensalão neste ano, durante o processo de eleições municipais, tem qual impacto na política?
José Eduardo Cardozo
: Veja, Fernando, como deputado, possivelmente teria muita liberdade de tecer muitas considerações a respeito. Como ministro, a hora que eu me imiscuir e der qualquer opinião sobre impactos e situações, eu estarei interferindo no outro Poder. Recentemente eu disse que, evidentemente, qualquer julgamento relevante que o Supremo faça, e que afete o mundo político, ele acaba tendo repercussões. É óbvio. Agora, eu tecer considerações sobre este ou aquele julgamento, sobre consequências políticas, eu acho que estaria fora daquilo que deveria pautar a conduta de um ministro da Justiça.

Folha/UOL: Há algum tempo teve um processo de descentralização de algumas, ou de várias, operações da Polícia Federal. Hoje, por exemplo, é possível que alguma Operação, em algum Estado, seja deflagrada sem que o sr. ou o comando central da Polícia Federal saibam, coisa que não ocorria no passado.
José Eduardo Cardozo
: É verdade.

Folha/UOL: Essa é uma boa prática ou deveria haver uma centralização maior dessas operações?
José Eduardo Cardozo
: Veja, eu diria a você que, independentemente, da forma pela qual isso é feito, nós temos que discutir o que é bom da descentralização e o que não é. Mas o que é muito importante nessa questão é que, em nenhum momento, se possa ter um tipo de interferência política em Operações da Polícia Federal. Eu acho que, independentemente da forma, do modelo, que nós combinamos, que nós afirmamos... é necessário que a Polícia Federal tenha uma conduta republicana, uma conduta que não sofra qualquer interferência do tipo: investigue aquele porque é meu inimigo ou investigue aquele porque é meu amigo. E acho que a construção desse processo, ao longo do governo do presidente Lula com os ministros Márcio Thomaz Bastos, Tarso Genro, Luiz Paulo Barreto e agora comigo, vem garantindo isso. Ou seja, em nenhum momento, a Polícia Federal recebe, recebeu ou receberá interferência polícia, independentemente do modelo ou da forma com que as Operações sejam realizadas.

Folha/UOL: Mas eu volto à pergunta: seria necessário, talvez, haver um conhecimento maior por parte da cúpula da Polícia Federal e também do sr. ministro da Justiça sobre todas as operações que serão deflagradas?
José Eduardo Cardozo
: Não. A Polícia Federal, na sua direção conhece na hora certa quando a operação será desencadeada. Tem que condições de dar o chamado pente-fino para ver se existe algum abuso. E o ministro da Justiça é comunicado no momento do desencadear da operação. Ou seja, de maneira que o próprio ministro fique protegido em relação a um vazamento eventual de uma operação, que jamais poderá ser atribuído a ele. Da mesma forma que ele pode acompanhar em tempo oportuno aquilo que ele deve acompanhar: se porventura ocorrem arbítrios, abusos. Ao ministro da Justiça não cabe interferir numa Operação. Todas elas são autorizadas com mandato judicial. A ele cabe apenas verificar se há abusos ou ilegalidades. E isso o procedimento de hoje garante plenamente.

Folha/UOL: E então não é necessário haver nenhuma mudança nessa sistemática?
José Eduardo Cardozo
: Na estrutura organizativa, não. É claro que nós temos que aperfeiçoar. Cada vez mais fazendo operações com segurança de que a lei seja respeitada, de que as ordens judiciais seja cumpridas, de que não existem interferências de qualquer natureza, de que as informações não vazem. Tudo isso, nós estamos sempre caminhando para aperfeiçoar. Agora, criar mecanismos que facilitem interferências, em hipótese nenhuma. [Nesse caso] não há por que mudar.

Folha/UOL: Nas operações relacionadas ao caso Cachoeira foram feitas várias operações de busca e apreensão. Até agora vários laudos ainda não são conhecidos dessas peças que foram apreendidas. O sr. tem ideia de quando esses laudos serão produzidos e apresentados?
José Eduardo Cardozo
: Esses laudos estão sendo elaborados em sigilo pelo setor de perícia da Polícia Federal. A diretoria geral me informa que ainda deve ir aproximadamente em torno de dois meses todo o conjunto de avaliações perícias que devem ser feitas nesse material.

