Leia a transcrição da entrevista de Luís Inácio Adams à Folha e ao UOL
Luís Inácio Adams, advogado-geral da União, participou do "Poder e Política", projeto do UOL e da Folha conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 10.ago.2012 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.
Leia a transcrição da entrevista:
Luís Inácio Adams – 10/8/2012
Narração de abertura:O ministro Luís Inácio Lucena Adams tem 47 anos. Foi nomeado advogado-geral da União em 2009 pelo ex-presidente Lula. Ocupou vaga deixada por José Dias Toffoli, que se tornou ministro do Supremo Tribunal Federal.
Adams é formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul. Especializou-se em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Funcionário de carreira, Luís Inácio Adams é procurador da Fazenda Nacional desde 1993. Em 2006 tornou-se Procurador-Geral do órgão. Outro cargo que teve no governo federal foi o de secretário executivo adjunto do Ministério do Planejamento.
Na gestão de Dilma Rousseff, Adams é um dos ministros mais próximos à presidente. É cotado para assumir uma vaga de ministro do STF.
Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um "Poder e Política – Entrevista".
Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. E a gravação é sempre realizada aqui no estúdio do Grupo Folha em Brasília.
O entrevistado desta edição do Poder e Política é o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.
Folha/UOL: Muito obrigado por sua presença aqui. Eu começo perguntando: todas as greves de servidores públicos federais no momento são ilegais?
Luís Inácio Adams: Não, não são ilegais. As greves têm uma legitimidade constitucional. Elas têm uma autorização legal. Agora, as greves têm que atender e garantir os serviços essenciais e inadiáveis.
Folha/UOL: Nesse sentido elas ferem a lei?
Luís Inácio Adams: Nesse sentido elas ferem a lei. Quando a greve não garante a continuidade desse serviço inadiável, ela está ferindo a lei e está permitindo que o Estado tome ações.
Folha/UOL: Tem alguma greve de algum setor público federal que está atendendo esses requisitos de cumprir minimamente os serviços públicos que têm que ser oferecidos?
Luís Inácio Adams: Hoje não. Na nossa avaliação, não. Nós temos buscado no judiciário a decisão para garantir essa complementariedade. Ontem de noite mesmo, o STJ [Superior Tribunal de Justiça] concedeu uma liminar pedida pela AGU para garantir que nos portos e aeroportos do país, os fiscais agropecuários se façam presentes em 100% das unidades. É que tem um ponto diferente da greve no setor privado. No setor privado, a greve visa garantir o quê? O patrimônio. Fundamentalmente, o patrimônio. Por isso que o TST [Tribunal Superior do Trabalho] fixou uma média de 30% de presença. No serviço púbico, não. A garantia é de prestação de serviço público inadiável. Para esta função, para esta finalidade, não basta 30%. O STJ tem, reiteradamente desde 2010, determinado presença de 70%, 100%. No caso da do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] foi 100%. Agora, a dos fiscais foi 100%. Nessas funções que representam atividade inadiável da sociedade.
Folha/UOL: Agora, nesse sentido, o sr. diz, todas as greves são legais porque é um direito do servidor fazer greve, está na Constituição. Por outro lado, todas elas, em certa medida, desrespeitam os preceitos legais que estão por trás desse direito. Então, em certa medida, todas têm um pouco de ilegalidade?
Luís Inácio Adams:Sim. Nesse sentido, sim. Quando eu falo ilegalidade, eu estou dizendo que a greve contém alguns requisitos para ela, como greve, como decisão de greve, ser considerada ilegal. Em geral, o judiciário não tem entendido essas ações de paralização como ilegalidade. Agora, existem ações durante a greve que são ilegais. Então, essas ações, nós reagimos contra elas. Garantia de serviço essencial inadiável, garantia de presença e impedir que, por exemplo, piquetes impeçam a presença do servidor. Nós vemos um caso no TSE em que os servidores botaram um cadeado para impedir a abertura de portas. Isso é ilegal. O direito do indivíduo de não se fazer presente existe e a Constituição garante. Porém, ele não pode conduzir e forçar fisicamente com outro indivíduo que quer se fazer presente não possa.
Folha/UOL: Mas, ministro, o governo teria demorado um pouco demais para agir em relação a essas greves que se alastraram pelo país?
Luís Inácio Adams: Eu não digo que o governo demorou. O que acontece é o seguinte, Fernando: a greve está prevista na Constituição como direito. Então, nós não podemos simplesmente chegar e reagir a elas de maneira atribulada, atropelada e etc.
