Advogados dizem que réus do mensalão ligados a Marcos Valério não tinham poder de decisão
O quarto dia do julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília, foi destinado às defesas de réus que tinham ligações com o publicitário Marcos Valério, que, segundo a Procuradoria Geral da República (PGR), era o líder do núcleo operacional do suposto esquema.
Foram defendidos os réus Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos, Geiza Dias e Kátia Rabello --esta última a única que não trabalhava com Valério. Segundo a PGR, os dois primeiros eram sócios de Valério e tiveram participação ativa no mensalão. A mesma acusação recai para Simone e Geiza, funcionárias da agência SMP&B, de Valério.
Já Kátia era ex-presidente do Banco Rural e é apontada pela Procuradoria como responsável por transferir recursos ilegalmente para as empresas de Valério, que depois abasteceram o chamado mensalão.
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Em geral, as defesas insistiram na tese de que os réus que trabalhavam para Valério não tinham poder de decisão, apenas executavam ordens e não sabiam qual era o destino dos saques realizados pelas empresas do publicitário. No caso dos sócios, as defesas ou negaram a sociedade ou alegaram não haver associação com Valério para práticas ilícitas.
O julgamento será retomado amanhã, com a defesa de outros réus. Até agora, dez dos 38 acusados já foram defendidos.
Veja abaixo os principais argumentos apresentados pelos advogados de defesa nesta terça-feira (7).
CRISTIANO PAZ
O advogado Castellar Modesto Guimarães Filho, que defende o publicitário Cristiano Paz, afirmou que seu cliente só atuava na parte de criação nas empresas de publicidade e não se envolvia em questões financeiras e administrativas.
"Sua atividade como homem de criação o impedia de qualquer outra participação na SMP&B. Ele trabalhava na construção de marcas", disse. Para corroborar sua tese, o defensor citou prêmios recebidos pelo seu cliente e um depoimento do também publicitário Duda Mendonça --um dos réus do mensalão--, ratificando o argumento de que quem atua em criação, em geral, não se dedica a outras atividades nas empresas de publicidade.
Paz é acusado de negociar empréstimos e ajudar na distribuição de dinheiro a políticos em troca de contratos de publicidade. Paz também é acusado de ter feito remessa irregular de dinheiro para o exterior, respondendo pelos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, evasão de divisas e peculato.
Caixa dois no mensalão é crime prescrito, diz advogado
ROGÉRIO TOLENTINO
O advogado Paulo Sérgio Abreu e Silva, que defende Rogério Tolentino, sócio de Marcos Valério, ironizou a denúncia apresentada pela PGR, a qual qualificou “de roteiro para novela das oito.” O defensor disse que seu cliente admitiu ter recebido R$ 1,49 milhão da empresa SMP&B em recursos não declarados, prática conhecida como "caixa dois"
"O Rogério me afirmou que recebia honorários da SMP&B no famoso caixa dois, e não contabilizava", disse. O advogado afirmou que alertou Tolentino sobre a ilegalidade da prática. "Caixa dois é perigoso, pode ter ação fiscal e penal depois."
Segundo Abreu e Silva, a PGR foi incluindo, à revelia, nomes na denúncia, até "chegar ao astronômico número de 40 [réus]". "A denúncia formou três quadrilhinhas pra formar o quadrilhão", disse, referindo-se aos três núcleos (político, operacional e financeiro) apontados pela Procuradoria.
Isenção de responsabilidade suscita dúvida; veja análise
Tolentino era sócio das empresas Valério e, de acordo com a denúncia do procurador, negociou empréstimos e ajudou a montar o esquema de distribuição de dinheiro a políticos, para que eles apoiassem projetos do governo federal durante a primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.
Contrariando a denúncia, o advogado afirmou que "Rogério Tolentino nunca foi sócio ou gestor das empresas do corréu Marcos Valério".
SIMONE VASCONCELOS
Leonardo Yarochewsky, que defende a ré Simone Vasconcelos, citou as personagens Nina e Carminha da novela "Avenida Brasil", exibida pela Rede Globo, para criticar o que chama de banalização da acusação de formação de quadrilha, que recai contra sua cliente.
"Até na novela das oito a Carminha disse que ia processar a Nina por formação de quadrilha. É bonito isso, né?", ironizou o defensor. As personagens, antagonistas na trama, são vividas pelas atrizes Débora Falabella (Nina) e Adriana Esteves (Carminha).
Na época do mensalão, Simone era diretora financeira da SMP&B. Ela é acusada de ter distribuído dinheiro e contribuído no esquema ao instruir o Banco Rural acerca do que fazer, além de sacar cheques na boca do caixa e fazer pagamentos pessoalmente.
Para o advogado, sua cliente "deveria figurar, no máximo, como testemunha nesse processo", em razão de não haver provas contra ela. Yarochewsky admitiu que Simone distribuiu dinheiros a parlamentares, mas disse que ela não sabia quem eles eram. "Simone, em momento algum, negou que, a mando de Marcos Valério, entregou várias quantias em dinheiro para vários parlamentares, mas não sabia quem eram esses parlamentares."
O defensor afirmou que muitas vezes a ré só sabia para quem entregar o dinheiro pela descrição de roupas. "É a ignorância política; 80% da população brasileira não se lembra em que votou nas últimas eleições."
O advogado confirmou denúncia da PGR ao dizer que Simone chegou a usar carro-forte para sacar o dinheiro, por uma questão de segurança. "As saidinhas de banco acontecem toda hora. (...) Nao há nada de anormal nisso."