Folha/UOL: Dois meses ainda?
José Eduardo Cardozo
: Ainda dois meses para o término, para a conclusão. Agora, sem prejuízo de que os laudos seja concluídos e, obviamente, sejam encaminhados ao Ministério Público ou juntados aos autos dos inquéritos que estão em curso ou até também encaminhados para a Comissão Parlamentar de Inquérito.

Folha/UOL: Mas, nesse curso de dois meses, é possível que algum laudo seja apresentado antes?
José Eduardo Cardozo
: É perfeitamente possível que isso ocorra, desde que solicitado pela CPI ou pelas autoridades competentes.

Folha/UOL: E já foram produzidos alguns laudos?
José Eduardo Cardozo
: Sem sombra de dúvida, já.

Folha/UOL: Mas eles estão sendo remetidos a CPI neste momento?
José Eduardo Cardozo
: Se solicitados... A CPI fez uma série de requerimentos. Nós vamos estar apresentado à CPI um relatório. Foi pedido um relatório sobre tudo isso que será encaminhado, portanto, à Comissão Parlamentar de Inquérito mas dentro das regras do sigilo que, obviamente, a Lei impõe nesse caso.

Folha/UOL: Em dois meses, o processo todo de produção de laudos estaria concluído? Sobre todas as buscas e apreensões.
José Eduardo Cardozo
: Em princípio, sim. Buscas e apreensões feitas ao longo da Operação Monte Carlo. É possível que existam outras buscas e apreensões em inquéritos que estejam em curso, ainda a se realizar. Não posso dizer que estarão, então, concluídas. Em relação àquelas que foram realizadas até agora na Operação Monte Carlo, a previsão é no prazo de dois meses.

Folha/UOL: Ministro, a prática do chamado terrorismo, não é um crime tipificado no nosso Código Penal. Há quem julgue que a inexistência desse crime tipificado no Código Penal dificulta a atuação das forças de segurança em grandes eventos internacionais que o Brasil vai sediar. Começando agora com a Rio+20. Isso realmente é um problema?
José Eduardo Cardozo
: Veja, no Brasil nós não temos um histórico de terrorismo. Por mais que alguns queiram dizer que nós temos esse problema, historicamente nós não temos, e ainda bem que não temos. Agora, é evidente que, diante dos grandes eventos que nós temos pela frente, essa é uma discussão que está posta hoje no Congresso Nacional. Há projetos de lei que têm esse objetivo, de tipificar com clareza o que seja ato de terrorismo, justamente para que nós não possamos, a pretexto de combater terrorismo, combater outras iniciativas que não têm identidade conceitual com esse tipo de prática. Então eu pessoalmente acho que é bem-vinda a iniciativa, a discussão e a tipificação desse delito, justamente para que não exista qualquer confusão na fixação das condutas que o qualificam.

Folha/UOL: Mas isso vai representar algum problema na execução do trabalho de segurança nesses eventos?
José Eduardo Cardozo
: Não. Eu acho que é uma facilitação. Você tipifica uma conduta, diferencia de outras. Isso facilita [para] a autoridade policial e os órgãos repressores do Estado exatamente na localização daquilo que se está tratando. Eu não sou contra a tipificação desse delito no ordenamento jurídico brasileiro em que pese historicamente, como eu disse, nós não tenhamos sofrido atos dessa natureza.

Folha/UOL: Na Rio+20, que acontece agora no mês de junho, a segurança vai ser em grande parte comandada pelas Forças Armadas, me corrija se eu estiver errado. O Ministério da Justiça vai colaborar de que forma na segurança desse evento?
José Eduardo Cardozo
: Nós fizemos uma divisão muito clara de atuações entre o Ministério da Justiça e da Defesa que hoje, eu quero dizer, Fernando, com toda sinceridade, têm uma atuação bem harmônica, bem articulada . No caso da Rio +20, como a presença de dignitários e, no Brasil, a própria proteção da presidenta da República é feita pelo Ministério da Defesa e pelas Forças Armadas, nós achamos que fosse correto que todo o serviço de segurança desse evento fosse coordenado pelo Ministério da Defesa com apoio do Ministério da Justiça, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Força Nacional.