Então, tem um processo de conversa e o governo entabulou em várias esferas negociações, entendimentos, conversas procurando solucionar e desmobilizar a própria situação de breve.
A maioria das greves que nós estamos enfrentando hoje são recentes, nós estamos falando de duas semanas. A greve mais antiga que nós temos de fato é a greve dos professores, em que houve um processo de negociação. O governo fez um esforço de negociação e chegou, inclusive, a um acordo com parte do setor dos professores que aderiram e aprovaram a solução que foi apresentada. Aprovaram a proposta apresentada.
Agora, outros setores mais recentes já vinham em processo de negociação, inclusive para desmobilizar essa greve. Agora, acontece o seguinte, na medida em que as greves vão acontecendo e elas afetam a atividade essencial e inadiável do Estado, aí o governo reage. Reage como? Reage admitindo o compartilhamento de entidades com entes federativos. Reage com as ações na Justiça. Reage procurando internamente, a partir dos seus procedimentos administrativos, minimizar os efeitos da greve para esse serviço. Que, em última análise, é um serviço que o cidadão mais precisa.
Folha/UOL: A Constituição de 88 inclui o direito de greve para os servidores públicos federais. Mas não há uma lei até hoje regulamentando em detalhes como deve ser exercido esse direito. O sr. faz parte de um governo que já está aí há quase 10 anos a frente do país. Não seria o caso de esse governo patrocinar de uma vez uma iniciativa de ter essa lei para regulamentar o direito de greve? Por que o governo não fez isso ainda?
Luís Inácio Adams: Existem projetos, inclusive projeto em tramitação no Congresso. A questão é que esse debate é um debate extremamente complexo e difícil. Por quê? Porque exatamente no serviço público existe uma distinção, entre a atividade ou quem é que a greve prejudica, do setor privado.
No setor privado, o prejudicado... o prejuízo não é dirigido à sociedade, mas ao patrão. A quem é o proprietário daquele patrimônio, daquela indústria, daquele serviço, que obtém lucro em relação àquilo. Em relação ao dano econômico.
No âmbito do Estado, o dano é para a sociedade. Ou seja, o prejuízo não é dirigido ao governo, o governo não tem lucros. Ele não tem ganhos patrimoniais decorrentes dessa atuação, ou não, do Estado. O que o governo tem é uma responsabilidade com a sociedade e a greve se dirige, infelizmente, contra a sociedade.
Então o que acontece é que essa discussão se torna muito mais complexa pela diferenciação que existe. Politicamente complexa.
Agora, o que é fundamental é o seguinte: nós não estamos numa situação de ausência normativa que aconteceu até o julgamento dos mandados de injunções pelo Supremo. Hoje nós temos um parâmetro legal. Que é o parâmetro da lei de greve, que é aplicada hoje.
Por exemplo, desconto de salário. Até o Supremo julgar aquela questão do mandado de injunção, aplicando essa lei ao setor público, havia uma regra geral de entender que não podia descontar salário.
Folha/UOL: Hoje, todos os servidores públicos federais podem ter a expectativa de que esses dias que eles pararam [em greve] serão descontados dos salários?
Luís Inácio Adams: Mais que a expectativa, vão ser descontados!
Folha/UOL: Todos?
Luís Inácio Adams: Tenha a certeza! Os servidores em greve, no período em que permanecerem em greve, terão seus salários descontados.
Folha/UOL: Inclusive os professores das universidades públicas federais?
Luís Inácio Adams: Inclusive professores de universidades públicas federais. Agora, nas universidades nós temos um problema específico que decorre da realidade das universidades. As universidades públicas em geral têm suas reitorias eleitas. E nessa eleição, os reitores acabam adotando postura de não informar as ausências decorrentes de greve.
Folha/UOL: Como contornar esse problema?
Luís Inácio Adams: Pega a UnB aqui. A UnB deliberou isso.
Folha/UOL: E como se contorna esse problema?
Luís Inácio Adams: Eu entendo, e isso é um risco que vai ter que ser apurado adiante, que esses reitores, ou esses agentes, estão em situação de improbidade.
Folha/UOL: Os reitores?
Luís Inácio Adams: Eles estão. Porque...
Folha/UOL: A quem vai caber denunciá-los?
Luís Inácio Adams: Isso vai ter que ser apurado pelo TCU, pela CGU [Controladoria-Geral da União] e pelo próprio Ministério Público Federal, que tem essas incumbências.