QUESTÃO DE ORDEM
Após as três primeiras sustentações orais, antes de um intervalo de 30 minutos, a ministra Cármem Lúcia teve que deixar o julgamento para comparecer a uma sessão no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), presidido por ela.
Na volta do intervalo, o advogado José Carlos Dias pediu a suspensão do julgamento e a retomada da sessão amanhã (8), alegando que a ausência da ministra prejudicaria sua sustentação. O pedido foi indeferido por unanimidade pelos ministros, que justificaram a decisão argumentando que a ministra se dispôs a assistir as gravações das sustentações.
O indeferimento incomodou advogados presentes na sessão. Marcelo Leonardo, que defende Marcos Valério, afirmou que “parece que o STF está mais preocupado com o cronograma do que com a garantia da Constituição”.
O ex-ministro da Justiça e advogado do réu José Roberto Salgado, do Banco Rural, Márcio Thomaz Bastos concordou com o colega. “Mas acho que a gente tem que se preocupar muito mais com a Constituição do que com o cronograma". Bastos será o primeiro a fazer a sua sustentação oral amanhã (8).
GEIZA DIAS
O advogado Paulo Sérgio Abreu e Silva também defendeu Geiza Dias dos Santos. Ele disse que sua cliente era uma “funcionária mequetrefe” na agência MP&B. “Geiza era uma funcionária mequetrefe. Ela era do terceiro escalão, uma batedeira de cheque”, disse o advogado. O argumento de Abreu e Silva é de que Geiza era apenas uma funcionária na agência e, portanto, não tinha participação no mensalão.
Na época do escândalo, Geiza era gerente financeira da agência SMP&B e subordinada a Simone Vasconcellos. Ela afirma que seu trabalho incluía realizar saques e fazer reservas para saques em espécie e nega que soubesse do acordo entre os sócios da agência e o PT.
“Por que ela iria se meter nessa aventura? A falta de sensibilidade da acusação é muito grande", afirma o advogado, que disse ainda que "o procurador [Roberto Gurgel] não sabe redigir uma denúncia."
Segundo Abreu e Silva, Geiza teve que se mudar de Belo Horizonte para Goiás após surgir as acusações contra ela. “Ela foi escorraçada pela família. Os familiares não admitiam a presença dela [em BH]”, disse.
KÁTIA RABELLO
O último advogado a falar na sessão de hoje foi o advogado José Carlos Dias, que defende Kátia Rabello. Ele negou a existência de uma quadrilha que atuava no suposto esquema do mensalão e que sua cliente tivesse conhecimento de operações ilegais apontadas pela Procuradoria.
"É uma quadrilha em que muitos quadrilheiros não se conhecem", afirmou. Segundo a Procuradoria, Rabello teria usado o cargo para conceder empréstimos sem as garantias exigidas e, junto a outros três réus, é acusada de ter disponibilizado ao suposto esquema do mensalão a quantia de R$ 32 milhões. Ela responde por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta de instituição financeira.
O advogado defendeu que seria impossível a então presidente do Banco Rural saber que empréstimos estavam sendo feitos. “Ela não teve nenhuma participação da concessão dos empréstimos.”
Ainda de acordo com Dias, Kátia não esteve presente quando esses empréstimos foram firmados. "Ela participou unicamente da renovação de um empréstimo para o PT. (...) O empréstimo foi quitado em condições normais, com cobrança de juros."
Sobre a acusação de lavagem de dinheiro, Dias disse que "há erros de conceitos técnicos". "A denúncia descreve a operação com recursos que estavam no sistema financeiro, que eram esfriados por meio de saques", afirma. No entanto, segundo ele, a denúncia não comprovou a origem ilícita dos recursos. "É difícil compreender o que o Ministério Público pretendeu. A lavagem cobriria a gestão fraudulenta?", indaga. Ele diz que o Ministério Público ignorou laudos técnicos, que provariam que os empréstimos eram lícitos.
Análise
O presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB-SP, Adib Kassouf Sad, que acompanhou o julgamento do mensalão na redação do UOL nesta terça-feira (7), afirmou que a estratégia da defesa de alguns dos réus do processo de alegar caixa dois faz parte de uma tentativa de remeter o caso à Justiça eleitoral.
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"Se houvesse uma mudança brusca de entendimento, a maior parte ou a totalidade desses crimes estaria prescrita, ou seja, a própria ação morreria a partir de agora", disse Sad.
O advogado afirmou ainda que a tese da defesa de que os réus que trabalhavam para Valério não tinham poder de decisão "suscitam a dúvida no espírito dos juízes". Segundo ele, o STF terá que decidir se "as pessoas participavam de um esquema, se esse esquema não existia ou, se existia, se as pessoas participavam efetivamente dele".
Sad destacou a ausência da ministra Cármem Lúcia na segunda parte do julgamento –a ministra se ausentou alegando um compromisso no Tribunal Superior Eleitoral, do qual é presidente, e sua ausência rendeu um pedido de adiamento por parte dos advogados. "A ausência de um ou de alguns dos ministros traz um prejuízo à qualidade do julgamento”, opinou Sad.
Primeiro dia de defesas
Nesta segunda-feira (6), o primeiro dia dedicado às defesas dos réus do mensalão, cinco advogados foram à tribuna do STF para defender José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério e Ramon Hollerbach.
Os defensores negaram a existência do mensalão e questionaram as provas apresentadas pela Procuradoria. Alguns deles chegaram a admitir que houve prática de caixa dois pelos acusados.
Entenda o dia a dia do julgamento
Entenda o mensalão
O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus, incluindo membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.
O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.
O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.
*Colaboraram Fabrício Calado e Guilherme Balza, em São Paulo
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