Folha/UOL: Qual o efetivo da Polícia Federal que vai estar na Rio +20?
José Eduardo Cardozo
: Nós não temos revelado muito a questão de efetivo por razões de segurança. Esses dados nós não costumamos passar, salvo situações que nos exijam isso. O que eu posso afirmar é que o Ministério da Defesa tem uma presença de coordenação e terá total apoio da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Força Nacional, que estão empenhadíssimas em colaborar com o Ministério da Defesa para que esse evento seja bem sucedido.

Folha/UOL:  No caso dos outros eventos grandes esportivos que o Brasil irá sediar, a Copa do Mundo, a Copa das Confederações já em 2013, as Olimpíadas, há algum estudo sobre o efetivo que vai ser necessário?
José Eduardo Cardozo
: Sempre há. Nesses outros casos, nós temos uma diferença. Todos outros grandes eventos que se sucederão à Rio +20, a coordenação será do Ministério da Justiça com apoio do Ministério da Defesa. Foi por isso que nós criamos uma secretaria especial de segurança para grandes eventos que vai coordenar essa situação. Para cada evento, para cada situação, tendo em vista a previsão de população, a previsão de situação de risco nós temos um efetivo colocado de maneira a ter um padrão de segurança internacionalmente aceito em cada uma dessas situações.

Folha/UOL: Existe um cálculo de número de pessoal per capita necessário?
José Eduardo Cardozo
: Existe. Internacionalmente, você tem um padrão que é 50 por um, 50 pessoas para um policial. Mas isso pode ser variável. Em certas situações de concentração maior, dentro de uma análise de risco você pode aumentar ou diminuir isto. Então, por exemplo, na Copa do Mundo você tem a presença nos jogos e nas fun fests, situações que são estudadas e avaliadas a partir da previsão de quantas pessoas irão e de quantos policiais devem ter.

Folha/UOL: O policial aposentado, Luiz Fernando Corrêa, ex-diretor da Polícia Federal, foi contratado para ser o responsável no âmbito privado para a segurança das Olimpíadas. O Ministério da Justiça abriu, recentemente, uma sindicância para apurar contratos de segurança durante os jogos Pan-americanos do Rio, quando Corrêa dirigia a PF. A escolha dele agora pode causar algum problema, algum ruído entre as forças de segurança do Estado e essas que o órgão responsável pelas Olimpíadas tem?
José Eduardo Cardozo
: De forma nenhuma. O Luiz Fernando Corrêa é um policial que teve um desempenho magnífico quando diretor-geral da Polícia Federal. É uma pessoa que conhece profundamente segurança pública. Foi, já, o dirigente da Senasp, a Secretaria Nacional de Segurança Pública, ano passado e teve um papel muito importante nos Jogos Pan-americanos. Por esta razão, ele tem total credenciamento para atuar nesta área e para ter um bom desempenho. O que acontece é que é um dever legal, como em todos os nossos casos, independente da convicção subjetiva que nós possamos ter de culpa ou não culpa das pessoas, de abrir uma sindicância para apurar quaisquer fatos que sejam denunciados. No caso do Luiz Fernando Corrêa, o que houve foi uma ação do Ministério Público, já extinta em primeira instância, acusando-o de uma certa aquisição, ele e outras pessoas que atuavam na época no Ministério da Justiça e na Polícia Federal, de terem uma compra feita com superfaturamento. Embora arquivadas já em primeira instância, teve que ter uma sindicância no Ministério da Justiça para que nós cumpríssemos nosso dever legal.

Folha/UOL: A Polícia Federal tem cogitado entrar em greve. Pode ocorrer durante a Rio +20, eventualmente. Por que o sr. acha que a Polícia Federal tem sinalizado que vai entrar em greve? É só por conta de reinvindicação salarial ou tem também alguma indisposição entre a Polícia Federal e o sr.? Várias vezes a gente ouve dizer que há uma distância grande entre o Ministro da Justiça e a Polícia Federal.
José Eduardo Cardozo
: O meu relacionamento com a Polícia Federal é excelente. De uma maneira toda, em geral, com os policiais. E observo que essa discussão não está colocada, nem sentida só no âmbito da Polícia Federal. Eu tenho visto, as vezes, a Polícia Rodoviária Federal, que também é do Ministério da Justiça, falar a mesma coisa. A Receita Federal falar a mesma coisa. Servidores de outros órgãos também falaram em greve durante a Rio +20. Eu acho que isso é uma estratégia de alguns líderes sindicais de acharem que é nesse momento que se deve apresentar certas reinvindicações para colocar um tipo de pressão sobre o governo. Acho que os líderes sindicais agem dentro daquilo que juram que é correto fazer. Eu não acredito que exista greve durante a Rio +20. Eu sei que há uma consciência muito forte dentro dos nossos policiais da importância, da relevância para o país, deste evento. E acho que ninguém quererá jogar a imagem do país numa situação ruim perante o mundo nesse momento. E até porque as próprias lideranças sindicais são inteligentes, são capacitadas, sabem que uma greve nesse momento criaria uma indisposição das categorias com a própria sociedade brasileira. Então, sinceramente, pelo que eu tenho visto, não acredito que haverá greve. Agora, obviamente, esses movimentos de reivindicação têm aspectos corporativos que, evidentemente, estão colocados na mesa para discussão com o próprio governo.