Agora, por que eles estão [cometendo improbidade administrativa]? Porque o desconto é um dever do administrador. Não é um direito, não é uma faculdade. “Eu desconto ou não desconto?”. A faculdade que a greve oferece, que a lei oferece, é negociar os dias parados. Essa é uma faculdade que é dada no processo negocial de encerramento de greve. Agora, o pagamento de salário, na medida em que está [havendo] uma situação de greve, é um dever do administrador. É uma obrigação legal. Por quê? Porque a lei de greve diz claramente: “a situação de greve implica na suspensão da relação de trabalho”. Essa suspensão significa o quê? Que o servidor não está obrigado a prestar o serviço, a trabalhar...
Folha/UOL: Mas também não recebe.
Luís Inácio Adams: Mas também o patrão não está obrigado a pagar. Essa é uma jurisprudência pacífica do TST. Já é uma jurisprudência pacífica do STJ. Tanto que nós temos, reiteradamente, nessas eventuais liminares que acontecem para impedir desconto, nós temos conseguido barrar [as liminares] nos tribunais.
Folha/UOLEntão, vamos lá, quantas são as universidades federais? 53, não é isso? [Em] todas as universidades federais, os seus reitores estão correndo risco de serem responsabilizados com...
Luís Inácio Adams: Naquelas em que não há o desconto dos salários...
Folha/UOL: Algumas já descontaram?
Luís Inácio Adams: Ah... não sei lhe informar, não tenho essa informação. Entendo que algumas devem ter sim...
Folha/UOL: Mas as que não fizeram?
Luís Inácio Adams: As que não fizeram desconto, aqueles agentes que colaboraram para evitar o desconto podem ser responsabilizados.
Folha/UOL: A frente, sobretudo, o reitor, não é?
Luís Inácio Adams:É.
Folha/UOL: E daí, caberá, o sr. diz, ao Ministério Público mas também a órgãos da administração e controle, como a CGU?
Luís Inácio Adams:Claro. Porque isso é uma obrigação. É dever legal.
Folha/UOL: E do ponto de vista da aposentadoria? Os funcionários públicos, nós nos acostumamos no Brasil, todo ano tem um tipo de greve. No final da carreira, esses meses, às vezes anos parados, se somados todos os períodos, contam para aposentadoria ou não, na sua opinião?
Luís Inácio Adams:O processo de contagem para aposentadoria estabelece pelo período de contribuição e tempo de atividade. A ausência justificada conta no período de aposentadoria.
Folha/UOL: E a greve?
Luís Inácio Adams: Isso inclui a greve. Esse efeito, a greve... Não me parece que ele gere esse efeito de...
Folha/UOL: Mas o sr. acha correto que seja assim? Todo ano fica dois, três meses de greve, às vezes. Daí, chega ao final da carreira, deu três, quatro anos de greve.
Luís Inácio Adams:Perfeito. Podem acontecer situações. Eu acho que nós temos que calibrar o direito de greve. Que é um direito, Nós não podemos também dizer que não existe o direito, tá certo? Existe um direito. Com consequências jurídicas na vida profissional daquele agente. O direito de greve é uma ausência justificada. Que leva, como consequência, o não pagamento do salário. Mas, como ausência justificada, ela tem limites no que pode alcançar. Por exemplo, você não tem abandono de emprego. O servidor que se ausenta 30 dias dos serviços injustificadamente é afastado do serviço público por abandono. Ele perde o cargo. No caso da greve, não. Na greve ele não tem a situação de abandono de emprego. Então, tem alguns efeitos...
Folha/UOL: Mas, ainda assim, ele não trabalhou.
Luís Inácio Adams:Ainda assim, não trabalhou. Mas, aí, você não pode, eu acho, dar alcance a determinados efeitos jurídicos que acabem no...
Folha/UOL: Que parece que a lei de greve no setor privado diz que, para todos os efeitos trabalhistas, ficam suspensos...
Luís Inácio Adams:Suspende a relação de trabalho.
Folha/UOL: Suspende a relação de trabalho. Agora, quando suspende a relação do trabalho, não suspende, também, para efeito de aposentadoria, na iniciativa privada inclusive?
Luís Inácio Adams: Mais ou menos. Porque na verdade, o seguinte: se o processo, trabalho, vem com uma compensação remuneratória, o que considera para efeito de aposentadoria? O tempo de contribuição. Então, se ele recebeu o salário e contribuiu, aquilo é contabilizado.
Folha/UOL: Agora, tudo isso pode ser dirimido nessa lei que eventualmente seja aprovada pelo Congresso. No Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff conversa com o sr. sobre, enfim, fazer de uma vez, patrocinar alguns dos projetos em tramitação no Congresso para que saia essa lei de uma vez?
Luís Inácio Adams:Nesse momento, o nosso foco... Porque a lei é uma coisa que se revolve a médio prazo. Então, assim, o foco do governo, nesse instante são as situações de greve nesse momento. Então, todas as nossas conversas que temos travado sobre isso estão focadas nessas questões. Eu acho que essa questão específica da Lei Greve é indispensável. Ela tem se mostrado cada vez mais necessária. Mas é um debate que o Congresso também tem que amadurecer. Ele tem que criar um consenso sobre isso.
Folha/UOL: Essa legislação poderia deixar claro que alguns setores como Forças Armadas, Polícias Militares, Civis, servidores do serviço público de saúde tivessem condições mais restritas para fazer greve ou nem fazer greve de uma forma geral. Qual a sua opinião sobre esses setores mais essenciais?
Luís Inácio Adams: Eu acho que, nesses setores, tem que ser mais restrito sim.
Folha/UOL: Eles podem fazer greve? Forças Armadas podem fazer greve?
Luís Inácio Adams:Não, Força Armada não pode fazer greve.
Folha/UOL: Polícia Militar e Civil?
Luís Inácio Adams: Polícia Militar e Civil são considerados servidores civis. Estão abrangidos, em princípio, pelo exercício do direito de greve. Não tem sido considerada ilegal a greve nessas áreas.
Agora, a lei de greve ela pode, e deve considerar, digamos assim, limitar ao extremo o exercício do direito de greve. Por exemplo, não tem sentido greve de Polícia Civil. Por quê? Porque a Polícia Civil é, basicamente, uma polícia judiciária. Então, como é que você vai fazer greve? Aconteceu um assassinato. Você não vai investigar o crime? “Não, eu estou em greve”. É um absurdo!
Folha/UOL: Agora, como é que resolve isso?
Luís Inácio Adams:Outra coisa. Polícia Civil é uma polícia armada. Então, a arma é limitador porque ela gera, ela obriga maior responsabilidade.
Folha/UOL: Então, não pode fazer greve o policial civil? Ou pode?
Luís Inácio Adams: Entendo que a greve, se ocorrer, ela corre em setores muito limitados. Setores administrativos, setores muito específicos. A greve generalizada, como é o parâmetro como tudo conhece, ela não pode acontecer na Polícia Civil.
Folha/UOL: E nas militares, nos Estados?
Luís Inácio Adams:Não. Com certeza não.
Folha/UOL: Não pode?
Luís Inácio Adams:Com certeza não.
Folha/UOL: E no caso dos serviços públicos de saúde? Como deveria ser a regra que fosse justa para garantir o direito de protesto, de greve, mas que também garantisse os serviços à população?
Luís Inácio Adams:Olha, eu entendo que não é aceitável greve em emergência do hospital. Não é aceitável em outros setores essenciais. Atividades, por exemplo, que envolvam campanhas nacionais de vacinação, que envolvem proteção à sociedade. Não é aceitável esse tipo de greve.
Folha/UOL: Mas poderiam fazer 100% proibido de greve?
Luís Inácio Adams: Eu acho que tem que ter 100%.
Folha/UOL: Como é que protestaria o funcionário público desse setor se ele não pode fazer greve?
Luís Inácio Adams:O servidor público... Esse é um ponto que eu acho interessante. Pela situação de ser servidor público, ele tem um acesso as decisões de Estado que em geral outros setores não têm.
Folha/UOL: Tem estabilidade no emprego, por exemplo?
Luís Inácio Adams: Tem estabilidade, não é só isso. Ele tem acesso. Por exemplo, os sindicatos têm acesso. Eu recebo, como ministro de Estado, reiteradamente as representações sindicais das categorias da advocacia pública e do setor de apoio da Advocacia-Geral da União. Quer dizer, quantos setores da sociedade tem esse tipo de acesso? Eles têm um acesso não direto, indireto com a própria presidente da República. Porque eu converso com a presidente da República. Eventuais preocupações que eles me trazem eu retransmito para a presidente. Então, eles têm acesso ao núcleo da decisão estatal que outros setores da sociedade, no setor privado não têm. Não tem esse tipo de acesso com essa facilidade.
Folha/UOL: Mas do que adianta o acesso se, às vezes, as reinvindicações não são atendidas? E aí, é o que vão dizer, talvez, os funcionários públicos. Como é o que o sr. responderia isso?