Folha/UOL: Existe um plano já estabelecido no caso de haver a greve de policiais federais?
José Eduardo Cardozo
: Claro, sempre existe. Aliás, sempre que você tem uma situação de policiamento e dessa natureza. Você tem que ter um plano A, um plano B, um plano C e até um plano Y. No caso, se por ventura, em quaisquer dos eventos que nos tivermos houvesse uma situação de greve de Polícia Militar, de Polícia Federal, nós temos como atuar nesse caso, suprindo as deficiências. Mas, sinceramente, eu acredito, e tenho certeza, de que não só os policiais federais, [policiais] rodoviários federais, membros a Receita Federal, como os policiais civis e militares têm a consciência do papel que este evento tem para o nosso país e, portanto, saberão honrar com o compromisso que têm com todo cidadão brasileiro.

Folha/UOL: O ex-presidente da Câmara de Vereadores de Goiânia, Wladimir Garcez, apontado pela Polícia Federal como um dos principais operadores de Carlinhos Cachoeira, fez um depoimento na CPI no Congresso e sugeriu ter uma amizade com várias autoridades e, inclusive, com o sr. É verdade?
José Eduardo Cardozo
: Eu acho que, no meu caso, ele não falou que é meu amigo. Ele falou que me conhecia. De fato, eu o conheço. Até mesmo porque eu fui presidente da Câmara Municipal de São Paulo e, na época, se não me falha a memória, Fernando, posso até ter um lapso... Ele também era presidente da Câmara de Goiânia. Eu fiz um fórum, junto com outros presidentes de Câmaras, o fórum de presidentes de capitais. E nós tivemos reuniões na Câmara de Goiânia e em várias Câmaras. Eu conheci vários vereadores e vários presidentes de Câmara. Eu conheço, mas nunca mantive com ele nenhuma relação de amizade. Aliás, acho que o depoimento dele foi preciso. Ele disse: eu conheço o ministro José Eduardo Cardoso. De fato, ele me conhece.

Folha/UOL: Ele aparece nos inquéritos, sugerindo que tem um projeto de segurança nos estádios da Copa, citando um projeto de reconhecimento facial daqueles que vão assistir aos jogos. Você tem conhecimento desse projeto? Do que se trata tudo isso?
José Eduardo Cardozo
: Nós temos projetos de reconhecimento facial, não só para os jogos da Copa do Mundo, mas para as penitenciárias, porque esse é um sistema moderno de segurança pública. E nós estamos tratando disso com muito cuidado e com muita transparência. Nós criamos, não só para esse projeto, mas para todas as aquisições para a Copa da Mundo, uma comissão interministerial que discute todas as compras com transparência. São vários ministérios interligados porque a melhor maneira de fazer essas compras e a melhor forma de tratar a coisa pública é sob a luz do Sol. Nós estamos querendo fazer isso tudo com absoluta clareza. É claro que existem interesses empresariais, interesses comerciais, gente que quer conseguir vantagens nessas vendas mas podem ter certeza que nós vamos agir com muito critério, muita transparência para qualquer centavo gasto nessa Copa.

Folha/UOL: E nesse caso dessa comissão que foi montada, tem alguma área, algum equipamento, alguma tecnologia que o sr. já sabe que deve ser adotada para esses grandes eventos?
José Eduardo Cardozo
: Uma das questões que está sendo discutida agora são as aquisições dos chamados Centros de Comandos e Controle. Das cidades-sede da Copa do Mundo...