Luís Inácio Adams: O Estado, enquanto ente, ele se sustenta numa base de racionalidade. Então, as escolhas que o Estado faz são as mais plurais e complexas possíveis. Ela tem que entender, por exemplo, no ponto de vista orçamentário, o Estado não é um arrecadador para si. É um arrecadador para serviços e relações estatais. Eu vejo uma coisa... Por exemplo, eu acho um verdadeiro absurdo, mas eu vejo esses argumentos, por exemplo: da administração tributária. “A administração tributária tem que ser atendida porque a administração tributária arrecada tanto. Ela dá lucro”. Isso é um argumento que não existe. A administração tributária não arrecada para si, ela arrecada para o Estado. Ou então eu vejo: “O poder judiciário tem que ser atendido porque ele arrecada tanto em execuções fiscais”. Ou outra. Porque o poder judiciário não existe para arrecadar. O poder judiciário existe pra julgar. A arrecadação não é uma meta do poder judiciário. Ele é uma decorrência da ação, bem associada, mas não é uma meta do poder judiciário, não é um objetivo do poder judiciário. Então, o processo de arrecadação é um processo que não pode ser apropriado para esses fins. O que o Estado tem que valorizar é ele tem que criar parâmetros de renumeração fundados na meritocracia. Isso é um parâmetro de racionalidade que tem que presidir as relações. A relação que o servidor tem que ter com o Estado como um todo, com o governo, é pautado nessa relação de racionalidade. Que não é, meramente, uma relação de força. Porque a greve é uma relação de força. “Eu não tenho o que eu quero, então eu paro de trabalhar para forçar o meu patrão a atender o que eu quero”. Então é uma relação de força. Que permite também, do outro lado, o patrão tomar medidas que sejam garantidas em lei. No caso do Estado, a relação é uma relação baseada em outros parâmetros. Porque o servidor se pauta pela Lei, pela atuação estatal regulada em lei. Ele não tem a liberdade de escolha como tem qualquer servidor privado, um empregado de uma empresa que tem uma relação muito mais fluida e baseada numa relação contratual. É uma relação pautada na lei. E essa lei se pauta em uma racionalidade administrativa, numa meritocracia administrativa. Então, assim, o servidor público tem que apresentar o maior nível de racionalidade dessa relação. O que a gente não vê nesses processos. Por quê? Porque se você for ao setor privado, as greves no setor privado são de três dias, um dia. Greve de uma semana não existe no setor privado mais. O setor público fica [em greve por] meses. Por quê? Porque as garantias que a Constituição dá ao servidor público que, em última análise, são garantias que visam garantir uma estabilidade estatal são usadas para os fins de pressionar.
Folha/UOL: O sr. tocou num ponto super importante porque os brasileiros todos ficam assistindo as greves e se perguntam exatamente isso. Como é possível ficar um, dois, três meses em greve e aparentemente nada acontecer. A gente sabe que estão havendo negociações, mas, para efeito geral, a população olha e estão parados. Como é que se faz para parar isso?
Luís Inácio Adams:Primeiro: um passo importante foi dado pelo Supremo no julgamento dos mandados de injunções, nos três mandados de injunções, que criou um marco normativo para regular as greves no Brasil no setor público.
Folha/UOL: Explique, em linhas gerais, quais são esses marcos normativos que foram garantidos pelo Supremo.
Luís Inácio Adams:Garantir o desconto de salário. Permitir que nos serviços essenciais como, por exemplo, está no artigo XII da lei de greve, permitir que o estado possa suprir por outros meios aqueles serviços essenciais inadiáveis, que legitima e garante o decreto 777, que a presidente adotou.
Folha/UOL: Esse decreto é recente?
Luís Inácio Adams: Esse decreto é recente.
Folha/UOL: Que garante, só para deixar claro aqui, que entes estaduais ou municipais assumam algumas funções que seriam prestadas pelos servidores federais, certo?
Luís Inácio Adams:Isso mesmo. E serviços que são dirigidos à sociedade e são inadiáveis.
Folha/UOL: Isso está funcionando?
Luís Inácio Adams: Isso está funcionando. Não que seja fácil. Porque, de fato, existe um descompasso de realidade entre o Estado e a União. Mas o esforço que o governo tem feito de fechar o convênio com o Estado, trazer servidores, fazer um treinamento mínimo, porque esses compassos não é um abismo. Porque, por exemplo, vigilância sanitária. Vigilância sanitária no âmbito federal, quando diz competência técnica é equivalente no Estado. Eles só vêm em momentos diferentes, mas os dois vêm com a mesma formação acadêmica, com a mesma formação profissional, etc. Têm variações de conhecimento em legislação específica e etc. Então, isso está sendo implementado e suprido. Não é fácil porque existem alguns gaps que tem que serem supridos. Mas está acontecendo.
Folha/UOL: Isso que eu ia dizer. Porque, não obstante essas decisões do Supremo favoráveis a conter o efeito das greves, o efeito continua a existir e as greves continuam longas. Que mais poderia ser feito para evitar esse tipo de situação?
Luís Inácio Adams:Eu acredito que essa experiência que nós estamos tendo hoje, elas afirmam como parâmetro de atuação estatal e de atuação dos servidores da greve. Que não exista. Eu volto a insistir: até o Supremo ficar com o julgamento, não existia nenhum parâmetro que regulasse esse processo. Fazia com quê? Era comum liminar para impedir desconto. Havia mesmo. Mesmo agora teve liminar para impedir desconto de salário. Eram comum liminares que criavam barreiras a qualquer ação estatal, impedindo. Eu me lembro que no governo Fernando Henrique, em 2001 teve duas grandes greves na previdência e dos professores, que já estavam há meses acontecendo, e o presidente Fernando Henrique, na época editou um decreto dizendo que o desconto salarial era uma decisão do ministro de Estado. Por que ele não tomou a decisão? Porque havia previsões de liminares da primeira instância e, com aquela decisão, o foro foi para o STJ.
Folha/UOL: Entendi.
Luís Inácio Adams:Outra coisa que o Supremo decidiu. Greves nacionais são deliberadas pelos órgãos de abrangência nacional, portanto, é o STJ que decide greve. Não é primeira instância. Não é o Tribunal Regional. Isso é importante, por quê? Porque uniformiza a jurisprudência. Porque cria uma base sólida de aplicação da lei. Então, esse processo está em curso. Hoje nós temos com uniformidade, com clareza, que, em áreas essenciais do Estado que são indispensáveis, com os serviços sendo inadiáveis para o cidadão, não pode acontecer ou, se pode acontecer, a limite muito pequeno.
Folha/UOL: O sr. poderia citar as principais áreas e como seria esse limite? Então vamos lá: Polícias.
Luís Inácio Adams:Vamos dar umas decisões. No caso dos ficais agropecuários. 100% em portos e aeroportos. Não pode ter nenhuma ausência em portos e aeroportos. Anvisa: 70% de presença em cada unidade. Justiça Eleitoral... Chegou a ser 100% de presença em vários setores essenciais. Na época, inclusive, era época de receber registro eleitoral de candidatos. Eu acho, inclusive, que em determinados momentos, nessas situações sequer pode haver greve. Eu disse no passado uma vez e repito: Eu acho que existem funções de Estado, situações em que a sociedade está envolvida em que um direito individual tem que ser subordinado. Então, por exemplo, eleição. É legítimo uma greve impedir eleição no Brasil? É legítimo uma greve paralisar o processo eleitoral e tornar impossível a escolha prefeitos, de presidente da República? Não, não é possível. Porque aí nós estamos subordinando a sociedade a um direito particular.
Folha/UOL: Não seria necessário, então, reformar a Constituição? Porque a Constituição não entre nesse detalhe. Ela diz que eles têm o direito a fazer greve.
Luís Inácio Adams: Eu acho que a Constituição é explícita, por exemplo, quando ela diz que a democracia é fundamento da nossa sociedade e a expressão maior da democracia é a eleição.
Folha/UOL: Mas, por outro lado, em outro artigo diz que pode fazer greve.
Luís Inácio Adams:Mas é uma escolha de valores. É uma escolha de fixar valores. Eu acho que a Constituição... Porque a gente não pode jogar tudo para a Constituição. A Constituição, a nossa Constituição Federal é uma das mais extensas do mundo. É extensa até o exagero. Agora, essa Constituição, ela reserva um processo de decisão por legislador ordinário. Então, assim, essa escolha do que é relevante para a sociedade. A eleição ou a greve? Essa escolha é dada ao legislador. Eu entendo que a primazia constitucional, o valor fundamental é a preservação da democracia. A Constituição não diz que a greve vale mais do que qualquer coisa. A Constituição tem uma prioridade de direitos e o Supremo está toda hora equilibrando esses direitos. Nós temos conflitos de maior diversidade, por exemplo, nós temos um conflito hoje dado na sociedade entre os direitos dos quilombolas e o direito ambiental. Existem comunidades quilombolas que se sobrepõe a áreas de preservação ambiental exclusivas. Qual é o direito fundamental aqui, como é que você equilibra esses dois direitos? A Constituição não diz. O legislador que tem que dizer e, na ausência do legislador, que o judiciário vai resolver. Então, o fato é que existem valores que são considerados importantes para a sociedade, inclusive fundamentais, mas que tem que serem equilibrados. E esse equilíbrio implica, sim, em impor limitações, seja no exercício do direito, seja em momentos em que esse direito pode ser exercido, pode ser realizado.