Folha/UOL: O que é isso?
José Eduardo Cardozo
: Na verdade, é um expediente que hoje se utiliza muito em questão de segurança pública em todo o mundo, como se utilizará nas Olimpíadas em Londres, que é colocar, em uma mesma ambiência, todos os atores envolvidos nas questões de segurança pública por um processo de assessoria integrada de alta tecnologia, alta comunicação, rapidez e integração. Esses Centros de Comando e Controle, que hoje existem no mundo, serão feitos na Copa do Mundo nas doze cidades-sede justamente com o objetivo de agregar os policiais federais, policiais estaduais, serviço de saúde e todos os serviços que podem atuar em intercorrências que nós teríamos nessa área. Os equipamentos, como eu disse, usam tecnologia sofisticada que estão sendo, nesse momento, em objeto de apreciação da nossa comissão.

Folha/UOL: Tem um prazo essa comissão?
José Eduardo Cardozo
: Não tem um prazo temporal. Tem a definição de um prazo dentro do qual eu tenho que efetivar essas aquisições para que seja viabilizado com uma boa atuação da parte de segurança na Copa do Mundo. Seja por equipamentos que são operados diretamente pela Polícia Rodoviária Federal, seja por equipamentos que serão repassados às polícias estaduais.

Folha/UOL: Ministro, uma comissão de especialistas têm feitos sugestões para a reforma do Código Penal, lá no Congresso. Por exemplo, falou-se em flexibilizar a prática do aborto e a descriminalização de algumas drogas consideradas leves. Você não acha essas duas propostas exequíveis?
José Eduardo Cardozo
: Vamos ver primeiro como essas propostas se formulam. São temas muito polêmicos. Eu tenho clareza de que nunca você pode ter a proposta legislativa que, por mais correção ideal que ela possa, na cabeça de alguns ter, estar adiante da própria cultura, do que a sociedade recebe uma proposta.

É muito importante que lei e sociedade tenham um afinamento. Ou seja, as leis não devem ser feitas para que as sociedades que eu quero. Elas devem ser feitas para as sociedades o que eu tenho. E, portanto, eu tenho que ter adequação, sempre, legislativa, à realidade que está posta. Vamos aguardar o término dessa proposta. O Ministério da Justiça irá se debruçar sobre ela e emitirá a sua opinião o quanto antes.

Folha/UOL: O governo Dilma Rousseff em geral tem sido tímido ao enfrentar esse debate da descriminalização das drogas. Por que isso acontece?
José Eduardo Cardozo
: Eu não acho que ele é tímido. Eu acho que ele vem sendo bem ousado. Nós temos tido iniciativas bem importantes como nosso programa do crack. O que se coloca...

Folha/UOL: Mas aí é outra coisa. Eu estou falando sobre descriminalização, que é um debate.
José Eduardo Cardozo
: Não. Uma coisa é o que o governo tem que fazer, outra coisa é um debate social. Em nenhum momento nós dissemos que somos contra o debate. Essa é uma questão que muitos não tem clara, inclusive eu, Fernando. Porque eu acho que nós não podemos tratar dessa questão dogmaticamente. Alguns países que adotaram uma postura mais flexível hoje estão revendo. Outros que têm a postura mais fechada estão querendo caminhar para essa perspectiva. Então essa é uma discussão que a sociedade tem que abrir, escancarar, sem preconceitos, sem dogmas, mas também da parte do governo eu tenho que acompanhar essa discussão e verificar o que pode ser feito em cada momento. Ou seja, discussão é uma coisa. Nós temos que apoiar amplamente a discussão, temos feito seminários, discussões, participações. Outra coisa são os programas do governo, que partem da legislação em vigor e procuram cumprir as tarefas e as prioridades que o governo determina. Portanto não há timidez. Há respeito pelo debate e ação governamental.

Folha/UOL: Ministro, tem alguma novidade no plano que o governo parece ter a respeito de reduzir o número de homicídios não solucionados no país? O que o sr. tem de novidade sobre isso?
José Eduardo Cardozo
: Temos. Nós temos uma preocupação muito grande, Fernando, porque nenhum Estado brasileiro está no padrão adequado internacional em relação a homicídios, nós temos índices alarmantes. Alguns Estados um pouco menos, outros um pouco mais. Mas nenhum Estado atende uma faixa satisfatória em relação a essa questão. Então uma das preocupações nossas é exatamente desenvolver um programa que possa apoiar os Estados e dar uma política indutiva de ações que possam reduzir a violência.