Folha/UOL: A esta altura dos movimentos todos, grandes, a presidente Dilma Rousseff tem requerido do sr., da Advocacia-Geral da União, alguma ação extra além das que já foram feitas?
Luís Inácio Adams: Não. Do ponto de vista da atuação da Advocacia, nós temos tomado todas as ações que foram possíveis tomar nesse momento.
Folha/UOL: O que se diz é que o governo demorou a estabelecer negociações de fato que pudessem ser exitosas. O sr., como integrante do governo, enxerga esse problema também?
Luís Inácio Adams:Não, eu acho que o processo seria um processo difícil. O que o governo fez foi, primeiro, respeitando também o direito que existe dos trabalhadores, de negociar, de buscar entendendo e apresentar a realidade. Apresentar a sua realidade, a sua disponibilidade. E o governo diz que nós temos a necessidade de garantir que o Brasil mantenha um padrão de crescimento. Garanta emprego a toda a sociedade. Principalmente em face de uma crise internacional que se agrava, digo assim, em parâmetros não certos, não claros. É uma crise que afeta o Brasil, tem afetado o Brasil. Não nas dimensões que afetam os países. O Brasil tem sido largamente preservado, nós não sentimos ela como acontece [em outros países]. Nós temos uma taxa de desemprego muito pequena, nós temos [taxa de] desempregos de 20% de países centrais. Mas, ao mesmo tempo, o Brasil tem que estar preparado para isso. Outra coisa, essa realidade tem repercutido na arrecadação orçamentária, na arrecadação fiscal. Nós temos visto isso, falado isso. Então, não há uma realidade de existir uma margem ampla de recomposição como se pleiteiam os sindicatos. Os sindicatos vêm com pleitos absolutamente irreais. Pensar em alocar R$100 bilhões hoje para o funcionalismo é irreal.
Folha/UOL: Queria fazer um sobrevoo rápido por uns dois ou três assuntos antes que a gente termine. O sr. convive agora com a presidente da República, Dilma Roussef. Conviveu com o ex-presidente Lula também. Alguma diferença que o sr. poderia apontar no estilo dos presidentes, Lula e Dilma.
Luís Inácio Adams: Eu acho que os dois, nas suas qualidades, exercem uma enorme liderança. O presidente Lula, eu acho, é uma figura impactante no nosso cenário, na nossa história. Porque o presidente Lula vem numa trajetória política muito intensa. Uma trajetória de liderança em várias esferas. Sindical, política... Construiu um partido que é um dos maiores partidos do Brasil hoje. Se tornou líder. Exerce ainda essa liderança no partido. Ele é, digamos assim, se me permite uma expressão, um animal político, uma força política muito grande. A presidenta Dilma vem de uma trajetória de dentro do Estado. Ela é um agente político que se forma dentro da atuação estatal e executiva. E como um ator político forte, ela traz uma preocupação muito grande, muito efetiva com melhor estruturação, com o aprofundamento de ações estatais, com qualidade estatal. Eles são atores que atuam e se formaram em características diferentes, mas são lideranças políticas muito fortes. E eu, em relação aos dois, tenho, não só o maior respeito porque trabalhei com os dois, tive oportunidade de trabalhar, de conhecê-los e acompanha-los pessoalmente e ver o quanto eles tem se dedicado, os dois tem se dedicado a mudar a realidade do Brasil.
Folha/UOL: Qual a frequência do seu contato com a presidente Dilma no momento, no sistema de trabalho, da rotina?
Luís Inácio Adams:Semanal. A presidente, para assuntos diversos eu tenho sido mandado. Mais em reuniões individuais, coletivas com outros ministros mas aí tem outros assuntos.
Folha/UOL: A Advocacia-Geral da União teve o ministro Gilmar Mendes, que está no Supremo hoje, tem o ministro Dias Toffoli, que está no Supremo hoje, foi à AGU também. O sr. acha que o sr. é, como vem sendo dito, um dos candidatos possíveis a ser indicado ou nomeado para o Supremo Tribunal Federal?
Luís Inácio Adams: Eu acho a posição é que é candidata, não a pessoa. Porque o advogado-geral sempre é uma figura que tem uma importância dentro do governo. Seja ele quem for. Quando era o ministro Álvaro [Augusto Ribeiro Costa], lembro-me que se falava, não com tanta intensidade, mas se falava também que ele poderia ser indicado para o Supremo.
Acontece que, na tradição do Supremo Federal, eu percebi que o fato de você ter atuado dentro do governo te coloca, naturalmente, numa posição possível de ser cogitado para essa função.
Vamos ver umas figuras que foram nomeadas, grandes figuras: [Nelson] Jobim, o ministro Celso de Mello, o Gilmar, o Toffoli, entre outros. Todos eles são figuras que tiveram atuação estatal e pela atuação estatal alcançaram essa posição.
Então, digo assim, o cargo faz com que você seja cogitado. Não quer dizer que você seja o cogitado. Você, o indivíduo. Então, não sei como é que...
Folha/UOL: Ao sr. agrada a ideia, evidentemente?
Luís Inácio Adams: Eu não sei. É complexo porque eu vou dizer o seguinte: é uma outra realidade. Eu sou um advogado. Eu me criei como advogado. Eu gosto dessa... Eu me lembro, só para contar um comentário que o Gilmar [Mendes] fez uma vez pra mim quando ele assumiu no Supremo.
Eu estava na AGU, ele me ligou para perguntar uma coisa e eu perguntei para ele: “Como está aí, ministro? Está bem, no Supremo?”. “Não, aqui é mais tranquilo. Mas eu sinto falta da adrenalina”. Porque a atividade de advocacia é uma atividade sempre desafiante. Ela te coloca questões que são extremamente difíceis de serem resolvidas. E que exigem de você uma qualidade e uma disposição de assumir decisões que são, muitas vezes, decisivas para o Estado. E, no caso, para o seu cliente. Então, essa realidade é muito gratificante para quem está nela.
Eu gosto de ser advogado-geral da União. Eu tenho um prazer enorme em ser advogado-geral, mas sou advogado público. Atuo nisso, como advogado de carreira, em torno de quase 20 anos e, nessa atuação eu estive em todas as suas fases um Estado muito...
Folha/UOL: A presidente Dilma chegou a comentar sobre esse assunto com o sr. já alguma vez?
Luís Inácio Adams: Não, ela trata dos assuntos quando tiver a disponibilidade. Não, não tratou não.
Folha/UOL: Nós estamos assistindo, no Brasil todo, um julgamento muito rumoroso no Supremo Tribunal Federal. [É] a chamada Ação Penal 470, também conhecida como mensalão. Ninguém sabe qual vai ser o veredito disso, mas há a hipótese de que alguns [réus] sejam condenados. No caso de serem condenados, há a acusação de que dinheiro público foi envolvido nos crimes que são imputados aos réus. Se dinheiro público foi envolvido, se assim for decidido pelo Supremo e houver condenação, aí o governo, a AGU, tem que entrar com ações para recuperar esse dinheiro público?
Luís Inácio Adams: É muito “se”, né? Se... Se... Se...
Folha/UOL: É verdade.
Luís Inácio Adams: Eu acho que quando houver a decisão é que vão ter que avaliar evidentemente se a decisão indicar ou afirmar o desvio, esse desvio vai ser corrigido. Agora, tem que se ver de fato o que vai ser decidido.
Folha/UOL: Quando o sr. diz que o desvio vai ser corrigido...
Luís Inácio Adams: Exato. Vai ser atrás da recuperação dos ativos. Estamos aqui...
Folha/UOL: Quer dizer, os réus, os condenados é que vão ter que pagar pelo desvio.
Luís Inácio Adams: Vão ter que ressarcir exato. Quem for responsabilizado pelo desvio tem que devolver. Agora, se... se... se... Agora é esperar para ver o que vai ser decidido.
Folha/UOL: Mas, nesse caso, a iniciativa dentro do governo, administrativamente, caberia a CGU, aí, nesse caso?
Luís Inácio Adams: Depende de cada caso. Nesse caso, sendo uma ação penal, o ressarcimento pode ser obtido dentro da própria ação pena pelo Ministério Público, em princípio. Mas, não necessariamente... [a AGU].
Folha/UOL: Entendi. Daí, caberia, no caso, ao governo aguardar que o Ministério Público perseguisse, então, a recuperação desse eventual desvio, se for este o caso.
Luís Inácio Adams: Se for. Agora, como eu disse, é muito “se”, né? Tem que esperar o processo concluir para de fato ter uma decisão. Não gosto muito de especular coisas que ainda vão ser decididas.
Folha/UOL: Ministro Luís Inácio Adams, muito obrigado por sua entrevista a Folha de S.Paulo e ao UOL.
Luís Inácio Adams: Obrigado. Foi um prazer.
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