Esse programa nós estamos discutindo já há algum tempo internamente em fase final de elaboração ou, perdão, de fechamento de números na Casa Civil, mas já houve determinação da presidente da República de que nós utilizássemos um projeto piloto em relação a isso, para testar o programa.

Folha/UOL: Qual projeto será esse?
José Eduardo Cardozo
: Não, esse projeto de... de combate à criminalidade violenta que será feito no Estado de Alagoas. Por que no Estado de Alagoas? Porque é o Estado mais violento do país.

Nós já conversamos com o governador Teotônio Vilela [do PSDB-AL], já fechamos isso. E nos próximos dias nós faremos um lançamento desse projeto piloto no Estado de Alagoas. Por quê? Por que nós vamos estar...

Folha/UOL: No que consiste esse projeto?
José Eduardo Cardozo
: Basicamente digo o que é. O Estado tem tido... Perdão, a União tem tido um papel na parte de segurança pública que vai exigir que nós venhamos a dar um passo adiante. Nós [governo federal], até agora, temos sido repassadores de recursos em segurança pública, repasse de equipamentos etc. Nós não podemos ser meros repassadores de recursos. Nós temos que ter uma política parceira com os Estados a partir de uma realidade diagnosticada de índices que medem resultados, onde cada centavo aplicado pelo governo federal e pelo governo Estadual possam ser medidas as consequências. Ou seja, não é apenas dar coletes, apenas dar viaturas, é você ter um plano. E os equipamentos, os recursos que os Estados receberão se darão a partir desse plano.

Por exemplo, uma questão que é um diagnóstico claro é que em muitas regiões do país onde houve distribuição de renda, nós temos a violência elevada ou mantida. Ou seja, não existe necessariamente relação, embora a distância social seja uma causa, não há uma relação direta entre exclusão social e criminalidade. Outras causas interferem. Então, além de nós termos a nossa política social que combate a exclusão social, nós temos que ter política que combate essas outras causas, como a impunidade, por exemplo. Por que existe a impunidade? Por uma série de fatores estruturais. Nós temos que, enquanto governo federal, pactuar com os Estados o combate a essas situações. Por exemplo, perícias. A situação pericial no Brasil é lamentável, então um dos aspectos desse nosso plano é fornecer equipamentos de perícia, formar peritos, justamente para que nós possamos ter um combate, especialmente na parte de homicídios, eficaz a essa situação de impunidade. Estou dando apenas um exemplo.

Outros exemplos são colocados. Por exemplo... para que se tenha ideia... política de proximidade. Nós temos que trabalhar com política de proximidade, câmeras, trailers que localizam a partir de cenas de crimes localizados. Dividir o Estado, como fez por exemplo o Estado de Pernambuco magistralmente no plano que é lá desenvolvido, ou seja, dividir os Estados em zonas em que você tem situações de definição de onde ocorrem os homicídios, estabelecer metas e focar nos grupos de extermínio...

Folha/UOL: Tem alguma quantificação...
José Eduardo Cardozo
: Há uma série de questões portanto que estão sendo tratadas nesse plano, Fernando. Agora, veja...

Folha/UOL: Nesse caso de Alagoas, desculpe-me interromper...
José Eduardo Cardozo
: Pois não.

Folha/UOL: Tem alguma quantificação possível já? Número de valor investido?
José Eduardo Cardozo
: Não, o que nós estamos fechando agora com o governador Teotônio Vilela é isso. O que eu posso te afirmar é que nós faremos um plano conjunto, já há uma pré-proposta do governador Teotônio Vilela em relação a isso e nós vamos fechar onde? Os recursos que a União mandar para o Estado serão recursos que não vão substituir o dinheiro que o Estado aplicaria. Porque isso vinha acontecendo. O governo federal manda o recurso, o governo do Estado pega o recurso e não põe recurso dele, usa o recurso para outra coisa. Isso nós não vamos aceitar. O recurso do Estado tem que estar garantido, tem que haver uma contrapartida e a União soma a recurso os outros.

Folha/UOL: Ministro José Eduardo Martins Cardozo, muito obrigado por sua entrevista à Folha e ao UOL.
José Eduardo Cardozo
: Eu que agradeço, Fernando. É um prazer estar com você.